_ Parliament of the Republic of Portugal. Celebration of 70 years of victory over fascism.
Keynote speaker: China in the context of World War II. 08.07.2015
António dos Santos Queirós
António dos Santos Queirós
A omissão da história. As causas da II Guerra Mundial e a invasão da China
O contributo militar da China para a derrota do fascismo mundial. A Nova China e o problema da Paz. A Coexistência Pacífica
A China no contexto da II Guerra Mundial
A omissão da história
No Museu Militar
de Paris, no Palais des Invalides, e
no setor dedicado à II Guerra Mundial, há um quadro trágico que regista o
número e a nacionalidade das suas vítimas:
No topo, a URSS,
com 26 milhões de mortos.
A China logo a
seguir, com 12,6 milhões de mortos.
A Alemanha e a
Polónia partilham o mesmo número de 6 milhões mais 6 milhões de mortos.
O Japão segue-os
com 2,6 milhões.
A Jugoslávia com
1, 5 milhões.
As Filipinas com
1 milhão.
A França com
580.000.
A Roménia e a
Grécia com 460.000 mais 460.000.
A Itália com 444.500.
O Reino Unido
com 445.000.
A Checoslováquia
com 360.000.
Os EUA com
340.000.
A Holanda com
240.000.
A Bélgica com
100.000.
A Índia com
50.000.
O Canadá com
45.000.
A Austrália com
21.000.
A Bulgária com
20.000.
A Nova Zelândia
com 18.000 fecha esta escala fatídica, que se aproxima dos 50 milhões de
vítimas mortais, das quais mais de 30 milhões eram civis.
As nações e os
povos de todo o mundo deram a sua vida pela causa da liberdade e da soberania
nacional, pelos ideais da democracia liberal ou socialista e pela esperança num
mundo mais justo e pacífico. E falo das nações vencedoras e vencidas, pois a
sorte da guerra abriu a todas elas o direito a escolher o regime económico e
social e o tipo de democracia onde iriam construir um futuro comum.
Assim foi
escrita e aprovada a Declaração Universal
dos Direitos Humanos, adotada pela ONU em 10 de Dezembro de 1948 (A/RES/217).
Esboçada principalmente por J. P. Humphrey, do Canadá, teve no Dr. P.C. Chang,
representante da República Popular da China_RPCh e das posições dos países
asiáticos, o principal mediador dos consensos estabelecidos nos seus 30
artigos.
Devo aqui
sublinhar que em nenhum dos artigos da Declaração Universal dos Direitos
Humanos se consagra o modelo de democracia liberal como o modelo ideal da
democracia política. E tão pouco pode
ser reduzida à questão das “liberdades políticas” formais. O que o seu Artigo
21º prescreve é o caminho para a cidadania e para a diversidade dos regimes
democráticos
“Artigo 21°
1. Toda a pessoa tem o
direito de tomar parte na direcção dos negócios públicos do seu país, quer
directamente, quer por intermédio de representantes livremente escolhidos.
2. Toda a pessoa tem
direito de acesso, em condições de igualdade, às funções públicas do seu país.
3. A vontade do povo é o
fundamento da autoridade dos poderes públicos: e deve exprimir-se através de
eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual, com
voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de voto.”
Todos os outros 29 artigos, que consagram os direitos democráticos
fundamentais, com são direito ao trabalho e à proteção social, à igualdade
perante a lei ou de género, possuem a
mesma dimensão política e estão subordinados a dois imperativos éticos que a Declaração proclama, o
imperativo da dignidade e o imperativo da paz:
“…o reconhecimento da
dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos
iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz
no mundo;”
Essa dignidade será protegida através de
“…um regime de direito, para que o homem não
seja compelido, em supremo recurso, à revolta contra a tirania e a opressão;”
E só será defendida com
“…o desenvolvimento de
relações amistosas entre as nações;”.
Porque, como afirma o nosso poeta Jorge de Sena na
filosofia e na ética política dos seus
versos:
“…/…
tudo se perde onde se perde
a paz,
e primeiro que tudo se perde
a liberdade.” Jorge
de Sena, “A Paz”
Mas há naquela
estatística, que mal conhecemos ou ignoramos, um sinal inquietante, de que
carecemos de olhar o outro lado do mundo, na sua complexa diversidade e
ultrapassar a visão etnocêntrica.
Para que a nossa
visão incompleta das coisas não se transforme em “verdade histórica” e em
“pensamento único”.
Há no pensamento político
e económico ocidental um preconceito comum que atravessa a direita e a esquerda
e a que se chama etnocentrismo, assim definido por um dos maiores antropólogos
modernos, Jorge Dias,
"Etnocentrismo é uma atitude emocionalmente
condicionada que faz considerar e julgar outras sociedades pelos critérios
originados pela própria cultura. É fácil ver que esta atitude leva ao desprezo
e ao ódio de todas as espécies de vida que são diferentes daquela do
observador." (Estudos
de Antropologia, 1961)
A historiografia
que enforma a cultura a ocidente e a sua difusão multimédia e na comunicação
social precisa pois de ser reescrita com as contribuições de todos os países e
nações.
A China na II
Guerra Mundial
O segundo
conflito mundial não foi o fruto da loucura de um ditador, dos sonhos de
grandeza perdida de outro tirano e da vontade imperial de um terceiro. A guerra
moderna é o resultado da concorrência económica e depois política, entre as
oligarquias_ financeiras, económicas, políticas e militares, que se forjam na
construção dos impérios, na corrupção das democracias e dos socialismos ou
sobre os seus escombros.
Os financiadores
de Hitler não foram apenas as poderosas famílias de Thyssen e Kirdoff, mas
também empresas multinacionais alemãs, como a I.G. Farben e a A.E.G., onde o capital
internacional, sobretudo norte-americano, investira fortemente, beneficiando
das simpatias políticas pelo nazismo dos líderes de companhias e bancos com o
JP Morgan, Dupont, Singer, GM e Sun Oil, conspiradores contra o governo democrático
de Roosevelt. E o próprio Deutsche Bank, segundo
concluiu o“Relatório do OMGUS” ( do Governo
Militar dos EUA para Alemanha, em 1946/47). Ou como a Fiat em Itália. E os
grandes conglomerados financeiros (zaibatsu),
no Japão, controlados pelas famílias que os fundaram desde o século XIX.
O conflito
militar torna-se inevitável quando se esgotam os meios pacíficos de disputa dos
mercados e os ”interesses nacionais dos países” são invocados para justificar o
recurso à violência do estado. As novas potências emergentes lutam para ocupar
o espaço vital do mercado globalizado. Mas a origem da guerra é também a causa
do seu fim anunciado, porque todos os conflitos militares impõem uma solução
política.
China e Japão
sofreram no século XIX dos mesmos “Tratados Infames”, impostos pelas potências
ocidentais, que abriram as suas frágeis economias à concorrência dos produtos
ocidentais e ao comércio do ópio, desorganizaram e arruinaram as suas economias
agrárias e semifeudais.
No período de
1868 a 1913, o Japão completou a restauração Meiji, segundo a consigna, “País rico, Exército forte”, transformando-se
ele próprio numa potência regional, com uma poderosa indústria que necessitava
de novas fontes de matérias-primas e de mercados mais vastos. A Primeira Guerra
Sino-Japonesa (1894-1895) permitiu ao Japão colocar sobre o seu domínio a
Coreia, um reino que secularmente fora vassalo do imperador chinês, apoderando-se
de grandes recursos em carvão e minérios de ferro para a crescente base industrial
do Japão. Anexou igualmente as Ilhas dos Pescadores ou Penghu e Taiwan. E obteve
em indemnizações de guerra um verdadeiro saque que lhe permitiu finalmente
adotar o padrão-ouro. A Guerra entre a Rússia czarista e o Japão (1904-1905), permitiu
a este país controlar a península de Liaotung, o estratégico Porto Artur e a
linha de caminho-de-ferro da Manchúria do Sul, que a China se virá obriga a
ceder. A I Guerra Mundial, afastando as
potências beligerantes do mercado japonês, fortaleceu o imperialismo deste país:
limitado no Pacífico pelo poderio da Inglaterra e pelas ambições dos EUA, o seu apetite expansionista virou-se para a
China.
A China entrou
no século XX com a sua economia agrária arruinada pelo roubo do chá, a abertura
forçada dos portos ao comércio do ópio e das mercadorias estrangeiras, a
soberania amputada nas concessões impostas pelas 8 grandes potências e o regime
imperial em decadência. Neste quadro, a
revolução democrática de 1911, dirigida por Sun Yat-sen, proclamou como
objetivo derrubar a monarquia absoluta da dinastia Qing e fundar uma República
Democrática, resgatar a soberania nacional, pôr fim ao regime feudal de
propriedade da terra e ao poder dos caudilhos militares, desenvolver a
indústria e a economia capitalistas. Numa primeira fase, apenas a região do
Tibete, onde o feudalismo religioso era mais forte, tentou proclamar a sua
independência da nova república, mas ficou isolada, na China como perante a
comunidade internacional. Na década
seguinte e sobretudo após o período da I Guerra Mundial, as potências europeias
e os EUA recuperaram todo o seu poder, os caudilhos militares tomaram o
controlo de vastas regiões do país, a China continuou a ser um país semifeudal
e semicolonial e o governo democrático viu-se envolvido num confronto militar e
numa guerra civil generalizados.
O partido
Kuomitang, sob a liderança de Sun Yat-sen, congregou então todas as forças e
classes progressistas da China, incluindo liberais e comunistas, a
intelectualidade e a burguesia nacional.
Os camponeses chineses despertaram da sua dominação milenar e,
juntamente com os operários fabris das concessões coloniais (onde se
encontravam também inúmeras fábricas de capital Japonês), foram os
protagonistas da grande revolução de 1924-1927.
Mas uma nova direção
tomou conta do Kuomitang, quebrou a aliança nacional que este representava e
instituiu na China um regime militar autoritário, passando a hostilizar e
perseguir os democratas e comunistas, suprimindo as liberdades democráticas nos
territórios que controlava. No advento da II Guerra Mundial a China era um país
envolvido numa guerra civil generalizada, com os caudilhos militares a Norte, o
governo do Kuomitang subordinado às potências estrangeiras e algumas regiões
remotas onde tinha sido realizada a reforma agrária e instituídos os primeiros
sovietes.
A II Guerra Mundial desencadeia-se na Europa
após o fracasso da “política de apaziguamento" do nazi-fascismo, que
permitiu o esmagamento da República Espanhola, a anexação da Áustria e o
desmembramento da Checoslováquia, já em 1938.
Na China decorre
um processo político semelhante, tendo o Japão como potência agressora.
Em 18 de
Setembro de 1931 o exército japonês, acantonado no Nordeste da China, iniciou uma campanha militar que lhe permitiu
ocupar as províncias de Liaoning, Jiling e Heilongjiang, ricas em minerais e
petróleo e ameaçar Shangai, criando a república fantoche do Manchukuo, com Pu
Yu, o último herdeiro da dinastia Qing.
Através da
mediação da Inglaterra e dos EUA o governo do Kuomitang, sedeado em Nanquim,
cedeu a soberania do Nordeste da China. Mas aqui se iniciou a II Guerra
mundial. O Kuomitang dividiu-se e um exército de guerrilha unificado, incluindo
comunistas e democratas, iniciou nessa região a guerra patriótica de
resistência ao Japão.
Em 1935 e
explorando a política de não resistência do Kuomitang , os militaristas
japoneses passaram ao assalto de todo o norte da China, contando com a
colaboração dos setores mais retrógrados da sociedade chinesa. Por todo o país
se começou a elevar um clamor para a unidade nacional contra a agressão, pelo
fim da guerra civil e a constituição de um Governo de Defesa Nacional e de um
Exército Aliado anti Japonês, e pelo restabelecimento das liberdades
democráticas em toda a nação.
Em 7 de Julho de
1937, dois anos antes da ocupação da Polónia,
as forças armadas japonesas avançaram sobre Pequim e Tianjim para conquistar toda a China. Uma vez mais, é
necessário acertar o calendário da história da II Guerra Mundial.
O povo chinês
passou à resistência e criou a Frente Única Nacional Anti japonesa. As
potências ocidentais, na Europa como na China, prosseguiram na sua política de
cedências e apenas a URSS, que assinara com o Governo nacional da China um
pacto de não-agressão, enviou em sua ajuda assessores militares e esquadrilhas
aéreas voluntárias, recursos financeiros e materiais.
O contributo militar da China para a derrota
do fascismo mundial
Em finais de
1941 as forças armadas japonesas contavam com 2.100.000 mil efetivos nas forças
terrestres e 300.000 nas forças navais.
Na sua ofensiva
no Pacífico, contra os EUA e as colónias inglesas, o Japão lançou 400.000
soldados, deixando em reserva, para defesa do seu território, outros tantos.
Para conquistar a China e enfrentar a resistência do seu povo, teve de
concentrar neste país a maior parte dos seus soldados, um exército de 1.300.000
soldados.
Os invasores
japoneses e as tropas que recrutaram localmente sofreram na China mais de 1.714.000
baixas, 524.000 soldados japoneses. Aquando da rendição, em 2 de Setembro de
1945, 1.280.000 efetivos do exército japonês depuseram as armas, o que
significa, que todas as reservas da nação japonesa foram sacrificadas na guerra
contra a China e que a resistência do seu povo deu a maior contribuição
estratégica para a vitória dos aliados na Ásia pacífico. Sem essa resistência,
a Japão poderia ter quadruplicado a sua capacidade militar nos outros teatros
de guerra. O exército unificado da China teve ainda um papel determinante, com
o britânico, na libertação da Birmâmia (Myanamar) e no apoio à Frente Democrática
da Coreia, na época liderada pelo seu Partido do Trabalho.
O carater
político da guerra determinou um percurso distinto dos cenários de batalha
convencionais, e o futuro da grande
nação chinesa, desembocando em nova guerra civil e na fundação da República
Popular da China.
O Japão imperial
definiu o objetivo da sua estratégia nacional como de “estabelecer uma nova
ordem na Ásia Oriental” e desdobrou-a para a China sob a consigna de “combater os comunistas”.
A estratégia
militar japonesa tinha como objetivo converter a China na base de retaguarda
para a Guerra no Pacífico.
A sua estratégia
operacional, em tudo semelhante à “guerra relâmpago “ concebida pelos
estrategas nazis para Europa, tinha como objetivo conquistar em três meses as
grandes cidades chinesas de Shangai a Guanghzou (Cantão), e os seus principais
portos, avançando a partir das linhas férreas que partiam de Pequim e Tianjin,
cercando e aniquilando os corpos de exército chineses com fulminantes “operações
de limpeza”. Esta cultura estratégica, que visava aterrorizar o inimigo e
impedir qualquer resistência, atingiu o horror no massacre de Nanquim, a
capital do Kuomitang, a 13 de Dezembro de 1937. Durante seis semanas, após
bombardeamentos massivos e indiscriminados, mais de 300.000 soldados e civis chineses
foram massacrados, fuzilados e enterrados vivos. Nas áreas que controlavam,
procuraram organizar uma administração fantoche, recrutando setores do Kuomitang e
formando milícias, anexaram as empresas, controlavam todos os recursos
estratégicos e prosseguiam o terror com a política de “responsabilidade
solidária de dez lugares”, a pena de morte para dez famílias por cada uma que
se envolvia na luta de resistência.
Contra as bases
de apoio anti japonesas criadas na retaguarda dos territórios conquistados e
nas zonais rurais e também nas áreas disputadas pela guerrilha, realizavam
sucessivas “campanhas de limpeza”, de “depuração “ e de desgaste” e de
“fortalecimento da ordem pública”, recorrendo mesmo à utilização de gases
tóxicos e à guerra biológica, acontecimento único em todas os teatros do
conflito mundial, que ainda hoje mortifica os descendentes das vítimas
O Governo do
Kuomitang nunca implantou nas regiões
sob a sua autoridade um regime democrático e, sistematicamente, prosseguiu as
suas campanhas militares para cercar e aniquilar as bases do Exército Popular
de Libertação. Os seus líderes, ligados aos setores exportadores e financeiro,
acumularam gigantescas fortunas de guerra, enquanto a inflação dos bens
essenciais e dos impostos esmagava o povo. Em nenhuma região implementaram as
medidas de reforma agrária. A sua estratégia de guerra convencional conduziu à perda
das principais cidades e províncias da China, que caíram sucessivamente sob o
domínio japonês.
A definição de
uma estratégia militar de guerra popular prolongada, que englobava a combinação
da estratégia operacional da guerra de
guerrilhas e da guerra de movimento, levou à criação de bases de apoio anti Japonesas (
que em 1940 já englobavam 100 milhões de camponeses e se estenderiam por mais
de um milhão de km2), onde foi instaurada uma administração democrática, diferente
dos denominados sovietes, segundo a regra dos 3 terços, isto é a representação
nos órgãos de poder de um terço de representantes comunistas, outro terço para
outros setores de esquerda e ainda um terceiro para os nacionalistas, onde a reforma agrária prosseguiu mas com a
expropriação da terra substituída por uma política de redução das rendas e
empréstimos aos camponeses, a propriedade empresarial e dos camponeses ricos
respeitada.
O Exército
Popular de Libertação, introduziu na estrutura militar o sistema dos
comissários e instrutores políticos e a participação nas atividades
produtivas, levantando em armas mais de
2 milhões de milicianos e tropas locais e o seu quadro, que foi incorporando
grandes unidades que desertavam do Kuomitang, chegaria ao 1.200.000 de
efetivos.
O projeto de
criação de um governo democrático de frente única, através da convocação de uma
Conferencia consultiva nacional, foi ganhando os setores intermédios da
sociedade e deixou isolados os setores militaristas do Kuomitang e o seu líder
Jiang Jieshi, que no seu livro o Destino da China proclamara a sua oposição não
apenas a qualquer forma de socialismo mas também à democracia liberal.
Seguro da sua
superioridade militar e do apoio das potências colonizadoras da China, agora já
sob o signo da Guerra Fria, quebrou todos os acordos e compromissos, e escolheu
o caminho da guerra civil, mas levantou
contra ele a nação chinesa e acabou derrotado.
A aliança
política forjada na resistência contra o Japão e consolidada neste período
levou à convocação da Conferencia
consultiva política do povo chinês em Pequim, entre 21 e 30 de Setembro de 1949,
que, antes da constituição da Assembleia Popular Nacional eleita por sufrágio
universal se assumiria aas suas funções. A República Popular da China foi
proclamada a 1 de Outubro, por Mao Tse Tung, o seu primeiro presidente.
A Nova
Democracia e ou República Popular nasceria na China sob direção do seu Partido
Comunista, com duas singularidades que iriam alterar o modelo ortodoxo da
revolução socialista: o seu regime político seria um regime pluralista, assente
num sistema de consulta e partilha do poder, que a futura constituição iria
consignar.
A China iria
percorrer o seu próprio caminho para o socialismo.
A Nova China e o problema da Paz
Existem no país
oito partidos que foram criados durante o período anterior à fundação da
República Popular da China, denominado Guerra de Resistência à Agressão
Japonesa e da Revolução Democrática, com base numa aliança com o Partido
Comunista da China: O Comité Revolucionário do Partido Komingtang da China, com
cerca de 650.000 membros, fundado em 1948, é dos mais representativos e o seu
principal objetivo é a reunificação do país; a Associação da Construção
Democrática da China, nascida em 1945, composta por empresários e quadros
empresariais, predomina em número com os seus 850.000 aderentes; a Sociedade de
Três de Setembro, nascida em 1946, inclui 80.000 aderentes, a Associação de
Fomento da Democracia da China, com 80.000 membros, fundada em 1945 e o Partido
Democrático Camponês e Operário da China, com origem em 1930 e 81.000
inscritos, representam quadros e trabalhadores intelectuais; o Partido Zhi Gong
remonta a 1920 e integra sobretudo chineses que retornaram ao país, contando
com 20.000 membros; a Liga Democrática da China é um núcleo de 156 intelectuais
do sector educativo e cultural com origem em 1941; e a pequena, com 1600
membros, Liga para Democracia e
Autonomia de Taiwan, criada em 1947 por personalidades nascidas naquela ilha,
completam o sistema multipartidário Chinês, que permaneceu ate à atualidade.
Os presidentes dos comitês centrais
dos oito partidos democráticos são vice-presidentes do Comitê Permanente da
Assembleia Popular Nacional e da Comissão Nacional da Conferência Consultiva
Política do Povo Chinês.
A Assembleia Nacional Popular é o
órgão do poder supremo na China. Todos os cidadãos maiores de 18 anos têm o
direito de eleger (e ser eleito) o seu representante ao Congresso Nacional
Popular. Na China, os representantes da assembleia popular aos níveis de aldeia
e distrito são eleitos diretamente. Os representantes aos níveis mais altos são
eleitos indiretamente. A Assembleia Nacional Popular é composta por
representantes eleitos em todas as províncias, regiões autônomas, municípios e
no exército. Os Congressos populares dos níveis superiores têm o mandato de 5
anos e os restantes de 3 anos.
As funções básicas da Assembleia
Nacional Popular da China incluem a elaboração e aprovação do programa nacional
de desenvolvimento económico e social, cabendo-lhe, além do poder
legislativo, eleger ou demitir os principais
líderes chineses, tais como, o presidente do país, o presidente do Comitê
Permanente da Assembleia Nacional Popular, o primeiro-ministro do Conselho de
Estado e os seus ministros e outros líderes,
como o presidente e o vice-presidente do Supremo Tribunal Popular. Foi a
Assembleia Nacional Popular que procedeu à aprovação das versões da
Constituição datadas de 1954, 1975, 1978 e 1982.
A China é um estado de direito, com
um sistema hierarquizado de tribunais populares e uma Procuradoria
independente.
Na estrutura superior do poder
conservou-se a Comissão Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo
Chinês e os seus orgãos locais, com
funções de consulta política e supervisão democrática, compostos por
representantes do Partido Comunista da China, partidos democráticos,
personalidades não partidárias, entidades populares, todas as minorias
nacionais e todos os sectores sociais, incluindo as Regiões Administrativas
Especiais de Hong Kong e Macau, Taiwan e chineses regressados do exterior, com
mandato de cinco anos.
O
socialismo é definido constitucionalmente com um período inicial onde
«…
o Estado persiste no sistema económico fundamental, tendo por principal a
propriedade pública com o desenvolvimento conjunto da economia de propriedades
diversificadas, e no sistema de distribuição tendo por principal «a cada um
segundo o seu trabalho» com a coexistência de meios diversificados de
distribuição.»
Esse
caminho conduziu a fracassos e vitórias, e a diversas fases de desenvolvimento
que permitiram elaborar o conceito de “economia socialista de mercado”, questão
mal estudada a ocidente, e baralhar o pensamento dogmático, como o princípio
político “um país, dois sistemas”, aplicado á transição de Hong Kong e Macau,
até ao período atual de abertura e agora de transição ecológicas da economia, com
a inscrição nos próprios estatutos do PCCh dos princípios de defesa do
ambiente.
Mas
o fim da Guerra de Resistência contra o Japão foi apressado por um
acontecimento trágico que vitimou o Japão e determinaria o curso da política
internacional até á atualidade: o uso da bomba atómica contra os habitantes de
Hiroxima e Nagasáqui.
O exemplo
clássico da resolução de um dilema ético com base no princípio do utilitarismo,
é a justificação política e moral do lançamento da primeira bomba atómica sobre
Hiroxima e, depois da segunda sobre Nagasaky, comparando os mais de 200.000
mortos confirmados com a estimativa superior a um milhão de baixas, estimada
pelos estrategas militares, caso os EUA tivessem que invadir e conquistar o
Japão com armas convencionais.
A objeção moral
mais comum contra a resolução deste dilema ético pelo holocausto nuclear do
povo Japonês, reside no valor intrínseco da vida humana, que no imperativo
categórico kantiano constitui um fim em si mesmo e não pode ser
usada/aniquilada como um meio para beneficiar outros indivíduos, mesmo que para
obter um benefício superior, neste caso, diminuindo as baixas.
Colocado assim o
problema, a ética moderna e moral, na sua dimensão prática, parece tornar-se
inconsequente e teoricamente paradoxal.
Mas nas semanas
anteriores a Hiroshima, a maioria dos cientistas que trabalhavam no desenvolvimento
da bomba atômica, o Projeto Manhattan, tentaram impedir o seu lançamento direto
sobre as cidades japonesas, propondo uma estratégia de explosão em espaço
aberto, com o fim de demonstrar o seu poder destrutivo. Perante a hesitação do
próprio líder do projeto, os militares que o dirigiam recorreram à ameaça,
chantagem e à manipulação da informação. Realizado o primeiro lançamento,
impuseram o segundo, invocando o argumento de que os militaristas japoneses não
queriam ceder.
Os documentos
militares secretos da época, que entretanto foram desclassificados, mostram que
havia uma intenção deliberada de experimentar o efeito da bomba sobre os seres
humanos e uma segunda finalidade
política: meter em respeito a URSS triunfante e os novos estados socialistas
que emergiam a Leste e na Ásia: começava a guerra fria.
Aqueles
cientistas, conscientes dos perigos do uso militar da energia nuclear, e dos
riscos de novos confrontos que poderiam conduzir à extinção da humanidade,
deram corpo ao movimento cívico e político denominado Movimento dos Cientistas,
que chegou a congregar 515 cientistas de Harvard e MIT em 1945, com base num
programa que seria a base de todos os discursos, livros e artigos posteriores e
que tinha como objetivo conduzir o governo americano para um acordo
internacional com a URSS, de forma que tais armas não fossem mais produzidas.
Vejamos o seu argumentário:
1- Other Nations would soon be able to produce
atomic bombs (outras nações, em breve poderão produzir bombas atômicas).
2- No effective defence was possible
(nenhuma defesa absoluta é possível).
3- Mere numerical superiority in atomic
weaponry offered no security (a mera superioridade numérica de armas
atômicas não garante a segurança).
4- A future atomic war would destroy a large fraction of civilization
(uma futura guerra nuclear irá destruir uma larga fração da civilização)
5- Therefore, “International cooperation of an
unprecedented kind is necessary for our survival” (logo, uma nova cooperação
internacional sem precedentes é necessária para a nossa sobrevivência).
A heurística do
medo foi a sua estratégia de propaganda, mas o governo americano conseguiu
desmantelá-lo em 1947 e adotou esse discurso exatamente para o fim oposto.
A Coexistência Pacífica
Ainda em plena
Guerra Fria, a RPCh elaborou uma nova estratégia para a paz mundial, uma “grande
estratégia”, na asserção das ciências políticas e militares:
Que engloba uma
estratégia nacional, assente já não apenas na prosperidade geral da nação, mas
na transição ecológica da economia e das comunidades, recuperando o património
natural da China, “A China Formosa”. Nação entendida aqui já não na oposição de
classes mas na harmonização dos seus interesses através do sistema da economia
socialista de mercado e do “império da
lei”, mas de modo a aproximar a cidade do campo, nivelar as 56 nacionalidades e
a elevar o nível de bem estar das classes populares, limitando o poder e
aumentando o contributo social dos novos milionários e da camada superior da
classe média, através da fiscalidade e,
sobretudo, da permanência do controle do estado no setores fundamentais da
economia e do capital financeiro, da sacralização da propriedade da terra, cujo
usufruto é partilhado e mesmo mercantilizado, mas não pode ser apropriada pelos
interesses individuais, enquanto símbolo de uma cultura quatro vezes milenar e
na correção das disfunções e crises do mercado. Realizando “O Sonho Chines” da
plena soberania nacional, que inclui obviamente o Tibete, Hong Kong e Macau e a
reintegração pacífica de Taiwan, e o respeito do mundo, acompanhados com o
acesso aos bens da civilização, numa lógica de cooperação e partilha
internacional assente nos Cinco Princípios da Coexistência Pacífica; igualdade,
reciprocidade, benefício mútuo, não ingerência e resolução pacífica dos
diferendos.
Uma estratégia
militar de auto-defesa, que recusa e se opõe à hegemonia, às políticas
intervencionistas, à corrida ao armamento ofensivo e às alianças militares e determina
a integração do poder político e militar, sob a direção daquele.
E uma estratégia operacional de cooperação
internacional que recusa a subalternização da ONU, preconiza a aplicação
integral da sua Carta e a passagem para esta instância internacional da
mediação e decisões sobre todos os
conflitos
O principal contributo do Partido Comunista
Chinês_PCCh para fundar o denominado regime de “democracia popular”, com base
na democracia económica e tendo em conta a Declaração Universal dos Direitos do
Homem, muito citada mas pouco conhecida nos seus 30 artigos, foi na época
distribuição aos 500 milhões de camponeses da posse da terra, que tornaram
agricultável ao longo de quatro mil anos de civilização (Declaração Universal
dos Direitos Humanos: Artigo 17° Toda a
pessoa, individual ou colectivamente, tem direito à propriedade) e tê-los
libertado do flagelo dos senhores da guerra, e conquistado a paz, a
coexistência pacífica entre 56 nacionalidades, instrução, cuidados primários de
saúde e assistência social básica, tal como o direito generalizado ao trabalho.
A população,
que era de 542 milhões, cresceu para 1.300 milhões de cidadãos.
A esperança de vida passou de 36,5 para 73,4
anos.
O rendimento
per capita elevou-se de 51 dólares para 2.770.
Em 1979 os impostos e taxas dos camponeses
correspondiam a 41% da receita fiscal. Caíram, à medida que se desenvolviam a
indústria e os serviços, para 1% do total da receita fiscal no ano de 2003.
As
“foreing-exange reserves”, anteriormente inexistentes, elevaram-se até 2
“triliões” de dólares, as maiores do mundo.
O número de
estudantes no ensino superior passou de 112.000 para 2.200 milhões, em cada ano
letivo.
O
analfabetismo, que atingia 80% da população, praticamente foi erradicado e o
ensino básico e secundário abrange hoje 206 milhões de jovens.
A mortalidade
infantil caiu de 1.500 para 34,2 por 100.000 nascimentos.
As 56 nacionalidades da China vêm a sua autonomia política
respeitada, não apenas na preservação e ensino da sua língua e cultura, como
através da eleição dos seus próprios representantes. E, ao contrário do que se
divulga na opinião pública, a educação, os serviços de saúde, o apoio aos
deficientes e aos direitos femininos, o respeito e cuidado com os mais velhos,
são parte integrante dos direitos constitucionais e sociais generalizados
sobretudo nos últimos 30 anos de República Popular.
Parece-me
igualmente relevante e uma reforma política de alcance universal, a decisão dos
comunistas e democratas chineses de limitar todos os mandatos partidários e do
Estado, nos diferentes níveis, como no caso dos órgãos supremos do Estado, com
dois mandatos de cinco anos, representando uma resposta mais adequada à
perversão do poder democrático, pelo culto da personalidade nos regimes
socialistas e pela constituição de círculos de poder oligárquicos nas outras
democracias, que se perpetuam por dezenas de anos, e facilmente se transformam
em centros de tráfico de influência e mesmo de corrupção, sobretudo com a
promiscuidade que se estabelece entre os lugares ocupados nos ministérios e nas
ricas administrações das maiores empresas.
E a disposição
constitucional chinesa que coloca de novo a questão da possibilidade de
revogação permanente do mandato dos eleitos, a partir do controle e decisão
soberana dos congressos e eleitores que os elegeram.
Cabe-nos a nós, homens e mulheres do século XXI, avaliar os dois regimes que marcaram a história da II
Guerra Mundial e do nosso presente, a democracia liberal e a democracia
socialista, tendo como parâmetros a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
que em 1948 atualiza os ideais de todas as revoluções anteriores, nos seus 30 e
desconhecidos artigos.
E contemporaneamente, os
princípios da Ética Ambiental, sobretudo na sua crítica ao antropocentrismo e
ao etnocentrismo.
E retirar, do debate
político, a espuma suja da luta sem princípios da “guerra fria”, com a redução
dos Direitos Humanos à liberdade política formal e a separação entre a Política
e a Ética Ambiental.
Em tese concluímos:
não existe um caminho único para a democracia e é um direito inalienável de
cada nação escolher esse caminho. Cabe-os a nós cidadãos escrutinar essas
democracias, à luz do pensamento político mais avançado da nossa época: O que.
por consenso, consignou os 30 artigos da
Declaração Universal dos Direitos Humanos e elaborou a crítica da Filosofia
Ambiental e da sua Ética à ideologia liberal e à ideologia socialista.
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