Turismo de paisagem


Livro: “Manual de Filosofia e Arquitectura da Paisagem. Um Manual.” Capítulo III. Viver a Paisagem.” Coordenação de Adriana Veríssimo Serrão. Autor do texto “Turismo de paisagem”. Edição CFUL. 2013. Págs. 177-187. ISBN 978-989-8553-12-6
 
Turismo de paisagem

António dos Santos Queirós

Forma e essência do recurso turístico: A paisagem cultural

O conceito de “indústria turística” conduziu a olhar os recursos locais_ biológicos e geológicos, agro-pecuários e silvícolas, etc. como as suas matérias primas. Na verdade os primeiros são utilizados e transformados por outras indústrias, e, em muitos casos, a atractividade do turismo exige sobretudo a sua conservação. Quanto aos segundos, o seu consumo é partilhado entre residentes e viajantes.
O que constitui recurso turístico é a paisagem cultural, humanizada, que investigaremos a seguir. A sua leitura e interpretação é a base da criação do produto turístico e da sua primeira metamorfose de valor. É a ecologia da paisagem e a sua metafísica, que constituem a essência do recurso turístico, mas só a sua interpretação e leitura lhe confere uma novo acréscimo de valor cultural e económico. A paisagem não é um livro aberto, inteligível empiricamente. A sua transformação em produto turístico passa pela sua legibilidade, que lhe confere valor de uso;  é uma metamorfose que, no plano da economia gera valor, e é também um processo  de literacia cultural, mediado pela construção da linguagem de comunicação turísticas; o resultado deste processo altera a forma e a essência dos conceitos tradicionais de recurso e de produto turístico.
A História Natural, servida pelas Ciências da Terra, pela Geologia e a Geomorfologia em particular, revela-nos a diversidade do património geológico e aos seus monumentos naturais.
As Ciências da Vida, informam-nos das dimensões e do valor da biodiversidade, sobretudo a Biologia e a Botânica, tal como sobre o valor dos novos biótopos resultado da humanização da paisagem.
A História Social, nas suas valências de património construído,  arqueológicas, artísticas e etnográficas, permite-nos usufruir do património construído, das obras de arte e literatura, e dos objectos e peças etnográficas.
E quando abordamos estas “matérias primas”, não nos esquecemos da sua dimensão imaterial, traduzida no imaginário erudito e popular e nas suas expressões criativas, na literatura, na dança, no filosofar, na música… A expansão da espécie humana por todas as regiões do globo e sua adaptação à diversidade dos habitats gerou na Idade Moderna uma nova relação da Humanidade com a Natureza: deixaram de existir os grandes quadros naturais puros, toda a paisagem se transforma, directa ou indirectamente, pela actividade humana, produzindo ora inomináveis destruições ora novas paisagens culturais.
A ecologia e a estética da paisagem dependem hoje ainda mais dos agricultores e camponeses, porque não há uma conservação plena da ecologia da paisagem, nem se preserva a sua estética, com o ermamento e abandono do mundo rural, onde persistem hoje inumeráveis biótopos que resultam da interacção da acção antrópica com a biodiversidade inicial. Com a sua ruína e emigração, correm risco de desaparecer muitas paisagens culturais. Noutro plano, ocorre igualmente um processo de destruição dos denominados centros-históricos urbanos. Eis como a reabilitação dos patrimónios e a conservação da natureza e dos objectos culturais se tornou uma questão vital para a actividade do Turismo e para a rentabilização das suas Cadeias de Valor tradicionais.
Veremos adiante como a existência de um património ambiental materializável pela contribuição das diversas ciências nos conduz ao conceito de ecologia da paisagem e, simultaneamente, o reconhecimento de um outro património imaterial se traduz numa metafísica da paisagem, dois conceitos extremamente importantes para definir o turismo cultural e de natureza e operacionalizar a oferta dos seus produtos em Rotas e Circuitos.

A Representação da Natureza e a Categoria do Ambiente, conceito e significado

Importa assinalar que, em nossa opinião, o conceito de ambiente se constitui e adquire uma conotação “moderna” quando deixa de significar apenas conservação da natureza e oposição da cidade ao mundo rural, enriquecendo-se com novas significações que comportam os valores conotativos do despertar social perante os perigos da industrialização e urbanização e a resposta cívica aos problemas da saúde pública e da sobrevivência da humanidade gerados pela poluição generalizada e a destruição dos recursos naturais finitos.
Acerca do conceito de Ecologia, criada pelo biólogo alemão Ernest Häeckel, em 1869, e criticamente analisado na obra de Anterro, particularmente na sua Filosofia da Natureza, evoquemos algumas passagens de Eugene P. Oddum, retiradas da sua obra monumental, Fundamentos da Ecologia: “A palavra ecologia deriva da palavra grega oikos, que significa «casa» ou «lugar onde se vive». Em sentido literal é o estudo dos organismos «em sua casa». A ecologia define-se usualmente como o estudo das relações dos organismos ou grupos de organismos com o seu ambiente, ou a ciência das inter-relações que ligam os organismos vivos ao seu ambiente. Uma vez que a ecologia se ocupa especialmente da biologia de grupos de organismos e de processos funcionais na terra, no mar e na água doce, está mais de harmonia com a moderna acepção definir a ecologia como o estudo da estrutura e do funcionamento da natureza, considerando que a humanidade é uma parte dela….A longo prazo a melhor definição para o domínio de uma matéria ampla é provavelmente a mai Isto no que se refere às definições. Para compreender o domínio e a importância da ecologia, a matéria tem de ser considerada em relação com outros ramos da biologia e com as ciências em geral.” (Pág. 4, ob. Citada). E, mais adiante:”A melhor maneira de delimitar a ecologia moderna talvez seja considerá-la em termos do conceito de níveis de organização, visualizados como uma espécie de «espectro biológico» …A ecologia incide sobre a parte direita do espectro, isto é, sobre os níveis de organização dos organismos nos ecossistemas.”Ob. citada, págs. 5 e 6. Isto no que se refere às definições. Sendo a mais curta e a menos técnica, a sua definição como biologia do ambiente. Para compreender o domínio e a importância da ecologia, a matéria tem de ser considerada em relação com outros ramos da biologia e com as ciências em geral.” (Pág. 4, ob. Citada).
Mas na nossa acepção filosófica, ele incorpora, progressivamente, uma dimensão científica plural, não só aquela que lhe empresta a Ecologia tradicional, enquanto ciência da relação dos seres com o meio, mas também um vasto leque de outros domínios científicos, a Geografia e a História quando estudam a humanização dos grandes quadros naturais, a Biologia que revela a importância da diversidade dos seres vivos, a Geologia que nos conduz ao reconhecimento das condições paleoambientais geradoras dos ciclos de extinção e expansão da biodiversidade, a Matemática quando cria modelos de avaliação e gestão dos sistemas ecológicos, a Física e a Química que intervêm na análise dos fenómenos de poluição e mudança climática…ao mesmo tempo que remete para a necessidade de avaliar o nosso modo de crescimento nos planos da ética e da moral.
Esta nova visão da paisagem, pluri, multi e interdisciplinar, que é, simultaneamente, um instrumento operativo da sua hermenêutica e uma categoria do domínio da Filosofia da Natureza e do Ambiente, designamo-la por:
-Ecologia da paisagem (humanizada). Ela compreende, na nossa definição, uma visão estrutural e sistémica que engloba os grandes quadros naturais, caracterizados e diferenciados, seja pelos diversos domínios da ciência – que vão das ciências do ambiente às ciências exactas; seja pela presença transformadora do homem no seu esforço de agricultor, pastor e arquitecto da paisagem. E daí, também, o concurso das ciências históricas e humanidades.
De facto, a expansão da espécie humana por todas as regiões do globo e a sua adaptação à diversidade dos habitats mais agrestes, em paralelo com a crescente universalização e globalização da acção antrópica, originou, a partir da Idade Moderna, uma nova relação da Humanidade com a Natureza.  Até mesmo o conhecimento da paisagem humanizada, mediatizada pela arte literária e pelas belas artes, engloba a ecologia da paisagem. Por isso, de ora em diante, utilizaremos apenas o conceito de “paisagem”, entendido como quadro natural humanizado pelo esforço (o trabalho) humano.
Recordemos, a propósito a reflexão de Francisco Caldeira Cabral sobre a paisagem cultural, no âmbito da definição do objectivo e da missão da arquitectura paisagista:
"…o seu objecto próprio é a paisagem humanizada, isto é, aquela que o homem modelou para satisfação das suas necessidades primárias. Quer isto dizer que a sua acção tem por fim o homem em toda a sua complexidade material e espiritual, para o qual procura encontrar a satisfação dos fins materiais, mas sem esquecer nunca os aspectos de ordem, de beleza e equilíbrio. Procura realizar uma síntese das aspirações humanas neste mundo, e por isso é uma arte, uma das belas artes."( Francisco Caldeira Cabral, Fundamentos da Arquitectura Paisagista, pág. 46). Mais adiante, prossegue Caldeira Cabral: "Nos países da Velha Europa nada resta da natureza intacta…Aqui a intervenção do arquitecto paisagista, que defendendo a natureza defende o homem, é não só necessária mas imperativa" (pág. 47). Após o que desenvolve as suas metodologias de cooperação e trabalho, pluridisciplinares e interdisciplinares, associando arte, ciência e técnica, operários e lavradores, a ecologia e a biologia com as ciências físico-matemáticas, a história e a estética, enfim, citando S.Tomás, «uma arte que coopera com a natureza».
Mas a interpretação da paisagem, na óptica da Filosofia da Natureza e do Ambiente, ficaria incompleta sem o recurso a um outro elemento categorial, que definimos como:
- Metafísica da paisagem, que é do domínio da “espiritualidade”, da “alma” das coisas, dos sentimento estéticos da “beleza” e do “belo” ou do “sublime”, do “maravilhoso” e do “monumental”, do “misterioso”, “do trágico” e do “épico”….
Podemos mesmo, na sua aplicação à actividade turística, considerar a pertinência de categorias para-estéticas, igualmente atractivas e susceptíveis de gerar emoção, como o “raro”, o “singular” e o ‘único”.
Parece-nos adequado recorrer ao conceito de metafísica associado à paisagem, quer pela sua génese quer pela sua plurissignificação na história da filosofia. Os escritos de Aristóteles foram ordenados e coligidos primeiro pela Física e depois pelos “tratados depois dos tratados físicos”, critério igualmente utilizado pelos escolásticos que usaram a expressão transphysica. Assim procedeu, em Roma, cerca de 70 a. C. Andrónico de Rodes. O conceito de metafísica surge no contexto do estudo da ontologia e da epistemologia, questionando os problemas últimos do Ser e da Realidade e a sua relação com o conhecimento humano.
A metafísica da paisagem permite-nos efectuar também a passagem do ensaio e do texto poético para as artes plásticas, em particular a pintura, o cinema e o multimédia.

Paisagem cultural: Nascimento da ética.  Conceitos de Rota e Circuito

Moniz Barreto apreendeu, na sua função de crítico, o conceito sistémico da paisagem e a necessidade de a interpretar à luz de uma nova cosmovisão assente numa pluralidade científica e estética. No prefácio ao Portugal Contemporâneo, de Oliveira Martins, elabora esse conceito de uma forma sintética e clara:
“Uma paisagem é um conjunto de elementos materiais coordenados de um certo modo no espaço e reflectidos de um certo modo no espírito”. Portugal Contemporâneo, de Oliveira Martins, Prefácio de Moniz Barreto, pág. 28.
Distinguindo depois dois tipos de paisagens, a que chama descritiva e expressiva, que documenta em seguida na obra de Oliveira Martins
Orlando Ribeiro enquadra Portugal entre o Mundo Mediterrâneo e o Atlântico, olhando a Natureza pela perspectiva das Ciências da Terra e da Vida, analisa modos de vida e a história do povoamento, caracteriza influências naturais e civilizacionais, a economia e particularmente a vida agrária, o pastoreio e as formas de povoamento, a relação entre Natureza e Tradição, o Oceano como regulador do clima e da vegetação, o espaço arcaizante da montanha, a revolução do milho e o papel da vasta orla marítima e costeira, encontra os factores de unificação do país e os seus contrastes, fundamenta divisões regionais e caracteriza três grandes quadros paisagísticos: O Norte atlântico, o Norte transmontano e o Sul.
Define, deste modo, aqueles fundamentos:
“Uma região geográfica caracteriza-se por uma certa identidade de aspectos comuns a toda ela. Não apenas as condições gerais de clima e posição, mas ainda as particularidades da natureza e do relevo do solo, o manto vegetal e as marcas da presença humana, nos darão o sentimento de não sairmos da mesma terra.” (Orlando Ribeiro, Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico, pág. 140).
Ainda Orlando Ribeiro, na sua comunicação Geografia e Reflexão Filosófica, apoiando-se na Geographia de Estrabão, sublinha a sua polimatia (pluri e interdisciplinaridade).
" «Pensamos que é uma preocupação do filósofo, se de alguma outra ciência o foi, a Geografia, que agora nos propomos estudar…A polimatia (pluridisciplinaridade) que, só por si, pode conduzir ao termo este trabalho, não existe em nenhum homem que não considere simultaneamente o divino e o humano, a cujo conhecimento chamam a Filosofia." (Orlando Ribeiro, Geographia de Estrabão, Geografia e Reflexão Filosófica, Pág. 188).
Prossegue Orlando Ribeiro, a Geografia é como uma ponte lançada entre a natureza e o passado (Ritter) e, enquanto corpo científico, uma ciência de observação selectiva e descrição significativa da paisagem, que, pela sua complexidade, não se pode reduzir a modelos matemáticos computorizados e cuja metodologia, indutiva e dedutiva, apenas nos permite «tocar a verdade» (Henri Baulig). Foi assim com Humboldt, físico e naturalista, Ritter, historiador e filósofo, Troll e Lautensach, geógrafos e exploradores, Baulig e, mesmo, Birot. Assim, e com a nova visão da Terra a partir do espaço, se foi construindo a «espessura» da Geografia e se retomou a tradição da polimatia, dando origem a novos ramos da ciência, mas conservando a visão de conjunto que integra e relaciona os saberes, mas também… "…as marcas humanas da paisagem e da organização do espaço." (Ibidem, pág. 199).
E é neste ponto que estabelece o nível de encontro e de fecunda partilha entre Ciência e Filosofia.
"Epistemologia, isto é saber que deriva da experiência, Gnoseologia, que parte das ideias e não dos factos, Teoria do conhecimento, em que a própria realidade pode ser posta em causa. No fundo a famosa «questão dos universais» ou relação entre o particular e o geral, que perpassa na filosofia cristã medieval e nunca será provavelmente resolvida.
Como Humboldt, Goethe ou Einstein creio firmemente na «harmonia interna do nosso mundo», lógico como condição da inteligibilidade; com Jacques Monod «no postulado de base do método científico: a saber que a natureza é objectiva e não projectiva». Sem ignorar que, por trás das claridades que a razão faz resplandecer, permanece o mistério que o pensamento filosófico pretende penetrar de maneiras por vezes contraditórias. Contemporâneos de Newton, que coroa um século de investigação sobre a estrutura do Universo inteligível, são o realismo de Locke: «Nihil est in intelectu quod prius non fuerit in sensu» em perfeita concordância com o desenvolvimento científico da época; e o idealismo de Berkeley; «não sendo sujeito cognoscente nem objecto cognoscível não pode atribuir-se à matéria nenhuma espécie de existência»; ele move-se, como em Schopenhauer, em O Mundo Como Vontade e Representação_título expressivo de uma ideia que nenhum cientista (recorde-se a frase de Monod citada acima) pode aceitar." (Ibidem, págs. 200 e 201. sublinhado nosso)
É este apenas tocar a verdade, estas marcas humanas na paisagem, esta parte do mistério eternamente procurado, de que fala Goethe (Conversações com Eckerman), evocado por Orlando Ribeiro:
 "…de muitas coisas nunca conseguiremos aproximar-nos mais que um certo limite que a Natureza reserva sempre por detrás daquilo que nos é acessível, qualquer coisa de problemático…" (Ob. citada, págs. 201 e 202)
A este propósito, recordemos Goethe noutra obra, a Metamorfose das Plantas: "A afinidade secreta entre as diferentes partes exteriores da planta, tais como as folhas o cálice, a corola, os estames, que se desenvolvem sucessivamente e como que a partir umas das outras…chamou-se Metamorfose das Plantas…". ( Pág. 35). Da sua introdução, recordemos Goethe de novo: "É precisamente no cruzamento dos caminhos da arte, do saber e da ciência que a morfologia tem a sua origem…( cf.«Die Absicht eigeleitet», HÁ 13, pp. 55)…A forma é uma noção do poder alquímico e de valor liminar entre o ser e o aparecer. A natureza, a totalidade das formas, é tematizada a partir do eclodir de epifanias locais…«A doutrina da forma é a doutrina da transformação. A doutrina da metamorfose é a chave de todos os sinais da natureza.» Aufsäte, Fragmente, Studien. Zur Morphologia», LAI , 10. p. 128).»" (Pág. 27)
É sobre o significado de paisagem, que não é redutível à sua ecologia científica, que construímos o duplo conceito de "ecologia da paisagem" e de "metafísica da paisagem".
Recorramos agora à obra de Jorge Dias":
“Portugal, apesar dos seus 89.000 km2….oferece rara variedade de paisagens naturais e humanas_ paisagem não só exterior ou material, mas também paisagem espiritual que se revela em inúmeras facetas da alma das suas populações”. (Jorge Dias, Estudos de Antropologia, Volume I, Tentâmen de fixação das grandes áreas culturais portuguesas, pág. 159).
É a partir deste conceito de "paisagem espiritual" que aquele antropólogo analisa o fenómeno da heterogeneidade de culturas regionais, no quadro da homogeneidade da cultura nacional, explicando-o pela história (no sentido etnológico e político), a geografia e a afinidade. O princípio da afinidade está ligado à tendência para conservar as formas de cultura e acompanha o homem na sua marcha pelo mundo, sendo que a sua capacidade de assimilação e sucesso é tanto maior quanto a afinidade com a antiga pátria, sendo o oposto a causa da aculturação. E conclui:
"A realidade humana e geográfica que nos é dado observar é o resultado desse diálogo secular ou milenário travado entre o homem e a terra: a terra humanizada pelo esforço do homem, o homem modelado pelas exigências e limitações do telúrico." (Ibidem, pág. 162).
E sublinhemos a sua crítica ao etnocentrismo:
"Etnocentrismo é uma atitude emocionalmente condicionada que faz considerar e julgar outras sociedades pelos critérios originados pela própria cultura. É fácil ver que esta atitude leva ao desprezo e ao ódio de todas as espécies de vida que são diferentes daquela do observador." (Jorge Dias, Estudos de Antropologia, Volume I, Uma introdução histórica etnografia portuguesa, pág. 219)
Anotemos, finalmente, a sua premonitória consciência dos riscos de rotura cultural e do desaparecimento do património do mundo rural face à predominância na cultura contemporânea do elemento dinâmico, como produto da revolução técnico-científica e da comunicação, em paralelo com uma atitude de menosprezo "pelas formas de visa rústica" das elites dos países essencialmente agrícolas. (Jorge Dias, Estudos de Antropologia, Volume I, A Etnografia como Ciência, págs. 44 e seguintes)
Os conceitos de Rota e Circuito Turísticos baseiam-se na necessidade de utilizar uma metodologia científica inter e pluridisciplinar para interpretar e organizar a visita ao território, que permite ler e interpretar as suas paisagens culturais.
A primeira chave dessa leitura e interpretação é a História Natural, as Ciências da Terra, a Geologia. Logo seguida pelas Ciências da Vida, reveladoras do resplendor da biodiversidade. E a História moderna, social, artística,  associada à Etnografia, à Antropologia.
Mas a Geografia é, provavelmente, a ciência que, na sua metodologia de trabalho científico, mais próxima fica das «Ciências do Turismo».
Tal como nesta ciência, a essência da metodologia do trabalho científico de informação e guionamento turísticos consiste em «descrever e interpretar» a Terra e os homens que vivem no seu seio, mas de forma acessível aos diferentes segmentos de público e, por aqui, passa a separação própria do objecto e o produto turístico.
Esta concepção científica ao conduzir a uma Filosofia nascida da observação e da leitura da paisagem e da síntese da Terra e do Homem que a habita e transforma (que designamos como «paisagem cultural»), mas ao mesmo tempo a ameaça degradar ou destruir, fundamenta a necessidade de uma ética do turismo, construída, tal como as novas Éticas Ambientais, pela crítica ao antropocentrismo e ao etnocentrismo.
Entendemos por Rota Turística um conjunto organizado de Circuitos de descoberta e usufruto de todos os patrimónios, com uma identidade própria e única, fundada na ecologia e na metafísica da paisagem, acessível a todos os públicos mas com produtos diferenciados segundo os seus segmentos, potenciador da organização e desenvolvimento das Cadeias de Valor da actividade turística.
Definimos Circuito Turístico como um percurso integrador de todos os patrimónios, de curta duração (não deve superior a uma jornada/um dia), acessível a todos os públicos mas segmentado, com uma identidade autónoma e inconfundível, organizado na perspectiva de descoberta  e usufruto da ecologia da paisagem (num sentido do contributo científico interdisciplinar para a sua leitura )  e da metafísica da paisagem (património imaterial, imaginário erudito e popular), e segundo o princípio comunicacional/emocional da “montagem de atracções”, capaz de sustentar e desenvolver as Cadeias de Valor da actividade turística.
Embora existam elementos comuns entre os Circuitos_por exemplo, igrejas da mesma época, pratos gastronómicos comuns, a mesma flora…a soma dos seus patrimónios deverá produzir dialecticamente uma oferta única e identitária. E é também por aqui que a actividade do turismo se diferencia dos outros domínios científicos, pois a selecção e a valoração é determinada pela diferenciação do produto turístico.
Esta construção conceptual nova, do Circuito para a Rota, edifica-se com os contributos conceptuais da Geografia, observação selectiva e descrição significativa da paisagem cultural, isto é, dos seus patrimónios histórico, natural, etnográfico; da Filosofia da Natureza e do Ambiente, “ecologia e metafísica da paisagem”; das ciências da comunicação, envolvendo a psicologia dos afectos e o cinema (a montagem das atracções é um conceito eisensteiniano); da economia, Cadeias de Valor…E a sua elaboração metodológica consiste na reapropriação, para um novo objecto de estudo, de conceitos tradicionalmente usados noutros domínios científicos.
Poderá  encontrar-se a sua aplicação e demonstração prática na edição on line dos sítios
 
Roteiro do Oppidum de Conimbriga e das Terras de Sicó


Roteiro do Vale do Côa e Além Douro
São as Rotas e Circuitos, integradas nos seus Destinos Turísticos, que geram as principais mais-valias, mas não são as estruturas que organizam essas Rotas e Circuitos, os museus, monumentos e parques, a recolher os maiores valores; a renda do turismo  é recolhida externamente nas já referidas Cadeias de Valor. A incompreensão deste paradoxo económico é a causa do conflito histórico entre turismo e desenvolvimento, mas também a chave da sua superação, particularmente na nossa época, em que emerge um novo paradigma do turismo, que denominamos, turismo ambiental, isto é, turismo cultural, de natureza, em espaço rural, com novos produtos ligados ao mar e ao rio, uma gastronomia identitária e renovadas exigências ambientais de sustentabilidade, para todos os restantes produtos turísticos.
O novo paradigma turístico
Mas, por outro lado, esta outra perspectiva do turismo, enquanto fenómeno económico, mas também sócio-cultural, encerra uma terceira dimensão antropológica, que nos conduz à Filosofia da Natureza e do Ambiente: o ser humano, separado culturalmente da Natureza e das distintas culturas humanas pelas concepções antropocêntricas e etnocêntricas, tem não só uma comum origem e pertença à mesma e única família Humana, como está ecologicamente ligado ao ambiente biológico, geológico e cosmológico de todos os seres e coisas. A etologia contemporânea demonstrou que a capacidade de sentir a dor e o prazer não é atributo exclusivo do Homem, tão pouco a inteligência ou mesmo a capacidade de trabalho e da produção das suas ferramentas, tal como do trabalho social, comum a outras espécies. Mas o sentimento estético e o gosto, associados não apenas à criação artística mas também à relação com a natureza de que faz parte, parecem ser atributos exclusivos dos descendentes do homem sapiens sapiens. Pode o turista das classes populares ou o especulador financeiro em viagem de negócios não saber distinguir o belo do sublime, duas categorias da Estética, mas nenhum desses seres humanos deixará de vivenciar a presença destes valores na paisagem, mesmo que com o silêncio de quem contempla o mistério ou o maravilhoso.
E chegamos a uma quarta dimensão do conceito, histórico-política. Na consciência social e nacional da Humanidade e no seu inconsciente colectivo, está gravada a viagem dos primeiros hominídeos que desde África atravessaram o Mediterrâneo, cruzaram o Bósforo e atingiram a América e o Ártico, vencendo os gelos polares; a memória dos primeiros caçadores-recolectores que seguiram a marcha dos rios e os vales abertos pela tectónica da Terra; depois construtores de dólmenes e menires, que permitiram circunscrever a viagem ao entorno da pastorícia e da rotação agrícola e, num eterno retorno, já na Idade Moderna, navegadores e exploradores de todos os recantos do planeta, com o nascimento do capitalismo e as suas sucessivas globalizações.
Criadas as condições políticas e sociais, com o advento das democracias e socialismos modernos, a conquista do lazer social por novas classes sociais, e a contenção da guerra, toda a Humanidade retomou a sua marcha histórica e fez do próprio mundo o lugar de pisoteio do animal humano.

Definição de Turismo

Esta perspectiva, que está para além da economia e da definição tradicional do turismo, deve conduzir-nos ao estudo e investigação do fenómeno turístico como um processo de antropologia sócio-cultural e também das suas condições histórico-políticas, mas com uma economia própria, no quadro mais vasto da Filosofia da Natureza e do Ambiente e das suas Éticas ambientais, sem que se retire valor aos avanços conseguidos pelas teorias económicas que desenvolveram múltiplos aspectos da sua rede de negócios, da procura e do consumo, da sua aparente transformação em indústria, da revalorização dos recursos naturais num modelo turístico sustentável…
Já não se trata apenas de aplicar os métodos da ciência económica à economia do turismo, mas de investigar e conceptualizar como se produz a mercadoria turística, como se processa a formação do seu valor, preço e  concorrência, qual a natureza e a essência económica da actividade turística, questionando os conceitos tradicionais de sector de serviços ou indústria do turismo, mas e sobretudo, reposicionar as teorias sobre o turismo face aos diferentes campos científicos e às suas definições anteriores à revolução técnico-científica que os pôs em causa, ao fazer nascer os paradigmas da indeterminação, da relatividade, do caos, mas também da inter e multidisciplinaridade, da pluri e transdisciplinaridade e as filosofias e éticas ambientais, entendendo aqui ambiente como natureza mais cultura, e reintegrando o Homem na Natureza sem nenhum privilégio de domínio ou destino providencial.
O turismo não é apenas e essencialmente uma actividade económica, e, porventura, a sua crescente importância económica é indissociável de algumas das mais profundas mudanças políticas e sociológicas que marcaram o século XX, o crescimento da classe média e a institucionalização dos direitos democráticos dos cidadãos, mas também de uma ainda mais radical mudança, o reposicionamento do Ser Humano no quadro da Filosofia da Natureza e do Ambiente e das suas Éticas Ambientais, quer a actividade turística disso se aperceba ou não, cega pela aparência das formas económicas e pelo sucesso ininterrupto destas actividades nos últimos cinquenta anos, marcados pelo empirismo e a absolutização do turismo como actividade económica de serviços.
A relação dialéctica entre o corpus científico dos estudos turísticos e a sua função social configuram esse corpus como a moderna ecologia:
A melhor maneira de delimitar o turismo moderno talvez seja considerá-lo em termos do conceito de níveis de organização, visualizados como uma espécie de «espectro do turismo cultural e de natureza» …o turismo  incide sobre a parte central do espectro, isto é, sobre os níveis de organização dos organismos económicos, sócio-culturais, histórico-políticos e antrópicos nos seus ecossistemas autónomos (mas com o homem recontextualizado pela Filosofia da Natureza e do Ambiente) com aquele centro«espectro do turismo cultural e de natureza»  irradiador de uma nova energia sinérgica.(ver diagrama 1).

 
Martins, Oliveira. Barreto, Guilherme Moniz, pref. Portugal contemporâneo. Mem Martins: Europa-América, 1982
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Caraça, Bento de Jesus, Conceitos Fundamentais da Matemática. Lisboa, Gradiva, 2003
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Odum, Eugene P. – Fundamentos da Ecologia. Lisboa:  Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. 972-31-0158-X
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Fontes, INTERNET
 
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Informação Estadística, www.ine.es
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Roteiro do Oppidum de Conimbriga e das Terras de Sicó


Roteiro do Vale do Côa e Além Douro

Associação de Museus e Centros de CIência de Portugal_MC2P

http://www.conimbrigalac.com

Leituras Complementares

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Cunha, Licínio, Economia e Política do Turismo. Verbo, 2006
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Proença, Raul, Guia de Portugal, vol.I e II. Lisboa: Reedição da Fundação Calouste Gulbenkian, 1922, 1991
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