Livro: “Manual de Filosofia e
Arquitectura da Paisagem. Um Manual.” Capítulo III. Viver a Paisagem.”
Coordenação de Adriana Veríssimo Serrão. Autor do texto “Turismo de paisagem”.
Edição CFUL. 2013. Págs. 177-187. ISBN 978-989-8553-12-6
Turismo de paisagem
António dos Santos Queirós
Forma e essência do recurso
turístico: A paisagem cultural
O conceito
de “indústria turística” conduziu a olhar os recursos locais_ biológicos e
geológicos, agro-pecuários e silvícolas, etc. como as suas matérias primas. Na
verdade os primeiros são utilizados e transformados por outras indústrias, e,
em muitos casos, a atractividade do turismo exige sobretudo a sua conservação.
Quanto aos segundos, o seu consumo é partilhado entre residentes e viajantes.
O que
constitui recurso turístico é a paisagem cultural, humanizada, que
investigaremos a seguir. A sua leitura e interpretação é a base da criação do
produto turístico e da sua primeira metamorfose de valor. É a ecologia da
paisagem e a sua metafísica, que constituem a essência do recurso turístico,
mas só a sua interpretação e leitura lhe confere uma novo acréscimo de valor
cultural e económico. A paisagem não é um livro aberto, inteligível
empiricamente. A sua transformação em produto turístico passa pela sua
legibilidade, que lhe confere valor de uso;
é uma metamorfose que, no plano da economia gera valor, e é também um
processo de literacia cultural, mediado
pela construção da linguagem de comunicação turísticas; o resultado deste
processo altera a forma e a essência dos conceitos tradicionais de recurso e de
produto turístico.
A História
Natural, servida pelas Ciências da Terra, pela Geologia e a Geomorfologia em
particular, revela-nos a diversidade do património geológico e aos seus
monumentos naturais.
As Ciências
da Vida, informam-nos das dimensões e do valor da biodiversidade, sobretudo a
Biologia e a Botânica, tal como sobre o valor dos novos biótopos resultado da
humanização da paisagem.
A História
Social, nas suas valências de património construído, arqueológicas, artísticas e etnográficas,
permite-nos usufruir do património construído, das obras de arte e literatura,
e dos objectos e peças etnográficas.
E quando
abordamos estas “matérias primas”, não nos esquecemos da sua dimensão
imaterial, traduzida no imaginário erudito e popular e nas suas expressões
criativas, na literatura, na dança, no filosofar, na música… A expansão da
espécie humana por todas as regiões do globo e sua adaptação à diversidade dos
habitats gerou na Idade Moderna uma nova relação da Humanidade com a Natureza:
deixaram de existir os grandes quadros naturais puros, toda a paisagem se
transforma, directa ou indirectamente, pela actividade humana, produzindo ora
inomináveis destruições ora novas paisagens culturais.
A ecologia e
a estética da paisagem dependem hoje ainda mais dos agricultores e camponeses,
porque não há uma conservação plena da ecologia da paisagem, nem se preserva a
sua estética, com o ermamento e abandono do mundo rural, onde persistem hoje
inumeráveis biótopos que resultam da interacção da acção antrópica com a
biodiversidade inicial. Com a sua ruína e emigração, correm risco de
desaparecer muitas paisagens culturais. Noutro plano, ocorre igualmente um
processo de destruição dos denominados centros-históricos urbanos. Eis como a
reabilitação dos patrimónios e a conservação da natureza e dos objectos
culturais se tornou uma questão vital para a actividade do Turismo e para a
rentabilização das suas Cadeias de Valor tradicionais.
Veremos
adiante como a existência de um património ambiental materializável pela
contribuição das diversas ciências nos conduz ao conceito de ecologia da
paisagem e, simultaneamente, o reconhecimento de um outro património imaterial
se traduz numa metafísica da paisagem, dois conceitos extremamente importantes
para definir o turismo cultural e de natureza e operacionalizar a oferta dos
seus produtos em Rotas e Circuitos.
A Representação da Natureza e a
Categoria do Ambiente, conceito e significado
Importa assinalar que, em nossa opinião, o conceito de
ambiente se constitui e adquire uma conotação “moderna” quando deixa de
significar apenas conservação da natureza e oposição da cidade ao mundo rural,
enriquecendo-se com novas significações que comportam os valores conotativos do
despertar social perante os perigos da industrialização e urbanização e a
resposta cívica aos problemas da saúde pública e da sobrevivência da humanidade
gerados pela poluição generalizada e a destruição dos recursos naturais
finitos.
Acerca do conceito de Ecologia, criada pelo biólogo
alemão Ernest Häeckel, em 1869, e criticamente analisado na obra de Anterro,
particularmente na sua Filosofia da
Natureza, evoquemos algumas passagens de Eugene P. Oddum, retiradas da sua
obra monumental, Fundamentos da Ecologia:
“A palavra ecologia deriva da palavra grega oikos,
que significa «casa» ou «lugar onde se vive». Em sentido literal é o estudo dos
organismos «em sua casa». A ecologia define-se usualmente como o estudo das
relações dos organismos ou grupos de organismos com o seu ambiente, ou a
ciência das inter-relações que ligam os organismos vivos ao seu ambiente. Uma
vez que a ecologia se ocupa especialmente da biologia de grupos de organismos e de processos
funcionais na terra, no mar e na água doce, está mais de harmonia com a moderna
acepção definir a ecologia como o estudo da estrutura e do funcionamento da
natureza, considerando que a humanidade é uma parte dela….A longo prazo a
melhor definição para o domínio de uma matéria ampla é provavelmente a mai Isto
no que se refere às definições. Para compreender o domínio e a importância da
ecologia, a matéria tem de ser considerada em relação com outros ramos da
biologia e com as ciências em geral.” (Pág. 4, ob. Citada). E, mais adiante:”A
melhor maneira de delimitar a ecologia moderna talvez seja considerá-la em
termos do conceito de níveis de
organização, visualizados como uma espécie de «espectro biológico» …A
ecologia incide sobre a parte direita do espectro, isto é, sobre os níveis de
organização dos organismos nos ecossistemas.”Ob. citada, págs. 5 e 6. Isto no
que se refere às definições. Sendo a mais curta e a menos técnica, a sua
definição como biologia do ambiente. Para compreender o domínio e a importância
da ecologia, a matéria tem de ser considerada em relação com outros ramos da biologia
e com as ciências em geral.” (Pág. 4, ob. Citada).
Mas na nossa acepção filosófica, ele incorpora,
progressivamente, uma dimensão científica plural, não só aquela que lhe
empresta a Ecologia tradicional, enquanto ciência da relação dos seres com o
meio, mas também um vasto leque de outros domínios científicos, a Geografia e a
História quando estudam a humanização dos grandes quadros naturais, a Biologia
que revela a importância da diversidade dos seres vivos, a Geologia que nos
conduz ao reconhecimento das condições paleoambientais geradoras dos ciclos de
extinção e expansão da biodiversidade, a Matemática quando cria modelos de
avaliação e gestão dos sistemas ecológicos, a Física e a Química que intervêm
na análise dos fenómenos de poluição e mudança climática…ao mesmo tempo que
remete para a necessidade de avaliar o nosso modo de crescimento nos planos da
ética e da moral.
Esta nova visão da paisagem, pluri, multi e
interdisciplinar, que é, simultaneamente, um instrumento operativo da sua
hermenêutica e uma categoria do domínio da Filosofia da Natureza e do Ambiente,
designamo-la por:
-Ecologia da paisagem (humanizada). Ela compreende, na nossa
definição, uma visão estrutural e sistémica que engloba os grandes quadros
naturais, caracterizados e diferenciados, seja pelos diversos
domínios da ciência – que vão das ciências do ambiente às ciências exactas;
seja pela presença transformadora do homem no seu esforço de agricultor, pastor
e arquitecto da paisagem. E daí, também, o concurso das ciências históricas e
humanidades.
De facto, a expansão da espécie humana por todas as regiões do globo e
a sua adaptação à diversidade dos habitats mais agrestes, em paralelo com a
crescente universalização e globalização da acção antrópica, originou, a partir
da Idade Moderna, uma nova relação da Humanidade com a Natureza. Até mesmo o conhecimento da paisagem
humanizada, mediatizada pela arte literária e pelas belas artes, engloba a
ecologia da paisagem. Por isso, de ora em diante, utilizaremos apenas o
conceito de “paisagem”, entendido como quadro natural humanizado pelo esforço
(o trabalho) humano.
Recordemos, a propósito a reflexão de Francisco Caldeira Cabral sobre a
paisagem cultural, no âmbito da definição do objectivo e da missão da
arquitectura paisagista:
"…o seu objecto próprio é a
paisagem humanizada, isto é, aquela que o homem modelou para satisfação das
suas necessidades primárias. Quer isto dizer que a sua acção tem por fim o
homem em toda a sua complexidade material e espiritual, para o qual procura encontrar
a satisfação dos fins materiais, mas sem esquecer nunca os aspectos de ordem,
de beleza e equilíbrio. Procura realizar uma síntese das aspirações humanas
neste mundo, e por isso é uma arte, uma das belas artes."( Francisco
Caldeira Cabral, Fundamentos da
Arquitectura Paisagista, pág. 46). Mais adiante, prossegue Caldeira Cabral:
"Nos países da Velha Europa nada resta da natureza intacta…Aqui a intervenção do arquitecto paisagista, que
defendendo a natureza defende o homem, é não só necessária mas imperativa"
(pág. 47). Após o que desenvolve as suas metodologias de cooperação e trabalho,
pluridisciplinares e interdisciplinares, associando arte, ciência e técnica,
operários e lavradores, a ecologia e a biologia com as ciências
físico-matemáticas, a história e a estética, enfim, citando S.Tomás, «uma arte
que coopera com a natureza».
Mas a interpretação da paisagem, na óptica da Filosofia da Natureza e
do Ambiente, ficaria incompleta sem o recurso a um outro elemento categorial,
que definimos como:
Parece-nos adequado recorrer ao conceito
de metafísica associado à paisagem, quer pela sua génese quer pela sua
plurissignificação na história da filosofia. Os escritos de Aristóteles foram
ordenados e coligidos primeiro pela Física e depois pelos “tratados depois dos
tratados físicos”, critério igualmente utilizado pelos escolásticos que usaram
a expressão transphysica. Assim procedeu, em Roma, cerca de 70 a. C. Andrónico
de Rodes. O conceito de metafísica surge no contexto do estudo da ontologia e
da epistemologia, questionando os problemas últimos do Ser e da Realidade e a
sua relação com o conhecimento humano.
A metafísica da paisagem permite-nos
efectuar também a passagem do ensaio e do texto poético para as artes plásticas,
em particular a pintura, o cinema e o multimédia.
Paisagem cultural: Nascimento
da ética. Conceitos de Rota e Circuito
Moniz
Barreto apreendeu, na sua função de crítico, o conceito sistémico da paisagem e
a necessidade de a interpretar à luz de uma nova cosmovisão assente numa
pluralidade científica e estética. No prefácio ao Portugal Contemporâneo,
de Oliveira Martins, elabora esse conceito de uma forma sintética e clara:
“Uma paisagem é um conjunto de elementos
materiais coordenados de um certo modo no espaço e reflectidos de um certo modo
no espírito”. Portugal Contemporâneo, de Oliveira Martins, Prefácio de
Moniz Barreto, pág. 28.
Distinguindo
depois dois tipos de paisagens, a que chama descritiva e expressiva, que
documenta em seguida na obra de Oliveira Martins
"
«Pensamos que é uma preocupação do filósofo, se de alguma outra ciência o foi,
a Geografia, que agora nos propomos estudar…A polimatia
(pluridisciplinaridade) que, só por si, pode conduzir ao termo este trabalho,
não existe em nenhum homem que não considere simultaneamente o divino e o
humano, a cujo conhecimento chamam a Filosofia." (Orlando Ribeiro, Geographia de
Estrabão, Geografia e Reflexão Filosófica, Pág. 188).
A este propósito, recordemos Goethe
noutra obra, a Metamorfose das Plantas:
"A afinidade secreta entre as diferentes partes exteriores da planta, tais
como as folhas o cálice, a corola, os estames, que se desenvolvem
sucessivamente e como que a partir umas das outras…chamou-se Metamorfose das
Plantas…". ( Pág. 35). Da sua introdução, recordemos Goethe de novo:
"É precisamente no cruzamento dos caminhos da arte, do saber e da ciência
que a morfologia tem a sua origem…( cf.«Die
Absicht eigeleitet», HÁ 13, pp. 55)…A forma é uma noção do poder alquímico
e de valor liminar entre o ser e o aparecer. A natureza, a totalidade das
formas, é tematizada a partir do eclodir de epifanias locais…«A doutrina da forma
é a doutrina da transformação. A doutrina da metamorfose é a chave de todos os
sinais da natureza.» («Aufsäte, Fragmente, Studien. Zur
Morphologia», LAI , 10. p. 128).»" (Pág. 27)
“Portugal,
apesar dos seus 89.000 km2….oferece rara variedade de paisagens naturais e
humanas_ paisagem não só exterior ou material, mas também paisagem espiritual
que se revela em inúmeras facetas da alma das suas populações”.
(Jorge Dias, Estudos de Antropologia,
Volume I, Tentâmen de fixação das grandes áreas culturais portuguesas, pág.
159).
E sublinhemos a sua crítica ao etnocentrismo:
"Etnocentrismo é uma atitude emocionalmente condicionada que faz
considerar e julgar outras sociedades pelos critérios originados pela própria
cultura. É fácil ver que esta atitude leva ao desprezo e ao ódio de todas as
espécies de vida que são diferentes daquela do observador." (Jorge Dias, Estudos de Antropologia, Volume I, Uma
introdução histórica etnografia portuguesa, pág. 219)
Anotemos, finalmente, a sua premonitória
consciência dos riscos de rotura cultural e do desaparecimento do património do
mundo rural face à predominância na cultura contemporânea do elemento dinâmico,
como produto da revolução técnico-científica e da comunicação, em paralelo com
uma atitude de menosprezo "pelas formas de visa rústica" das elites
dos países essencialmente agrícolas. (Jorge Dias, Estudos de Antropologia, Volume I, A Etnografia como Ciência, págs.
44 e seguintes)
Os conceitos de Rota e Circuito Turísticos baseiam-se na necessidade de
utilizar uma metodologia científica inter e pluridisciplinar para interpretar e
organizar a visita ao território, que permite ler e interpretar as suas
paisagens culturais.
A primeira chave dessa leitura e interpretação é a História Natural, as
Ciências da Terra, a Geologia. Logo seguida pelas Ciências da Vida, reveladoras
do resplendor da biodiversidade. E a História moderna, social, artística, associada à Etnografia, à Antropologia.
Mas a Geografia é, provavelmente, a ciência que, na sua metodologia de
trabalho científico, mais próxima fica das «Ciências do Turismo».
Tal como nesta ciência, a
essência da metodologia do trabalho científico de informação e guionamento
turísticos consiste em «descrever e interpretar» a Terra e os homens que vivem
no seu seio, mas de forma acessível aos diferentes segmentos de público e, por
aqui, passa a separação própria do objecto e o produto turístico.
Esta concepção científica ao conduzir a uma
Filosofia nascida da observação e da leitura da paisagem e da síntese da Terra
e do Homem que a habita e transforma (que designamos como «paisagem cultural»),
mas ao mesmo tempo a ameaça degradar ou destruir, fundamenta a necessidade de
uma ética do turismo, construída, tal como as novas Éticas Ambientais, pela
crítica ao antropocentrismo e ao etnocentrismo.
Entendemos por Rota Turística um conjunto organizado de Circuitos
de descoberta e usufruto de todos os patrimónios, com uma identidade própria e
única, fundada na ecologia e na metafísica da paisagem, acessível a todos os
públicos mas com produtos diferenciados segundo os seus segmentos, potenciador
da organização e desenvolvimento das Cadeias de Valor da actividade turística.
Definimos Circuito Turístico como um percurso integrador de todos
os patrimónios, de curta duração (não deve superior a uma jornada/um dia),
acessível a todos os públicos mas segmentado, com uma identidade autónoma e
inconfundível, organizado na perspectiva de descoberta e usufruto da ecologia da paisagem (num
sentido do contributo científico interdisciplinar para a sua leitura ) e da metafísica da paisagem (património
imaterial, imaginário erudito e popular), e segundo o princípio
comunicacional/emocional da “montagem de atracções”, capaz de sustentar e
desenvolver as Cadeias de Valor da actividade turística.
Embora existam elementos comuns entre os Circuitos_por exemplo, igrejas
da mesma época, pratos gastronómicos comuns, a mesma flora…a soma dos seus
patrimónios deverá produzir dialecticamente uma oferta única e identitária. E é
também por aqui que a actividade do turismo se diferencia dos outros domínios
científicos, pois a selecção e a valoração é determinada pela diferenciação do produto turístico.
Esta
construção conceptual nova, do Circuito para a Rota, edifica-se com os
contributos conceptuais da Geografia,
observação selectiva e descrição significativa da paisagem
cultural, isto é, dos seus patrimónios histórico, natural, etnográfico; da
Filosofia da Natureza e do Ambiente, “ecologia e metafísica da paisagem”; das
ciências da comunicação, envolvendo a psicologia dos afectos e o cinema (a
montagem das atracções é um conceito eisensteiniano); da economia, Cadeias de
Valor…E a sua elaboração metodológica consiste na reapropriação, para um novo
objecto de estudo, de conceitos tradicionalmente usados noutros domínios
científicos.
Poderá encontrar-se a sua aplicação e demonstração
prática na edição on line dos sítios
Roteiro do Vale do Côa e Além Douro
São as Rotas
e Circuitos, integradas nos seus Destinos Turísticos, que geram as principais
mais-valias, mas não são as estruturas que organizam essas Rotas e Circuitos,
os museus, monumentos e parques, a recolher os maiores valores; a renda do
turismo é recolhida externamente nas já
referidas Cadeias de Valor. A incompreensão deste paradoxo económico é a causa do conflito histórico entre turismo e
desenvolvimento, mas também a chave da sua superação, particularmente na nossa
época, em que emerge um novo paradigma
do turismo, que denominamos, turismo ambiental, isto é, turismo cultural,
de natureza, em espaço rural, com novos produtos ligados ao mar e ao rio, uma
gastronomia identitária e renovadas exigências ambientais de sustentabilidade,
para todos os restantes produtos turísticos.
O novo paradigma turístico
Mas, por outro lado, esta outra perspectiva do turismo, enquanto fenómeno
económico, mas também sócio-cultural, encerra uma terceira dimensão
antropológica, que nos conduz à Filosofia da Natureza e do Ambiente: o ser
humano, separado culturalmente da Natureza e das distintas culturas humanas
pelas concepções antropocêntricas e etnocêntricas, tem não só uma comum origem
e pertença à mesma e única família Humana, como está ecologicamente ligado ao
ambiente biológico, geológico e cosmológico de todos os seres e coisas. A
etologia contemporânea demonstrou que a capacidade de sentir a dor e o prazer
não é atributo exclusivo do Homem, tão pouco a inteligência ou mesmo a
capacidade de trabalho e da produção das suas ferramentas, tal como do trabalho
social, comum a outras espécies. Mas o sentimento estético e o gosto,
associados não apenas à criação artística mas também à relação com a natureza
de que faz parte, parecem ser atributos exclusivos dos descendentes do homem sapiens sapiens. Pode o turista das
classes populares ou o especulador financeiro em viagem de negócios não saber
distinguir o belo do sublime, duas categorias da Estética, mas nenhum desses
seres humanos deixará de vivenciar a presença destes valores na paisagem, mesmo
que com o silêncio de quem contempla o mistério ou o maravilhoso.
E chegamos a uma quarta dimensão do conceito, histórico-política. Na
consciência social e nacional da Humanidade e no seu inconsciente colectivo,
está gravada a viagem dos primeiros hominídeos que desde África atravessaram o
Mediterrâneo, cruzaram o Bósforo e atingiram a América e o Ártico, vencendo os
gelos polares; a memória dos primeiros caçadores-recolectores que seguiram a
marcha dos rios e os vales abertos pela tectónica da Terra; depois construtores
de dólmenes e menires, que permitiram circunscrever a viagem ao entorno da
pastorícia e da rotação agrícola e, num eterno retorno, já na Idade Moderna,
navegadores e exploradores de todos os recantos do planeta, com o nascimento do
capitalismo e as suas sucessivas globalizações.
Criadas as condições políticas e sociais, com o advento das democracias e
socialismos modernos, a conquista do lazer social por novas classes sociais, e
a contenção da guerra, toda a Humanidade retomou a sua marcha histórica e fez
do próprio mundo o lugar de pisoteio do animal humano.
Definição de Turismo
Esta perspectiva, que está para além da economia e da definição tradicional
do turismo, deve conduzir-nos ao estudo e investigação do fenómeno turístico
como um processo de antropologia sócio-cultural e também das suas condições
histórico-políticas, mas com uma economia própria, no quadro mais vasto da
Filosofia da Natureza e do Ambiente e das suas Éticas ambientais, sem que se
retire valor aos avanços conseguidos pelas teorias económicas que desenvolveram
múltiplos aspectos da sua rede de negócios, da procura e do consumo, da sua
aparente transformação em indústria, da revalorização dos recursos naturais num
modelo turístico sustentável…
Já não se trata apenas de aplicar os métodos da ciência económica à
economia do turismo, mas de investigar e conceptualizar como se produz a
mercadoria turística, como se processa a formação do seu valor, preço e concorrência, qual a natureza e a essência
económica da actividade turística, questionando os conceitos tradicionais de
sector de serviços ou indústria do turismo, mas e sobretudo, reposicionar as
teorias sobre o turismo face aos diferentes campos científicos e às suas
definições anteriores à revolução técnico-científica que os pôs em causa, ao
fazer nascer os paradigmas da indeterminação, da relatividade, do caos, mas
também da inter e multidisciplinaridade, da pluri e transdisciplinaridade e as
filosofias e éticas ambientais, entendendo aqui ambiente como natureza mais
cultura, e reintegrando o Homem na Natureza sem nenhum privilégio de domínio ou
destino providencial.
O turismo não é apenas e essencialmente uma actividade económica, e,
porventura, a sua crescente importância económica é indissociável de algumas
das mais profundas mudanças políticas e sociológicas que marcaram o século XX,
o crescimento da classe média e a institucionalização dos direitos democráticos
dos cidadãos, mas também de uma ainda mais radical mudança, o reposicionamento
do Ser Humano no quadro da Filosofia da Natureza e do Ambiente e das suas
Éticas Ambientais, quer a actividade turística disso se aperceba ou não, cega
pela aparência das formas económicas e pelo sucesso ininterrupto destas
actividades nos últimos cinquenta anos, marcados pelo empirismo e a
absolutização do turismo como actividade económica de serviços.
A relação dialéctica entre o corpus científico dos estudos
turísticos e a sua função social configuram esse corpus como a moderna
ecologia:
A melhor
maneira de delimitar o turismo moderno talvez seja considerá-lo em termos do
conceito de níveis de organização,
visualizados como uma espécie de «espectro do turismo cultural e de natureza»
…o turismo incide sobre a parte central
do espectro, isto é, sobre os níveis de organização dos organismos económicos,
sócio-culturais, histórico-políticos e antrópicos nos seus ecossistemas
autónomos (mas com o homem recontextualizado pela Filosofia da Natureza e do
Ambiente) com aquele centro«espectro do turismo cultural e de natureza» irradiador de uma nova energia sinérgica.(ver
diagrama 1).
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