LITERATURA E AMBIENTE II Parte - A representação estética e ética da Natureza na Literatura


2001/2017
Autor
© António dos Santos Queirós
ISBN 978-972-8659-41-7
 “… Uma verdade, quando aparece no mundo é por intermédio do poeta …”[1]

Conteúdo


©ANTÓNIO DOS SANTOS QUEIRÓS
Centro de Filosofia. Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Alameda da Universidade 1600-214, Lisboa  Portugal
adsqueiros@gmail.com

T. 910506370

Com o fim de fazermos incidir a nossa análise nos conceitos de “moderna consciência ambientalista”, iremos perseguir, ao longo das obras literárias publicadas pelos escritores portugueses nos primeiros setenta anos do século XX, o percurso diacrónico da experiência estética da natureza, que emerge, no dealbar de mil e novecentos, como cosmovisão conservacionista e, progressivamente, se transforma em mundovisão ambiental. Entendemos a consciência na sua tripla dimensão social, política e filosófica, como ato de reconhecimento pelo indivíduo da sua identidade única e (contraditoriamente) plural, na relação cósmica com todos os seres animados e inanimados, feitos da mesma matéria estelar, interrogando-nos, em simultâneo, acerca do papel da razão e do instinto na construção da personalidade e da função da cultura como registo ontológico do ser e da espécie humana; finalmente, conceptualizamos a categoria do ambiente enquanto natureza e cultura, e o homem como elemento da natureza, na peculiar visão aquiliniana para quem “…a natureza, não tem simpatias especiais para nenhum dos seus seres”.[2]
A obra dos nossos prosadores, que tomaram particularmente o homem do campo como matéria literária, de Miguel Torga a Ferreira de Castro, Aquilino Ribeiro, Raul Brandão, etc., dá-nos da condição humana uma dimensão, que poderíamos qualificar de lorenziana, por alusão ao notável cientista austríaco, o qual, com suprema ironia, escreveu:“…o elo entre o animal e o homem verdadeiramente humano somos nós“.[3]
Ecce Homo, pomba com bico de corvo,“…criatura inofensiva e omnívora que não possui arma (natural) para matar grandes presas e, por conseguinte, é desprovida dessas rábulas de segurança que impedem os carnívoros «profissionais» de matar os seus colegas da mesma espécie…”, dotado de uma herança animal de instintos, anterior ao pensamento racional.[4]
Na verdade, as necessidades instintivas do ser humano, hoje confinado ao espaço labiríntico, concentracionário e ameaçador, da grande urbe, fazem nascer novos e gravíssimos problemas que afetam o equilíbrio e a harmonia do indivíduo humano nas suas relações com o seu habitat natural. Estes problemas têm a sua expressão na temática, na estilística e na poética dos autores contemporâneos. Evidenciaremos então os textos científicos internacionais que marcam a evolução do pensamento ambientalista para os cotejar com a obra dos escritores portugueses.
E questionaremos sempre o nosso próprio pensamento crítico: Foram os filósofos, os cientistas e investigadores, os ativistas sociais, a iluminar o caminho para a consciência ambiental? E como estabelecer os contornos do conceito de ambiente, distinguindo-o de natureza, apreender a sua evolução histórica e o seu significado multicultural? A literatura atual poderá ser encarada como uma espécie de instância mediadora da Filosofia das Ciências, da Filosofia e da Ética Ambientais, e das Ciências do Ambiente em particular? E que representa para a cultura contemporânea o emergir da consciência ambientalista, da sua peculiar visão global de um mundo que oscila entre o apocalipse e o advento de uma nova idade, de onde irrompem os grandes temas da diversidade biológica, das causas e consequências da sua diminuição, poluição, efeito de estufa e rarefação da camada do ozono, consumismo, agressão publicitária, crescimento insustentável, recusa do nuclear e das tecnologias e energias nocivas ao equilíbrio ambiental, oposição à guerra, novas éticas ambientais sob o denominador comum da crítica ao antropocentrismo de raiz judaico-cristã e ao etnocentrismo; mas também defesa integrada do património natural e cultural, exaltação do mundo rural, da terra e do mar, cosmovisão conservacionista e apelo ao usufruto estético da natureza, defesa da saúde pública, magnificação do corpo, apelo à paz e à democracia universais, sob a base de um novo paradigma de desenvolvimento sustentável e de uma ética (bioética) global?
Que estranha alquimia aproximou poetas e homens de ciência e fez brotar na obra literária a reflexão filosófica? Que formidáveis forças do pensamento e da natureza humana conduziram alguns dos mais ilustres sábios contemporâneos, especialistas restritos no seu saber altamente especializado, a procurar na síntese filosófica, no ensaio ético-político, a regeneração da ciência e a formulação de novos paradigmas da natureza e da ética social? É a via dessa descoberta que vamos percorrer servindo-nos como instrumentos metodológicos das categorias conceptuais que denominámos “ecologia da paisagem” e “metafísica do ambiente”, adiante explicitadas.


Encontramos no séc. XIX e no ideário romântico do ruralismo a expressão, ideologicamente multifacetada, das primeiras críticas ao capitalismo ascendente e, na oposição do campo (natureza eterna e harmoniosa) à cidade (mutável e cosmopolita), o seu principal mitema.[5]Este ideário entronca numa tradição renascentista, mas não provém apenas da lírica, como é o caso mais conhecido de Sá de Miranda. Numa linha que retoma o sermonial Seiscentista do Padre António Vieira, Ramalho Ortigão, nos seus escritos de divulgação da obra dos naturalistas, dirigidos em particular à reforma da mentalidade feminina, procura orientar a proverbial curiosidade da mulher para a descoberta da Ciência, invocando para isso a extraordinária biodiversidade do mar e serve-se da ilustração da vida das suas criaturas em paralelo com a condição humana, como o fizera o notável jesuíta em muitas das suas pregações.[6] Já em finais do séc. anterior, a Marquesa de Alorna apelava, nas suas “Recriações Botânicas, ”ao retorno à natureza.[7]
Esse regresso à terra pode representar, como em Alexandre Herculano e Júlio Dinis, todo um programa liberal.[8]As Pupilas do Sr. Reitor  estão impregnadas de um otimismo «regenerador» e nos  Fidalgos da Casa Mourisca é a agricultura que permite reconstruir o solar aristocrático, mas num ambiente campestre já humanizado pela cultura burguesa _ educação, saúde, e comunicações, conforme observa A. José Saraiva ou significar o apelo atávico ao passado em Camilo ou Castilho.[9] Pertence ao primeiro a metáfora que sugere a destruição do velho mundo rural e expressa, em simultâneo, a metamorfose urbana do novo regime, com um sentido sinestésico e repulsivo: “O progresso é barrigudo, não cabe em ruas estreitas.”[10]
No último quartel de oitocentos, a estética simbolista que nasce na Europa como reação ao naturalismo, ao positivismo e ao agnosticismo, irrompe no Portugal finissecular como nostalgia do sagrado, a que o despertar nacionalista perante o Ultimatum inglês associaria a noção de Pátria.
Neste contexto surgem, em paralelo, o discurso poético de Guerra Junqueiro, em Finis Patriae, politicamente dirigido contra a Inglaterra e o seu império comercial.“…Repartindo por todo o escuro continente/A Mortalha de Cristo em tangas de algodão.”
O vazio existencial de Camilo Pessanha, expatriado em terras do Oriente e, sobretudo, o , de António Nobre, presente ausente na solidão da grande urbe de Paris.
“…Ai do Lusíade, coitado!
Veio da terra, mailo seu moinho:
Lá faziam-no andar as águas do Mondego,
Hoje fazem-no andar as águas do Sena
É negra a sua farinha!” [11]
 Cidade símbolo de um novo regime que arrancou o homem da sua relação maternal com a terra, condenando-o à infelicidade: “Que triste fado”![12]
A recusa da civilização urbana e burguesa, o sentimento de exaltação nacional, a saudade da pátria, traduziram-se na revalorização dos símbolos da ruralidade e da sua paisagem humanizada.
“…Ó ceifeira, que segas cantando,
                                                          Ó moleiro das estradas,
                                                          Carros de bois chiando…
                                                          Flores dos campos, beiços de fadas,
                                                          Poentes de Julho, poentes minerais,
                 Ó choupos, ó luar, ó regas de Verão”![13]
E essa comunhão, entre o destino individual, a terra e o homem português, a Pátria e a Alma Nacional, sofrerá novas metamorfoses com a obra de Cesário Verde, Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa, situando-se entre a elegia e a epopeia, com os poetas chamados providencialmente a interpretar o futuro e o destino coletivo: “Uma verdade quando aparece no mundo é por intermédio do poeta,” escreverá mais tarde Teixeira de Pascoaes.[14]
António Sardinha e os intelectuais do Integralismo Lusitano retomariam nas décadas de l920 e 1930 a crítica ao imperialismo da máquina, o apelo à restauração da monarquia e das relações de paternalismo nobiliário nos campos, o retorno à terra-mãe, corpo místico da nação portuguesa, na sua peculiar visão.
Os conceitos políticos e sociais de direita e esquerda, progressismo e reacionarismo, não teriam no futuro correspondência direta entre a defesa ou a oposição à causa do ambiente, pelo menos até aos anos mais recentes. A questão ambiental vai percorrer transversalmente o espectro político nacional. Veremos, mais adiante, o percurso dos monárquicos e dos integralistas, como anotação histórica deste facto.
 A atualidade testemunha a importância, em todos os quadrantes partidários, da dimensão política da causa ambiental ou, mais prosaicamente, da atenção dos partidos tradicionais ao evoluir da consciência social do seu eleitorado. Mas também esta relação, entre a disseminação da questão ambiental e o seu emergir na cena política, será objeto de posterior análise, particularmente na Parte III deste trabalho.
Regressemos, por ora, à literatura. Seria erróneo procurar restringir o alcance da obra daqueles escritores à categoria ecológica dos conservadores da natureza e do mundo rural ameaçado, que o foram alguns dos nomes maiores da poesia moderna, como Walt Whitman. Este poeta, como aqueles outros, fazem parte do núcleo de autores universalistas que se posicionaram, no domínio estético, para além do seu tempo e intervieram também nas esferas do social e da política.
“Creio que uma folha de erva não vale menos que a jornada das estrelas,
E que a formiga não é menos perfeita, nem um grão de areia, nem um ovo
         de carriça,
E que o sapo é uma obra-prima para o mais exigente,
E que as amoras silvestres adornariam os salões do Céu,
E que a mínima articulação da minha mão escarnece de toda a maquinaria,
E que a vaca ruminando com a cabeça baixa supera a estátua,
E que um rato é milagre suficiente para fazer vacilar milhões de infiéis.
Descubro que trago em mim gneisse, carvão, filamentos de musgo, frutos,
                     cereais, raízes comestíveis,
E que fui estucado com quadrúpedes e pássaros,
E que me distanciei, por boas razões, do que está por detrás de mim,
Mas quando quero faço regressar seja o que for”.[15]
Ficam, deliberadamente de fora do âmbito do nosso trabalho a globalidade dos autores cuja obra principal se desenvolve ainda no século XIX e cujo conteúdo se enquadra sobretudo no combate ideológico entre os valores do Antigo Regime e o demo-liberalismo triunfante, apesar da irrecusável modernidade de muitas obras da Geração de 70, especialmente de Eça de Queirós e Ramalho Ortigão. De outro modo, arrastaríamos a nossa investigação para fora dos limites que lhe impusemos.
Mas as preocupações daqueles escritores, que confrontavam já as relações mercantilizadas da natureza e da condição humana com as mudanças civilizacionais de onde emergia a Idade Contemporânea, permaneceram renovadamente atuais e, por isso, as suas obras mais notáveis serão objeto de análise reiterada: Depois do , de António Nobre, Clepsidra, de Camilo Pessanha, e o Livro de Cesário Verde. Veremos como emergem, já nesta época, duas grandes linhas de interpretação do texto literário:
-A ecologia da paisagem (humanizada), que Eça e Cesário intuem e valorizam.[16]
-A metafísica do ambiente do novo século, marcado pela desordem e a angústia urbanas, de Camilo Pessanha e Mário de Sá Carneiro, acompanhadas, em contraponto, pela exaltação da paisagem rural, como em António Nobre e, mais tarde, também pela magnificação do corpo, traço comum a praticamente todos os autores contemporâneos.
A fruição da paisagem tem nos nossos escritores uma dupla dimensão definidora daqueles conceitos: aquela que compreende uma visão sistémica interdisciplinar de carácter científico, que engloba os grandes quadros naturais, caracterizados e diferenciados, seja pelos diversos domínios da ciência - que vão das ciências do ambiente às ciências exatas; seja pela presença transformadora do homem no seu esforço de agricultor, pastor e arquiteto da paisagem e daí também o concurso das ciências históricas e humanidades. Visão científica, da paisagem humanizada, mediatizada pela arte literária, ou seja, ecologia da paisagem.
E outra de natureza metafísica, que é do domínio da “espiritualidade”, da “alma” das coisas, dos sentimentos estéticos da “beleza” e do “belo” ou do “sublime”, e das correspondentes categorias estéticas positivas (belo, sublime, maravilhoso, monumental, épico, trágico, dramático…) e das categorias estéticas negativas ( feio, horrível, repugnante…), que compreendem também  uma avaliação moral,  optando aqui por usar o conceito de ambiente no lugar de paisagem por englobar tudo o que respeita à diversidade natural e à cultura humana plasmada nessa paisagem, que é um lugar físico mas também espiritual onde se sobrepõe o devir do pensamento e a multiculturalidade das nossas civilizações.
Entendemos pela primeira a “ecologia da paisagem” e pela segunda “a metafísica da paisagem”, melhor conceptualizada como metafísica do ambiente.
Duas perspetivas muitas vezes imbricadas e cruzadas no mesmo autor e diversas nos seus múltiplos cambiantes, como veremos, por exemplo, nos textos de O Livro de Cesário Verde, A Cidade e as Serras e Guia de Portugal. 
Vamos procurar demonstrar o valor operativo destes dois conceitos a partir de uma referência antecipada à obra de Aquilino Ribeiro e depois no quadro do estudo de alguns textos de Cesário Verde, Camilo Pessanha, Mário de Sá Carneiro e Eça de Queirós.
Frederico Nietzsche considerava a arte como sendo“...a missão superior e a atividade propriamente metafísica desta vida ”.[17] Veremos como os princípios que presidem à sua conceção da “tragédia ática” parecem irromper na obra de Aquilino Ribeiro quando nos retracta a alma profunda dos seus concidadãos perdidos nas Terras do Demo, seres humanos reduzidos à dupla condição de sátiros (os faunos Aquilinianos) e anacoretas (condenados ao martírio), que afogam nos prazeres da carne e na bebedeira alcoólica ou mística o terror da existência, sonhando não com o Olimpo mas com uma vida sem míngua de sustento e paz, sem carência de terra para cultivar e, no entanto, capazes também de perseguir o sonho apolíneo (Volfrâmio, Uma Luz ao Longe), pelo qual atravessam oceanos, escavam montanhas, carregam o diabo às costas em busca do seu individual e libertário destino, longe do fausto e da nobreza dos gregos (sem nada de comum com o novo homem, “espectador estético,” com quem sonha o filósofo alemão), mas com um autêntico sentido de dignidade, consubstanciada  na  procura da material espiritualidade que a luta pela terra, a casa e o pão representam. Simples seres humanos carentes dos benefícios da civilização, mas que lá, onde os Lobos Uivam não conseguirão sobreviver sem a conservação do ambiente sublime das montanhas agrestes, lugar onde a alma serrana se une ao espírito universal.[18]
1.3. O Livro de Cesário Verde

Abordemos agora o conceito de “ecologia da paisagem”, seguindo a própria cronologia dos autores em estudo, sem deixar de revelar o lado estético, metafísico, da sua representação da natureza e do ambiente.
Recordemos O Sentimento dum Ocidental, dedicado por Cesário Verde a Guerra Junqueiro, que começa com as Aves-marias, que evocam o sofrimento e a dor humanos, num ambiente de “De prédios sepulcrais, com dimensões de montes “…e o desejo absurdo de sofrer”.[19] 
Óscar Lopes evidencia o carácter transfigurador das metáforas usadas pelo poeta, intersecionando vários planos narrativos e relativizando o tempo, como o fariam depois Pessoa e os modernistas em geral. O desejo “...de uma plenitude que incluísse todos os sujeitos e todos os objetos possíveis de saber e de sentir”, base da criação artística que Walt Whitman legou aos poetas do século XX e ao futurismo do nosso Álvaro Campos.[20]
Mas é sobretudo a dimensão critica dos primeiros sinais de globalização do mercado mundial e a perceção da metamorfose urbana e burguesa da cidade, à custa da mercantilização da natureza e da condição humana, que nos importa avaliar em Cesário, reconhecendo que soube transpor o terreno do naturalismo, positivista e evolucionista, e atingir com invulgar espírito de vanguarda os temas e inquietações que atravessam o Modernismo e o pós-Modernismo. Se a escrita do poeta nos surge como intemporal e suscetível de ser reinserida no nosso próprio tempo, deve-o seguramente ao ambiente e preocupações humanistas que transporta como matriz e se traduzem na expressão política e poética da sua solidariedade para com os pequenos lavradores e os proletários das cidades:
“É a fase em que ele acaba de descobrir a cidade de Lisboa, no seu tempo, para além da poetização da cidade moderna por Baudelaire; e em que, correlativa e simultaneamente, descobre também a poesia de uma vida rural sem idealismo, dura, prática, dir-se-ia até que irremissivelmente prosaica (ou “corna”, como ele diz em calão num verso)”.[21]
          É ainda Óscar Lopes quem situa o período de maturidade do poeta a partir do poema. Em Petiz. Versos de surpreendente atualidade que testemunham a perda de valor relativo do Capital-Terra e a sua visão realista da vida rural.
”Que inferno! Em vão o lavrador rasteiro
E a filharada lidam, e a mulher!...
Ah! O campo não é um passatempo
Com bucolismos, rouxinóis, luar”.[22]
Em Cesário, acontece a redescoberta do campo como refúgio salvador da cidade insalubre. E o que parece mais notável, no contraste a que submete, relativizando-os, os valores das produções industriais da Inglaterra face aos produtos agrícolas portugueses, é a descoberta de um valor intrínseco, a que a ecologia chama hoje conservação da biodiversidade, que a seleção genética artificial e a produção industrial têm vindo a destruir.
          Eis como, de forma premonitória, se expressam os valores científicos da “ecologia da paisagem”, que as Ciências do Ambiente defendem, na atualidade, como base da conservação da espécie humana e garantia da sua sobrevivência futura _ uma humanidade consciente da sua dependência da terra e da necessidade de conservação da mais ampla diversidade biológica.
Neste contexto, de valoração das bênçãos da terra (e do esforço do homem como construtor da paisagem), da função criadora da natureza mãe, a exaltação do modo de vida “sustentável” da aldeia não surge como apelo atávico e passadista, mas configura-se como surpreendentemente moderno.
“Chorai” pois “arcadas de violoncelos” por estes poetas e aqueles outros, poetas do Orpheu, companheiros do destino trágico de Mário de Sá Carneiro. No caminho do exílio, percorrido antes por Camilo Pessanha, o poeta Narciso, a vida esgotada nos grandes salões artificiais de Paris, “...de perfumes esguios, luas zebradoras, cores intensas, rodopiante…”, assume pateticamente a sua condição de Ícaro-suicida.[23]
É deste ambiente hostil à natureza humana que nasce o sofrimento do poeta.
“Quase/Um pouco mais de sol-eu era brasa
Um pouco mais de azul-eu era além
Para atingir faltou-me o golpe de asa...Fim
A um morto nada se recusa
E eu quero por força ir de burro”.[24]
Ele comoveria Schiller, na sua exigência da mais viva representação e legitimação do herói trágico, capaz de assumir a liberdade moral de enfrentar o sofrimento e a morte, mas mereceria a sua condenação ao associar o seu funeral à indignidade de um caixão transportado sobre as costas de um asno.[25] É que os tempos eram tão adversos e prenunciadores de tão formidável mudança, que o ser humano se sentia esmagado até ao mais fundo da sua individualidade e a sua vida parecia caminhar em direção ao nada. O ambiente deste novo período da civilização retirava ao homem o sentido do patético que enobrece o sacrifício humano, tornando-o “sublime” apenas quando serve a causa comum da humanidade (Schiller). A validar a asserção filosófica de Schiller pelo seu contrário, agora o sofrimento humano parecia ser mero sofrimento e negação da própria liberdade moral.
…Ou como afirma Eduardo Lourenço:
“…a consciência aguda de que esses tempos eram tão originais (o crepúsculo Nietzschiano de Deus) que não podiam ainda ser vividos senão negativamente pela fuga ao que neles emergia, quer dizer, o primeiro esboço de uma sociedade de massas, cuja simples visão provocava uma espécie de náusea, ao mesmo tempo social, política e espiritual, para os que apercebiam essa emergência como o anúncio da morte do «indivíduo»”.[26]
Os versos finais deste conjunto, articulados sobre a imagem-metáfora do marujo inglês que come sofregamente as laranjas, evocam-nos, na força sinestésica do prazer e dos gestos gulosos, o reencontro alegórico do homem, mesmo aquele que é produto da civilização maquinal e cosmopolita, com a sua condição natural.
“Jack, marujo inglês, tu tens razão
Quando, ancorando em portos como os nossos,
As laranjas com cascas e caroços
Comes com bestial sofreguidão!”[27]
São ainda de Cesário estes versos chave:
 ”AH! Ninguém entender que ao meu olhar
Tudo tem certo espírito secreto!”[28]
Versos que poderiam ter sido escritos por Camilo Pessanha, seu contemporâneo, mas cuja obra apenas seria publicada em 1916. Recordemos o autor de Clepsidra.
“... Eu vi a luz em um país perdido
A minha alma é lânguida e inerme.
Oh ! Quem pudesse deslizar sem ruído!
No chão sumir-se, como faz um verme ...”[29]
Nesta “inscrição” encontramos, na opinião de António Falcão Rodrigues de Oliveira, os quatro temas de toda a obra: a Dor, a Solidão, a Morte e a Transitoriedade e Fuga para o Nada.[30]
          Poesia simbolista, que intui para uma realidade assustadora, sem projeto de saída individual e coletiva, enquanto, no plano estritamente poético, procura uma nova plenitude, longe do senso comum.
 Reação assumida de forma diversa e contraditória, como misticismo tolstoiano ou outro, revolta anarquista e socialista ou esteticismo, que atingiria a sua plenitude sobretudo nas grandes metrópoles_ Paris, Londres, Berlim…
Mas na renúncia à vida de Sá Carneiro, como fora de Antero de Quental, Oliveira Martins e de outros “Vencidos da Vida”, a tragédia tem um valor diferente daquele que evidenciámos em Nietzsche, significa derrota, desistência ou renúncia mortal: ”Oh! Quão diferentes eram as palavras que eu ouvia a Dionísios”![31] A autonomia da condição humana, mesmo quando levada ao extremo libertador do suicídio, derradeiro ato de liberdade inaceitável para a moral schilleriana é, de igual modo, contrária à atitude moral que o discurso de Zaratustra preconiza, quando rejeita firmemente o conselho suicida de Sileno.
Deste modo, através da reflexão sobre a obra de Camilo Pessanha e de Mário de Sá Carneiro, nos aproximámos de novo do conceito de “metafísica do ambiente”, completando o ciclo metodológico a que, alternadamente, recorreremos para desenvolver o nosso trabalho.
O primeiro protesto deste século vem do próprio Eça de Queirós e da sua obra A Cidade e as Serras (1901).[32]
  A Cidade e as Serras, de Eça de Queiroz, dá-nos o testemunho dos malefícios da civilização, representada pelas grandes metrópoles, onde o consumismo excessivo conduz ao tédio, depois ao pessimismo e ao vazio existencial. Só o regresso à Natureza, que a paisagem humanizada do Douro e as serras simbolizam, pode fazer renascer a natureza humana que existe em Jacinto, como uma segunda pele liberta dos artifícios da vida urbana.
A cidade representa, tradicionalmente, a passagem da natureza à cultura. Mas a cultura da cidade começara a ser entendida como artificial, responsável por uma desnaturalização do homem.
Acompanham a Cidade e as Serras, Os Meus Amores (1901) e In Illo Tempore (1902), de Trindade Coelho...representativos de um apelo ao rústico, ao passado à tradição; ou o Amanhã (1901), de Abel Botelho, romance naturalista eivado de atmosfera finissecular.[33] Tal como Os Simples, de Guerra Junqueiro, de apelo ao regresso à Terra, às tradições, à voz lírica das virtudes dos simples...”[34] E o Só, de António Nobre, já que as outras obras, no dizer de Jorge de Sena, não podem salvar-se hoje de uma tonalidade “sentimentaloide”.
Estamos em presença, no plano social e político, de uma consciência conservacionista, de uma visão parcial do mundo rural, que corresponde à classe dos proprietários deslocados para a cidade.
Testemunhos  partilhados pelo grupo da Renascença Portuguesa, e a sua revista A Águia, em torno da qual se aglutinaram Teixeira de Pascoaes, o seu diretor literário entre 1912 e 1917, António Correia de Oliveira, Afonso Lopes Vieira, Afonso Duarte, Augusto Casimiro, Mário Beirão e Jaime Cortesão, entre outros.[35]
Mas de Pascoaes, o seu guia, doutrinador e poeta maior, vai emergir uma outra emoção estética e uma nova leitura da paisagem, através do retorno metafísico à natureza, como paradigma reencontrado; filiar-se-á numa linha espiritualista, que sonha e deseja a comunhão dos homens com a terra-lar; terra-lar, símbolo original de Pascoaes que é reminiscência dos afetos e da função protetora do lar, associada ao eterno retorno ao seio da terra, de onde se nasce e sobre a qual se morre. E a comunhão surge da “romaria espiritual ao Tâmega”, às montanhas e rochedos que são o lugar sagrado da união cósmica do ser individual com o universo.[36]
Na descrição dos céus noturnos do Douro na Quinta de Tormes, feita por Jacinto ou nos versos daquele poeta sobre o Marão, emerge um turbilhão de sensações onde “brilha” a reminiscência platónica da harmonia e da beleza que o filósofo atribui á imanência das coisas: ”E é impossível não sentir uma solidariedade perfeita entre esses imensos mundos e os nossos pobres corpos.”[37]
Assim se retoma a “metafísica do ambiente” e se partirá, no ponto seguinte, para a “ecologia da paisagem”, num processo analítico encadeado ao longo de todo o percurso temático deste ensaio.
Esta metodologia permitir-nos-á reconhecer, ao longo das diversas obras e autores, as grandes questões colocadas pelo emergir da crise ambiental no texto literário e procurar, paralelamente, as raízes que determinam a configuração da cultura contemporânea e prenunciam as suas linhas evolutivas. Apreciaremos ainda a sua influência na questão social e como o ambiente determina decisivamente o devir da nossa sociedade globalizada, desde a ciência à política e à ética.


Raul Proença concebeu e prefaciou o I volume do Guia de Portugal, datado de 1 de Novembro de 1924. Com notável antecipação sobre a consciência ambientalista contemporânea, o autor exprime na sua prosa os modernos conceitos de paisagem global e de preservação do património cultural e biogenético.[38] 
Destaca “a variedade quase inexaurível dos tipos de paisagem”, o paraíso botânico, que era o nosso país.[39]
Poderíamos dedicar várias teses ao estudo aprofundado desta obra monumental e verdadeiramente percursora da razão ambientalista, de que não conhecemos paralelo noutro país.
Dela faremos referência em diversos passos do nosso trabalho, começando por evidenciar que os seus textos, redigidos num estilo de divulgação científica que hoje é comum mas era inédito na época, contêm uma perspectiva interdisciplinar e sistémica da paisagem, são sensíveis à sua beleza estética e estão profusamente impregnados de uma visão ambientalista moderna. De tal modo que um dos seus usos actuais de maior valia científica e eficácia pedagógica é o do estudo e observação comparados das paisagens humanizadas que descreve e interpreta.
Da Introdução geográfica de Silva Teles retenhamos os Tipos de Paisagem.
Da Introdução histórica, escrita por António Sérgio, a sua visão crítica do liberalismo.
Da Introdução Etnográfica de Aquilino Ribeiro, e deixando para o próximo capítulo a análise da relação entre a terra e o homem (e a Casa do Homem), reconheçamos a teia de ligações entre o ambiente e o vestuário.
Largamente documentado, ao longo de toda a obra, está o património construído e artístico.[40]
Da flora nos fala o próprio Raul Proença, apoiado no testemunho de visitantes sábios e ilustres.[41]
Deixemos a caracterização ambiental da cidade de Lisboa para um momento posterior deste ensaio, quando abordarmos outras perspetivas do nosso desenvolvimento urbanístico e concentremo-nos agora numa das superiores mais-valias do Guia de Portugal: A descrição pluridisciplinar e interdisciplinar da paisagem, que nos permite hoje avaliar a profundidade e gravidade das suas transformações, nomeadamente, quanto à conservação da biodiversidade, a preservação dos recursos naturais e as relações de equilíbrio ambiental entre o trabalho do Homem e a Terra.[42] Tomemos como exemplo a escolha, no extenso percurso que o I Tomo do Guia oferece nos arredores de Lisboa e na Margem Sul, os sítios da Arrábida e da Costa da Caparica. Comecemos por esta, enunciando, primeiro, o texto de Raul Brandão. “No imenso areal, o barco da duna, próprio para a arrebentação, de proa e popa erguidas para o céu;” comparando-o, depois, com a descrição atual feita por Sant´ Anna Dionísio de degradação: “A Costa da Caparica seria hoje irreconhecível para o autor do Húmus e dos Pescadores. Em trinta anos tomou-se uma espécie de rival dos Estoris, pletórica de vivendas, de cafés, de pastelarias, de pensões, de esplanadas, de colónias de férias, e alguns hotéis.”[43]Ou então, pela positiva, depois de revelar na Arrábida os seus valores florísticos e patrimoniais, a leitura estética e metafísica da paisagem:
 “O que há na Arrábida de tão belo e empolgante, que a pode bem emparelhar com as serras de Sintra e do Buçaco, depara-se escondido, para mais funda e atónita emoção, na vertente que olha ao Sul, sobre aquele ângulo da costa onde o mar forma baía imensa e ganha azul e suavidade. Sintra é toda um paço alcantilado, parque e jardim, envolto pelas névoas do mar e ressoante de memórias heráldicas; e o Buçaco a catedral de verdes naves, cheias de penumbra religiosa, de cujas flechas a vista rola, afogada em carícias, sobre a macia catadupa do seu teto de frondes. A Arrábida, que excede as duas em aspereza natural, se pela sua condição humilde e místicas memórias se afasta da fidalga Sintra e se aproxima do Buçaco, é, mais do que esta, arrebatada e ascética.”[44]

A identificação e preservação dos principais habitats naturais onde a vida se renova, surge nos nossos escritores como produto da própria experiência estética da natureza.
O mosaico agro-florestal, fruto do empirismo ecológico dos nossos cultivadores e exemplo secular do correto ordenamento da paisagem, surge claramente percecionado e esteticamente valorizado na obra dos poetas e prosadores da primeira metade do século.
Irene Lisboa escrevia no seu poema Passeios:
“...A terra, o homem a faz.
A picota, o chão de milho e abóboras
… a casa...
E de um lado e outro, nas abas muito juntas da
serra, pinhal...” [45]
Dir-se-ia que estamos em presença de uma interpretação da paisagem feita pelo próprio Ribeiro Teles, ou por Jorge Paiva em defesa da paisagem de “bocage” explicando que o homem não é um ser da floresta mas um animal da orla, um construtor de sebes contínuas onde é maior o valor biológico, jardineiro das hortas e anacoreta sábio, sobrevivendo entre a bouça e o socalco.[46]
Esta relação, atravessa toda a obra da poetisa e dos nossos maiores prosadores da primeira metade do século XX, cujos contributos se podem cotejar com o dos naturalistas, mediatizados a partir da década de setenta, a quem se reconhece um importante papel na tomada de consciência dos valores ambientais em crise.         
Os Prados de Lima
Miguel Torga evoca o Minho, com referência à obra maior da agricultura ecológica dos camponeses: os prados de lima, que repartem a água dos ribeiros e a fazem descerem e circular por gravidade, restituindo-a depois aos seus leitos, fornecendo ao gado um pasto abundante e acessível.
 “...Um Minho de cores austeras, trágico ou épico, de courelas inventadas nos despenhadeiros, de águas com ponteiro ou de matriarcado à míngua de varões...”[47]
“Courelas inventadas nos despenhadeiros” que seguram o solo avaro, armado em socalcos, verdadeiros monumentos ao trabalho e à inteligência humana, “prados de lima” cujo nome provém da repartição fina da água, como se fosse limada, para que possa ser distribuída equitativamente em pequenos regatos,“ águas com ponteiros” e recuperada mais abaixo no leito das ribeiras.[48]
Os socalcos
É dele (Torga) também a imagem do Reino Maravilhoso de Trás-Os-Montes associada ao respeito e afeto misturados no beijo que se dá ao trigo amassado de suor, quando ele cai no chão, expressão simbólica da relação umbilical do homem com a terra-mãe. E a visão do Douro, exaltado nos seus socalcos que são monumentos ao esforço do homem para combater a erosão e exemplo das tecnologias limpas, que no xisto sustentam o solo e transformam o calor do sol em energia e frutos consumíveis…
”E daí a pouco há sol engarrafado a embebedar os quatro cantos do mundo.”[49]
Completada pelo ambiente de epopeia e tragédia do Ciclo Port Wine de Alves Redol:
“…tempestades de Maio, em que o vento macera os pâmpanos das videiras e as chuvas torrenciais arrastam muros de socalcos…”e o Douro é uma serpente que rasga no leito profundo galerias e poços e os rabelos vencem “…a poder de velas e remos, de varas ou de sirga.[50]
Os terraços madeirenses, num texto retirado do seu Diário…
”é o milagre dos abismos povoados, das levas de água conduzidas, das grandes ravinas amanhadas que levo na retina maravilhada.”[51]
A trilogia mediterrânea: azeite, vinho e pão
O valor pedagógico do sítio de Conimbriga, lugar de encontro entre a paisagem setentrional, atlântica e a paisagem do sul, tipicamente mediterrânea, na visão das crónicas do geógrafo-escritor Orlando Ribeiro:
”Nada falta à meridionalidade do quadro: o pano de fundo das montanhas calcárias, secas e descarnadas, os olivais a perder de vista, os campos onde o trigo já predomina sobre o milho, e até, circundando a igreja da freguesia, meia dúzia de negros e esguios ciprestes, tudo isto recortado num céu quase sempre azul, brilhante, limpo, sereno, luminoso, e debaixo do sol forte e quente, a terra quase árida.”[52]
As planícies aluviais e costeiras, os estuários e o seu património biogenético
Para olhar a planície, regressemos ao Portugal de Torga e à Estremadura, território onde historicamente se regista a introdução na agricultura das modernas relações de produção e das suas tecnologias de ponta, paisagem humanizada por excelência e que, por isso, carece de ver preservada a sua biodiversidade em risco.
“...O nosso lirismo devia ser coutado. O país devia consagrar-lhe um parque de reserva, onde fosse proibido dizimar as espécies que ainda restam, deixando-as viver num paradisíaco devaneio, à lei da inspiração. E nenhum sítio mais indicado para isso do que esta província portuguesa, feita de dunas e calcário.”[53]
A revelação dos valores biogenéticos e das riquezas naturais dos estuários que o Tejo representa nos plainos ribatejanos e nas zonas húmidas; na asserção de Torga…
“…aquela nesga da pátria é um mundo à parte dentro das suas entranhas-um mundo rico, de aluvião , de maná…”[54]
A costa algarvia, como era na sua mediterrânea riqueza faunística e florística, antes das profundas destruições provocadas pela expansão desmesurada da atividade turística:
“...A terra não hostiliza os pés, o mar não cansa os ouvidos, o frio não entorpece os membros, e os frutos são doces e sempre à altura da mão.”[55]
O património oceânico
Naveguemos para as Ilhas Desconhecidas, agora com Raul Brandão. As condições edafo-climáticas dos Açores e a extraordinária riqueza biológica das suas costas preenchem longos passos da obra em referência:
“Nos Açores a primavera não existe, por causa dos “icebergs”...Ao mesmo tempo o “Gulf Sream” aquece e modifica a temperatura…aconteceu-me meter a mão no mar e achá-lo tépido como o sangue…A quatro e cinco mil metros verdadeiras florestas animais_ umbelárias, górgones, que, sob excitações variadas, emitem fogos violetas, azuis, vermelho-laranja…Todas as formas e todos os feitios: a jamanta, avejão negro e voraz estendida como um manto, o raião ou tremelga que fulmina quem lhe toca, a enguia titureia, o albafar”.[56]
E poderíamos percorrer toda a diversidade paisagística, com outros autores e novas obras.
De conservadores da natureza a reformadores sociais, de divulgadores a filósofos, eis em síntese o percurso dialético das lideranças e do pensamento arco-íris ambientalista. 
O conhecimento das interações ambientais permitiu à comunidade humana identificar os riscos que representam para a sua qualidade de vida e para o seu futuro as agressões ambientais, sobretudo a partir de 1860, quando a ecologia se organizou como ramo autónomo da biologia, tendo como objeto o estudo da relação dos seres com o seu ambiente.
Mas tal facto, por si só, não anula a perspectiva antropocêntrica. Afinal o reconhecimento de que as plantas estão na base da cadeia alimentar e da transformação química da energia solar necessária à produção dos alimentos ou das reservas minerais de carbono, ou de que a conservação da biodiversidade ou do solo são fundamentais para evitar a rotura da cadeia alimentar ou prevenir os efeitos da desertificação, podem conduzir apenas à definição de um novo finalismo utilitarista, que proceda, com novas tecnologias “limpas,” à seleção e manipulação dos seres vivos para o consumo mercantil, racionalizado no limite dos conhecimentos humanos sobre a interação dos fatores de crise ambiental e o equilíbrio dinâmico dos ecossistemas. Na verdade, não é possível determinar com rigor qual é a capacidade de carga e renovação dos diversos ecossistemas face, por exemplo, ao surgimento todos os anos de centenas de novos compostos químicos, cujo impacte ambiental é desconhecido ou está insuficientemente estudado, pelo que a regeneração ambiental com recurso às novas tecnologias despoluidoras será sempre uma solução de recurso e mais cara, sendo preferível seguir a estratégia ambientalista para o desenvolvimento, que concede a primazia à redução, depois á reutilização e, em última escolha, à reciclagem. Sendo certo que as revelações e denúncias dos ambientalistas, podem também gerar, ao contrário, atitudes de absolutização de certos valores ecológicos em confronto com os valores humanistas clássicos.
Eis um conjunto de questões extremamente complexas que o progresso científico, no interface das disciplinas tradicionais e a reflexão ética têm de enfrentar passo a passo.
Os naturalistas
É neste contexto que abordaremos os contributos, de sentido diverso, de uma das fontes da ecologia contemporânea, a intervenção dos naturalistas, como Robert Hainard e Konrad Lorenz, deixando para o estudo da ética a obra do americano Aldo Leopold e, tendo sempre presente o esquecimento a que foi votada a contribuição do seu contemporâneo e biólogo soviético, Vladimir Vernandsky, a quem dedicaremos uma nota mais adiante.
O primeiro, de origem suíça, pintor e escultor naturalista, vem desde os anos 40 refletindo sobre as contradições entre a cultura da moderna civilização e a natureza, considerando que aquela tem vindo a subjugar a dimensão instintiva e orgânica da natureza humana, que necessita de se libertar da tirania da razão. O seu fascínio pelos processos de reprodução e seleção naturais leva-o a rejeitar o antropocentrismo em favor de um certo tipo de panteísmo, acompanhado pela transposição mecânica dos processos de competição entre as espécies para a sociedade humana, conduzindo-o ao elogio amoral dos vencedores, à rejeição das políticas de solidariedade social e à identificação da sua filosofia com a máxima brutal, aplicada às relações sociais, que afirma:“…o direito natural resume-se a comer ou ser comido“! [57]
Diversamente, O Sermão da Humildade, de K. Lorenz, enuncia o princípio que…
“…o nascimento de uma forma superior de vida a partir de um antepassado mais simples significa para nós um acréscimo de valor, ”esclarecendo que não se pode resumir a vida a um conjunto de processos físicos e químicos, resultantes das leis científicas do devir filogénico,“…porque uma matéria viva é qualitativamente mais do que o processo orgânico”.[58]
Neste contexto e como mostraremos adiante, a propósito do Romance da Raposa, de Aquilino Ribeiro, o homem é encarado nos planos da ontologia e da ética. [59]
É o que procuraremos demonstrar ao longo do estudo dos seus escritos e da procura de uma visão partilhada da ecologia da paisagem, em paralelo com uma outra perspectiva, a metafísica da ambiente, que podem surgir na mesma obra e no mesmo autor e reciprocamente se completam, gerando propostas de mudança social e política e de fundação de uma outra ética.
O pensamento filosófico desenha-se na escrita literária como o veio atravessa ou impregna o filão mineral.
Se os artistas dos finais do século XIX se angustiavam com o espectro de uma nova época que ameaçava reduzir o indivíduo a um número de série da cadeia produtiva, os escritores contemporâneos vêem o fantasma corporizar-se em todo o mundo e reduzir a condição humana ao ofício de precarizado consumidor. Os próprios produtores da cultura, sábios cercados em modernas Constantinoplas, ou abnegados filósofos que não se limitaram a interpretar o mundo, questionam agora cada um dos seus atos, pois difícil se torna saber se é o mercado que gera a obra e a sua respetiva moral, ou o espírito humano resistindo ainda, num estertor criativo e de elevação ética.
A condição humana
Esta poética, da condição humana, e particularmente do estatuto da mulher rural, encontrará um caminho de renovação em Agustina Bessa Luís, no ano da Sibila, 1953. Dela diz Eduardo Lourenço ser a romancista “...do ancestral e arquétipo mundo português do «fuso e da roca» e da sua morte”…[60]
Donde podemos inferir o peso social e ideológico que esse velho modo de produção continuava a ter nos anos 50 na paisagem camponesa e espiritual do país.
Simbolicamente, a personagem Gema, que Agustina caracteriza como a “…artista, o produto mais acabado da natureza, que se pode definir como uma inutilidade acabada,” representa a passagem de uma tradição rural (a vidente) para o presente da cultura citadina, que se ergue sobre os escombros do velho Portugal.[61] Numa época de avanço da indústria e da mineração, de eletrificação do país a partir das grandes barragens durienses, recrutando os seus trabalhadores entre as famílias de camponeses-operários, sem rudimentos de higiene e segurança no trabalho, sem preparação técnica e qualificação profissional, quando chegam significativos investimentos estrangeiros e arranca o primeiro Plano de Fomento, enquanto o movimento de urbanização e litoralização do país se acentuam. 
Óscar Lopes reconhece no ambiente do romance a “…sociedade nortenha de entre 1870 e cerca de 1950”. E é o mesmo crítico que cita as últimas páginas de Sibila
“Tudo o que vivemos nos faz inimigos, estranhos, incapazes de fraternidade. Mas o que fica irrealizado, sombrio, vencido, dentro da alma mais mesquinha e apagada, é o bastante para irmanar esta semente humana cujos triunfos mais maravilhosos jamais se igualam com o que, em nós mesmos, ficará para sempre renúncia, desespero e vaga vibração...”[62]
Colocando-a deste modo em oposição ao otimismo e racionalismo burgueses do século XIX, que impregnaram outrora a visão do mundo rural de Júlio Dinis e ou Alexandre Herculano.[63]
A obra de Virgílio Ferreira estrutura-se em torno de uma única e reiterada questão: o sentido da existência pessoal num universo sem sentido.[64] Quando o autor aborda a natureza é como alegoria, da vida ausente na paisagem coberta de neve que cobre a aldeia da Beira Baixa, definitivamente deserta, consubstanciando a única alegria breve que é permitida ao homem, mas com a particularidade de, para além da persistente metáfora da angústia existencial, emergirem da própria estética do texto as imagens realistas… da neve na serra natal, dos estorninhos voando a uma figueira, da morte piedosa de um cão…[65]
Enfim, angústia existencial perante a morte de todos os deuses, mesmo daquela ideia do divino imanente ao devir da natureza e da natureza humana para o Bem, que em Antero de Quental substituiu os cultos religiosos e que significa o fim do esplendor que “…irradiava da criação vivida como obra de Deus.”[66]
          Mesmo quando estamos em presença de um escritor telúrico, que compreende intuitivamente as relações sistémicas da paisagem, a emoção estética conduz igualmente a uma reflexão metafísica. É o que iremos analisar nalgumas passagens da obra de Miguel Torga, e também de Teixeira de Pascoaes, extraindo da sua escrita sobre os grandes quadros paisagísticos toda uma metafísica do ambiente, em diferentes cambiantes.
Miguel Torga e o Litoral como cenário do drama humano
No confronto com o mar, a alegoria da aventura humana sobra a Terra, que evoca a precaridade da condição e do engenho humanos, nas suas tentativas para dominar a natureza.
“…Um porto que é sempre a mesma praia imensa, estéril e fustigada, onde as mulheres, Cassandras eternamente de luto, rezam e profetizam”.[67]
Torga, Pascoaes e o sublime das serranias
A Beira e a sua Serra da Estrela, espelho da relação telúrica entre as pedras e os seres...
”Há rios na Beira ? Descem da Estrela. Há queijo na Beira? Faz-se na Estrela. Há vento na Beira? Sopra-o a Estrela. Há energia elétrica na Beira? Gera-se na Estrela. Tudo se cria nela, tudo mergulha as raízes no seu largo e materno seio. Ela comanda, bafeja, castiga e redime. Gelada e carrancuda, cresta o que nasce sem a sua bênção; quente e desanuviada, a vida à sua volta abrolha e floresce. O Marão separa dois mundos - o minhoto e o transmontano. O Caldeirão, no pólo oposto de Portugal, imita-o como pode. Mas a Estrela não divide: concentra. O muro cresceu, alargou, e transformou-se na extensão que teria de partilhar. O pouco que ficou desse abraço, são flancos, abas, encostas e escorrências de aluvião.”[68]
Numa viagem lunar entre o Vouga e o Douro, agora com Teixeira de Pascoaes, encontramo-nos em presença do seu arquétipo da união espiritual com a montanha-mãe, mediuna do próprio universo.
“Em derredor da montanha tudo é sonho, silêncio e crepúsculo, espraiando-se numa onda circular, até às estrelas remotas do horizonte. Todo o vasto mundo é feito de matéria imponderável; mágoas nublosas formas espirituais, cingindo a densa cristalização da serra.”[69]
Miguel Torga e a epopeia humana nos Plainos e Charnecas
 O Alentejo, dos grandes espaços abertos que moldam o carácter dos seus trabalhadores, no apelo à dignidade e à liberdade da condição humana como símbolo do valor intrínseco das mais humildes manifestações da vida...
É preciso ter uma grande dignidade humana, uma certeza em si muito profunda, para usar uma casaca de pele de ovelha com o garbo dum embaixador. Foi a terra alentejana que fez o homem alentejano, e eu quero-lhe por isso. Porque o não degradou, proibindo-o de falar com alguém de chapéu na mão”.[70]
Casimiro de Brito e Nemésio, a tragédia do Al Andaluz e das Ilhas Encantadas
O Algarve, como memória dramática do ocaso civilizacional dos árabes na península, silenciosamente ajoelhados na lembrança do país que construíram e perderam …”o mar/ sem peso as noites inclinadas a terra volúvel…,”de Casimiro de Brito.[71] O Primeiro Corso, de Vitorino Nemésio, com os seus símbolos de eternidade no “sal que torna incorrupto o aro da terra,” consciência da humilde grandeza da condição humana, “na conquista da terra” e no “pasmo” perante a imensidão do oceano e do mundo.
“Oh, solidão das ilhas!…Conquista de terra por firmeza no pouco que se tem e por tino e recuo  a  tempo no muito que se deseja…Portos fechados, ilhas à vista…Entre nós e o mundo aquela porção de sal que torna incorrupto o aro da terra. Movimento e força; outras vezes tranquilidade e pasmo…Extensão…Extensão…”[72]
Os novos “naturalistas”
Referimos já como uma das origens da moderna consciência ambientalista, o contributo dos naturalistas. Recordemos melhor a sua ação para a cotejar com as obras dos nossos prosadores e poetas. No âmbito da União Internacional para a Conservação da Natureza, evoquemos Jean Dorst, como exemplo da ação educativa dos museus de história natural, de que foi diretor em França; o comandante Jacques Yves Cousteau e a sua fundação, dedicada à defesa dos oceanos; os programas da Nacional Geographic na TV, dedicados à conservação da vida selvagem, e os do biólogo espanhol Félix De La Fuente em prole da diversidade biológica; ou o livro choque da bióloga americana Rachel Carson, Primavera Silenciosa, denunciando a hecatombe provocada pelo uso maciço de pesticidas na agricultura. Estes trabalhos de investigação e divulgação ganharam notoriedade por revelarem as complexas relações dos seres vivos entre si e destes com o meio físico onde evoluíram historicamente, ao mesmo tempo que produziam a denúncia multilateral da crise contemporânea do ambiente.
Aquilino Ribeiro, notável e premonitório escritor ambientalista
É igualmente notável e surpreendente encontrar na obra de Aquilino Ribeiro a constante presença dessa Via Sinuosa ambiental, desde os contos de  Jardim das Tormentas  (1913) até ao  Livro da Marianinha  (1967), com destaque para alguns escritos de onde emerge uma premonitória e nítida temática ambientalista.[73] Tais são as obras de reflexão sobre a ética antrópica e a ética animal, do ciclo animalista que inclui O Romance da Raposa (1923), Arca de Noé, III Classe (1935) e O Livro de Marianinha.[74] Os romances nos quais se analisa o impacto no mundo rural da expansão do capitalismo internacional, onde se pugna pela conservação da natureza e a favor do desenvolvimento sustentável, em  Volfrâmio (1944) e  Quando os Lobos Uivam  (1958). E aqueles outros em que se revela uma aguda conceção da ecologia global, da infinidade das relações entre os seres vivos e a terra, que percorre a totalidade da sua obra, e atravessa claramente os livros Terras do Demo (1919) e A Casa Grande de Romarigães (1957). Este romance conta a história de três séculos de paisagem humanizada do Noroeste, retomando a tese aquiliniana de 1923”…A natureza não tem simpatias especiais por nenhum dos seus seres”, inscrita no seu comentário ao Romance da Raposa e desenvolvida no posfácio do segundo destes livros, quando a precariedade da vida e da obra do homem se confronta com a neutralidade da natureza “…em matéria do bem e do mal, sem privilégio de carinhos para ninguém,” traduzindo neste postulado o princípio filosófico que sustenta toda a crítica coeva ao antropocentrismo egocêntrico. Mas em que a vida, não sendo mais que um momento de equilíbrio que fulge”…nos laboratórios de integração e desintegração da Natureza , é,  …com a sua beleza e o seu drama, uma razão suficiente, por assim dizer, para  o Mundo existir .”[75] A génese da floresta surge - nos, no início de A Grande Casa de Romarigães, como esplendor desse nascimento e fundamento ecológico do sortilégio (da diversidade) da vida:
 “Do pinhão, que um pé de vento arrancou ao dormitório da pinha-mãe, e da bolota, que a ave deixou cair no solo, repetido o ato mil vezes, gerou-se a floresta. Acudiram os pássaros, os insectos, os roedores de toda a ordem a povoá-la. No seu solo abrigado e gordo nasceram as ervas, cuja semente bóia nos céus ou espera à tez dos pousios a vez de germinar. De permeio desabrocharam cardos, que são a flor da amargura, e a abrótea, a diabelha, o esfondílio, flores humildes, por isso mesmo trofeus de vitória. Vieram os lobos, os javalis, os zagais com os gados, a infinita criação rusticana…”[76]
Enfim, o quadro da evolução da vida, ou o retracto poético da floresta mediterrânica vista como um ecossistema suporte da diversidade biológica.[77]    
Vladimir Vernandsky
Eduardo Lourenço, tal como antes Óscar Lopes e Mário Sacramento, revela-nos a analogia entre o nascimento e a evolução da ficção neorrealista e o utopismo realista e onírico da literatura americana da grande crise dos anos 30, aquele que nos deu As Vinhas da Ira e, sobretudo, a  Estrada do Tabaco, a qual coloca no centro da sua poética a relação entre a Terra e o Homem.
A expulsão dos colonos das suas quintas no Texas e Oklahoma, para dar lugar às grandes explorações da agricultura capitalista, dita racionalizada e moderna, que ocorreu na década de 20 e constituiu o drama real sobre o qual Steinbeck montou a sua trama romanesca, viria a dar origem em 1932 a uma das maiores catástrofes ecológicas da nossa época, quando violentos tufões varreram literalmente o solo desprotegido, motivando em seguida uma verdadeira revolução tecnocientífica nos EUA com a criação pelo Estado Federal do Instituto de Estudo dos Solos, seguindo o exemplo da União Soviética. De facto o nascimento da ecologia global, espantoso para a época, deveu-se ao biólogo soviético Vladimir Vernandsky (1863-1945 ), o criador da biogeoquímica e autor da obra Biosfera, publicada em 1926 em Leninegrado, que permanece ainda hoje num quase esquecimento. Contudo, foi nos seus trabalhos que se inspirou George Hutchinson, o fundador da escola superior de ecologia científica de Yale, base do ensino atual das novas Ciências da Terra e do Homem, de onde saíram cientistas notáveis como Raymond Lindeman, Eugene e Howard Odum. Depois da tragédia ambiental de 1932, os EUA levaram a sério a contribuição vanguardista da União Soviética e adotaram sem preconceitos ideológicos os seus ensinamentos, nomeadamente passando a considerar o solo como um elemento vital e vulnerável dos ecossistemas da Biosfera .
Por outro lado, e quando comparamos a obra pioneira dos biólogos soviéticos com as tragédias ambientais mais recentes que marcam a decadência da primeira experiência histórica do socialismo científico, fica em aberto o estudo (sem preconceitos ideológicos) das causas que conduziram ao tremendo retrocesso entretanto verificado.
Voltemos a Eduardo Lourenço, e ao seu labor de crítico literário, para evidenciar que ele estende a afinidade entre a nossa literatura e a ficção americana das décadas de 20 e de 30, às obras da literatura brasileira desse período, ao ambiente de tragédia e sonho, da terra árida e uma humanidade sem horizontes, presentes também na escrita de Carlos de Oliveira, Manuel da Fonseca e, particularmente, em Fernando Namora.[78]
O desenvolvimento capitalista nos campos portugueses seguiu um processo diverso dos EUA ou do Brasil dos coronéis e dos posseiros, das vidas secas e dos retirantes do sertão, mas também os seus períodos de rotura e crise ficaram registados na nossa produção literária, conferindo-lhe particularidades estéticas e especialmente temáticas suscetíveis de configurar obras de carácter nacional e vocação universalista. Na época em causa, “as campanhas do trigo”, que ocuparam uma parte substancial do montado alentejano, viriam consolidar o sistema económico e social do latifúndio, com consequências ambientais (e políticas) dramáticas, a longo prazo, nomeadamente pelo esgotamento precoce dos solos e a diminuição das suas reservas freáticas.
A II Guerra Mundial deu origem à proliferação intensiva da mineração do volfrâmio, com empresas inglesas e alemãs revolvendo as terras de Norte a Sul na procura desse mineral estratégico, provocando impactos brutais no interior do país, mas que o final da confrontação reduziu aos coutos mineiros de Aljustrel e S. Domingos, Panasqueira, Borralha e Nordeste Transmontano. Deste processo retiraram os livros Minas de S. Francisco, de Namora, e Volfrâmio, de Aquilino, a sua matéria poética. Obras contemporâneas do romance singular de Soeiro Pereira Gomes, Engrenagem, que as precedeu na narrativa dramática do processo de industrialização do velho Portugal, limitado e contraditório, e que Ferreira de Castro prosseguiu no romance A Lã e a Neve, paradigma das transformações modernas do mundo rural, simbolizado na expansão e influência dos lanifícios da corda da Serra da Estrela sobre o modo de vida e os costumes das aldeias serranas, dos seus rebanhos, agricultores e pastores ancestrais.
Como veremos, é a saga destes heróis proletários ou dos seus novos senhores, que está no centro das transformações profundas da paisagem humanizada portuguesa estigmatizada pelo conflituoso avanço da industrialização e das relações de produção capitalistas no mundo rural, e que dariam origem ao romance proibido de Aquilino Ribeiro, Quando os Lobos Uivam.[79]
Industrialização e conservação da natureza, o emergir do conflito.
Contra essa engrenagem política, económica e social, escreveu Soeiro Pereira Gomes. Mas o que queremos destacar no livro Engrenagem é o surgimento direto, na nossa literatura, do conflito entre o desenvolvimento industrial e a conservação da natureza e do ambiente, personificado na recusa do camponês Zé Lérias em vender a sua terra aos donos da fábrica e no intercalar na narrativa de painéis dramáticos denunciando os efeitos nefastos da poluição, a destruição caótica da paisagem natural, marcada pelas cicatrizes das grandes obras de engenharia, numa narrativa pontilhada pelos desabafos dos rendeiros-operários que lamentam o abandono das suas courelas e, finalmente, no trágico desenlace do romance, com a crise da indústria e o seu encerramento, deixando apenas um ambiente de desolação e ruína.[80]
     O impacto das campanhas do volfrâmio, não apenas na transformação da paisagem, mas ainda e sobretudo no plano ético, emerge das obras Volfrâmio (Aquilino Ribeiro) e as Minas de S. Francisco 
  ( Fernando Namora ).
Podemos reler hoje esses romances e a trilogia do Ciclo Port Wine (Alves Redol), como paradigmas reveladores do modelo atual das relações económicas desiguais entre os países do Norte desenvolvidos e os países do Sul dependentes e subdesenvolvidos e do caracter volátil do investimento que visa apenas o lucro.[81]
Mr. Hinckser, o poderoso alemão (como podia ser Mister Corbert, o representante do império britânico) enfatizava a missão “ecuménica“ do capital nazi, que fundia e destilava nos altos-fornos das indústrias de guerra, o níquel da Finlândia, o ferro norueguês, francês e espanhol, o volfrâmio de Portugal, o petróleo romeno, a bauxite de Itália, Hungria e Croácia, e o carvão do Ruhr.[82] O “volfro“, na expressão de Aquilino…
”…significava para as populações do Norte, deserdadas de Deus, o que o maná foi para os Israelitas no deserto faraónico. Imagina-se o que seriam os impulsos da horda esfaimada diante do alimento providencial, no afogo do dejejum…”[83]As aldeias ancestrais mudavam de fisionomia. Em suma:“…Formava-se uma moral nova com a nova indústria. Dolo, roubo, mentira, falsidade, desde que constituíssem processos de promover o negócio do volfrâmio, tornavam-se ordinários, por conseguinte, de prática corrente, discutível ainda, mas admitida. Resultava de tal consenso que procuravam todos empulhar-se uns aos outros o mais conspicuamente possível, e que falsificar o minério, fritando-o, desencantando-lhe substitutos falaciosos, era um recurso industrial como outro qualquer…”[84]
Nas terras do latifúndio, a destruição da paisagem construída laboriosamente pelo trabalho de       gerações irrompe na metáfora da mina de S. Francisco que …
“floresce...Há casas que os homens deitam abaixo para não perder a pista de um filão; derrubam-se paredes e árvores, soterram-se searas e pomares, tudo o que embarace o caminho…”[85]
E no testemunho lúcido do velho camponês, alegoria personificada da sabedoria popular e um dos símbolos da consciência crítica do romancista:
“Amanhã, depois da guerra, ninguém falaria mais desses camponeses feitos mineiros, que, em vez de proteger a seiva da terra, a despojavam, desvairados, enchendo vagonetas, enriquecendo bandidos e negociantes. Voltariam a atravessar o rio, curvados, tossindo tufo, esmolando as graças dos feitores…”[86]
Do Ciclo Port Wine, selecionámos uma passagem do primeiro volume, Horizonte Cerrado, reveladora da trama de sujeição que atinge os pequenos produtores durienses, um diálogo entre o agente intermediário dos exportadores e um dos seus homens de mão…
“O Dr. Freitas deu uma gargalhada.
_ Pois de quem queria que fosse?…Nosso?!…Você tem coisas!…O lavrador é o burro e o comércio português a albarda; mas quem vai às cavaleiras é o beef. Pois então!…E sem risco de cair, porque o burro é manso e a albarda vai bem presa.”[87]
       O povoamento da terra “...áspera, nua, seca...”, poeticamente transfigurado no esforço e sofrimento, dos homens, na construção da paisagem, que a poesia de José Gomes Ferreira evoca.[88]
       Assim chegamos ao romance de Ferreira de Castro, A Lã e Neve, construído como um fresco clássico, esculpido num frontão aberto sobre as naves da Estrela, de onde emergem Os Rebanhos  e a Casa dos homens. É exatamente no Pórtico que fica registado o percurso histórico da manufatura dos lanifícios e se destaca o papel da evolução tecnológica na transformação da natureza e das relações sociais.
        A lenta transformação da paisagem rural, pelo esforço camponês de arroteamento da terra inculta e o esbulho desse património secular, em proveito dos novos proprietários capitalistas, das monoculturas industriais e do mercado das rendas fundiárias, que marca a viragem económica e social dos anos 50, de fomento do capitalismo nos campos, encontrou a sua primeira expressão na narrativa  dramática do Romance A Noite e a Madrugada, de Fernando Namora, sob o pano de fundo da saga dos camponeses e pequenos contrabandistas da raia fronteiriça.
       Todos os símbolos elementares da sua relação patriarcal com a terra estão aqui representados: A laranjeira plantada no quintal, que um comerciante de palavra enviara pelo caminho-de-ferro. A seara familiar e o forno comunitário. A lenha roubada do pinhal do novo senhor e transportada furtivamente pela mulher, dona da casa e responsável pela alimária e pela criação doméstica. Relação patriarcal mas também anúncio do fim brutal de um período histórico, pressentido na violência crescente que percorre o diálogo entre o camponês e o feitor, cortado abruptamente com a morte a tiro do cão de guarda, alegoria da morte próxima de um mundo antigo que Ti Parra protagoniza. E se fecha no cruel assassinato do velho, enquanto liderava a reclamação dos direitos das suas gentes, aparvalhadas e indefesas, chicoteado até à morte quando pretendia suster o ataque dos mastins açulados pelo feitor.
Mas este protesto dos escritores, solidários com a terra e a vida dos camponeses, retratados como conservadores e agricultores da paisagem, atingiria um eco nacional, num outro romance. A obra de Aquilino Ribeiro, Quando os Lobos Uivam, partindo do conflito, gerado nos anos 50, entre a economia dos povos serranos e a florestação dos baldios para abastecer as novas indústrias das madeiras e da celulose, procedeu a um amplo confronto de posições, questionando os interesses em presença e colocando, no centro do debate, o impacto no ambiente rural do modo de produção do capitalismo contemporâneo. Assinalemos os dois momentos nucleares da confrontação. O primeiro, na Câmara, antes da revolta. E o segundo, já no Tribunal. Basta-nos seguir aquele para nos apercebermos da atualidade das questões.[89]
O Engenheiro Streit dos Serviços Florestais vem defender a superioridade técnica e económica do modelo de exploração florestal monoespecífica. Na segunda parte do seu discurso, utiliza mesmo argumentos de natureza ambientalista, acerca dos benefícios do regime hídrico.
Responde-lhe o advogado dos serranos, Dr. Rigoberto, contrapondo-lhe, em primeiro lugar, o valor da liberdade e do livre arbítrio das comunidades, contra a prepotência da burocracia centralizadora e dos seus títeres e, depois, o da racionalidade, ecologicamente sábia, do modo de produção camponês.
Neste discurso, ressaltam duas ideias novas: A proposta do governo rompe o equilíbrio da relação homem-ambiente; e ao provocar uma mudança global no ciclo de renovação da natureza impede o modo de vida dos serranos de se reproduzir pondo em causa a sua sobrevivência.
A resposta vem brutal e estranhamente familiar aos argumentos esgrimidos nos debates da questão ambiental:
”...O progresso não é um ferro de engomar. Alguma coisa vai cilindrando na sua marcha. Sempre assim foi. O comboio matou o almocreve; o automóvel está a matar o comboio; amanhã o automóvel, será vítima do avião. Entravar a renovação do mundo em nome de coisas que apenas têm de recomendável a poesia de que as cerca a madureza dos nossos hábitos não é de admitir...[90]
 Nada pode entravar o progresso e quem assim não pensa é “lírico“, "louco”! Rigoberto contra ataca, não apenas com a defesa de que o homem é o produto e o construtor sábio do meio, mas também com o argumento das "almas", do respeito pela dimensão espiritual, ética e moral, do ser humano. E a voz do camponês, João Rebordão, irrompe à coima do debate, como se viesse do fundo dos tempos medievais, com o preceito moral de que o direito à vida se sobrepõe a todos os direitos. É então que toma a palavra Manuel Louvadeus, o emigrante regressado do Brasil e do Mundo. A traço grosso, teoriza o que chamaríamos hoje como a defesa do biótopo serrano ou, até, do desenvolvimento sustentável, retoma o argumento da espiritualidade e trata a natureza como o espelho da alma, imagem das mais ricas e um dos temas mais fecundos da metafísica do cristianismo.[91] Encerra o confronto, de um lado, o argumento da moral cristã em favor da igualdade e do direito à revolta contra as leis antinaturais. E, do outro, a ameaça de retaliação pelo poder. O debate alonga-se no texto e o engenheiro Streit recorre ao argumento da rentabilidade económica, segundo a perspectiva de desenvolvimento tão cara ao neoliberalismo. Em vão lhe opõe Manuel Louvadeus o apelo humanista, usando o paralelo da colonização americana. E surge o paternalismo autoritário, concluído por uma frase lapidar:
Coitados dos serranos, defendem as suas conveniências! Tenho muita pena deles, mas nada posso fazer! Eu, no lugar deles, também não sei se me conformaria! Mas o interesse geral faz o Direito”![92]
Foram talvez longas as referências analíticas desta obra. E nenhuma ainda sobre a narrativa do julgamento, onde o confronto ideológico se prolonga e acentua. Mas porventura suficientemente reveladoras e perturbantes: É que hoje, sete décadas após e em plena vivência democrática, as questões em polémica parecem ser... as mesmas!
A Casa do Homem
É nesta paisagem humanizada, nestas orlas e clareiras dos bosques, nos vales abrigados das montanhas e estuários, que o homem português constrói (diversamente) os seus casais.
Vamos ao seu encontro, no ambiente das vilas rurais, com Fernando Namora.
“...A vila é uma rua. Vem do alto dos eucaliptos pedindo licença à planície para lhe interromper o sono, uma encruzilhada de estradas por onde corre o aceno de Espanha ou do mar e, bruscamente, num ímpeto de ousadia, trepa ao planalto, ao encontro de uma igreja que foi coito de moiros e abades, e ali se fica, arrogante, a desafiar o pasmo da campina. À volta da igreja, as casinhas brancas, com altas chaminés que lhes furam o dorso atarracado, fecham-se num reduto que a voracidade calma do trigo não consegue romper.”[93]
E é o ambiente do trabalho na terra e no mar que molda a diversidade do homem português, como a retratam os romances de Alves Redol. Na recensão de Joaquim Namorado sobre a obra de Redol, aquele crítico literário afirma:
“... é, sem dúvida, o mais largo fresco do homem e da vida portuguesa feito neste século. Entre os que do Alto Alentejo e da Beira Baixa descem às lezírias pelas mondas e ceifas, gaibéus lhes chamam, e os pescadores da Nazaré, de proas viradas, à muralha de morte e de tragédia que os separa de uma vida melhor, desenha-se o perfil vincado dos avieiros, que de Vieira de Leiria vão buscar ao Tejo um pão menos salgado de sofrimento, os fangueiros da Golegã, corpos de terra e olhos de água, os barqueiros do Douro, nos torvelinhos do rio e da vida, os vindimadores das suas margens; ribas em que o sangue e a carne dos homens realizam o milagre de colher o sol, os pequenos empregados, os estivadores, toda uma enorme multidão de homens, com a sua corte de miséria e grandezas, a massa de mil rostos em que a vida do Povo português se reflete e se exprime...” …como nos poemas de W. Whitman.[94] E é o presencista Miguel Torga, como podia ser Vitorino Nemésio, quem associa a imagem de Portugal ao berço.
 ”É mais um povo que pelos séculos dos séculos terá de arrastar um destino próprio, a fazer milagres da pobreza do chão, das vogais da língua, do lirismo da alma”.[95]
Vós virais os olhos para os matos e para o sertão? Para cá, para cá; para a cidade é que haveis de olhar. Cuidais que só os tapuias se comem uns aos outros; muito maior açougue é o de cá, muito mais se comem os brancos. Vedes vós todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes aquele concorrer às praças e cruzar as ruas? Vedes aquele subir e descer as calçadas, vedes aquele entrar e sair sem quietação nem sossego? Pois tudo aquilo é andarem buscando os homens como hão-de comer, e como se hão-de comer”.[96]

Há uma linha de continuidade na reflexão político-social, mas também no plano da metalinguagem, acerca dos valores simbólicos e dos significados dos conceitos de cidade e mundo urbano, não apenas por oposição ao mundo rural em desaparecimento, mas através da consciência de que a grande metrópole se torna no arquétipo de todas as contradições da civilização moderna, especialmente através do antiquíssimo símbolo do labirinto e das suas mitologias, antigas e modernas. Caos labiríntico, informação labiríntica, paradoxo do progresso e esmagamento da individualidade humana, tudo isto e muito mais a metrópole representa. Mas também existe uma contínua reflexão filosófica que atravessa o trabalho literário, desde o sermonário do padre António Vieira, que citámos em título, emerge nos autores de fim de século (XX) e se desenvolve, como veremos, ao longo de todo o período contemporâneo.
A consciência da desordem urbana nasce já com os poetas finisseculares.
Regressemos ao Cesário Verde, não só do Sentimento de Um Ocidental mas também do Bairro Moderno, Cristalizações, Milady...“ A espaços, iluminam-se os andares /E as tascas, os cafés,   as tendas, os estancos.”[97]A vida insalubre dos bairros populares e dos primitivos cortiços (ilhas) onde os fabricantes alojavam os seus operários, dramaticamente marcada pelos sinais da desigualdade social. “E eu sonho a Cólera, imagino a Febre,/Nesta acumulação de corpos enfezados…”[98]A paisagem urbana e os  registos de povoamento sobreposto, que na sua monotonia antinatural deprime o ser humano. “Eu temo que me avives/Uma paixão defunta”![99]
Olhemos de novo para a cidade de Lisboa, trinta anos depois, com Afonso Lopes Vieira. A mesma visão trágica e condoída do destino dos camponeses desenraizados e dos novos proletários, sobrevivendo miseravelmente nas periferias.
“…onde rebanhos lastimosos
encharcados em gafas,
vivem sem ar nem luz
nos imundos currais.”[100]
Dez anos após, o olhar de Sophia. A mesma consciência da destruição violenta e opressiva das relações de harmonia entre o homem e o meio natural e com a sua própria e primordial natureza.
“ CIDADE
(…) E eu estou em ti fechada e apenas vejo /Os muros e as paredes, e não vejo / Nem o crescer do mar, nem o mudar das luas.”[101]
E, nova década transcorrida, a visão de Régio: A cidade como barreira artificial entre o ser humano e a sua condição natural. A poluição atmosférica. “O céu parece um muro./No entanto amanheceu.”[102] Toda a vida natural silenciada no ambiente citadino, que nos sugere o título de Rachel Carson sobre a primavera silenciosa, sem aves, ”calou-se o rouxinol…” despojadas dos seus habitats ou mortas pelos agroquímicos… cidade sem rouxinóis, sem a música da natureza…[103]E são os versos premonitórios de José Régio, estávamos ainda em 1954 (!), que nos conduzem ao lado negro da cidade, metassímbolo do progresso, numa síntese admirável da crise labiríntica das urbes modernas. O tema é de novo Lisboa, mas podia ser o da história urbana de qualquer outra grande cidade contemporânea.
“ Nem flor; nem flébil folha, haste de arbusto;
Nem pio de ave, ou perpassar de inseto.
Chão! Cemitério reto:
Só cemitério, e abstrato e adusto”. [104]
O quadro realista da completa destruição do coberto vegetal e das sebes contínuas das hortas e quintas dos arredores, para dar lugar às novas urbanizações. Uma visão crua do aprisionamento do homem num meio antinatural. A multiplicação das formas de poluição e das agressões ambientais, das quais o homem é, afinal, a última vítima.
“ … Funcionam turbamultas automáticas,
Num delírio geométrico e gelado,
Por entre o caos regrado
Dos caixotões de linhas áticas“.[105]
Evocação da grande massa de cidadãos anónimos da cidade, que perdem a sua liberdade e dignidade, empurrados para um ciclo vicioso de trabalho insane, stress e labiríntica circulação, onde a vida rapidamente se esgota. Chegamos, quase nessa data, aos Paraísos Artificiais, de Jorge de Sena. A mesma cidade. Nos versos do poeta a crítica aos planos de urbanização que arrasam todas as manifestações da vida natural e à utilização perversa das modernas tecnologias”…Na minha terra, não há árvores nem flores./As flores, tão escassas, dos jardins mudam ao mês,/e a Câmara tem máquinas especialíssimas para/ [desenraizar as árvores”.[106] Mas também o acentuar de que a separação do homem da natureza, que é uma parte da sua ligação global à terra e à paisagem humanizada, acentua a fragilidade daqueles que na cidade têm por casa o pardieiro que, no campo, era o abrigo…dos animais (!), imagens apenas sugeridas, que os tempos eram de feroz censura e tão pouco os poetas estavam ao abrigo da repressão política.[107]
E terminamos, no lirismo amargo e na sátira de Alexandre O'Neill, cidadão da Lisboa atual. “…Dias do dia-a-dia /Comboios que trazem o sono a resmungar para o/trabalho.” A referência aos milhões de trabalhadores que a voragem produtiva das cidades engole e lentamente consome, operários de fábrica mas também empregados dos serviços, condenados ao desgaste de um dia a dia burocrático e repressivo. ”Não podias ficar nesta cadeira/onde passo o dia burocrático/o dia-a-dia da miséria.” O fluir mecânico da vida na cidade, percecionada como espaço concentracionário, rigorosamente vigiado e alienante.[108]
As condições de nascimento e evolução histórica das cidades, nas suas relações com o ambiente onde se inserem, estão concretamente presentes em inúmeras obras, a partir das quais outros escritores fizeram antologias muito ricas e diversas.[109] Desse vasto repositório, escolhemos um curto trecho de Vitorino Nemésio:
“As cidades dos Açores não foram urbes traçadas a rede de arado, nem empórios crescidos em embocaduras de rios férteis, nem aglomerados feitos em arraiais de feiras ou em grandes nós de comunicações terrestres naturais. De nove ilhas que conta o arquipélago só duas tiveram durante quatro séculos o timbre de cidade: a Terceira e S. Miguel. Angra e Ponta Delgada cresceram primeiro como fixadores de populações dotadas de maior área insular, e logo com chaves de situações geográficas mais acessíveis e demandadas.”[110]
As cidades têm Alma e é a escrita de Miguel Torga que nos revela as cambiantes das três grandes urbes do Portugal contemporâneo. Coimbra e o seu ambiente mediterrâneo, que, sob o impulso de novos produtos agrícolas trazidos pela expansão, como o milho, criou condições favoráveis à produção de excedentes agrícolas, utilizados para erguer os monumentos renascentistas e pagar o soldo dos artistas estrangeiros. Mas à escala da pobreza e da mediania cultural que marcaram os primeiros séculos da nossa nacionalidade e, em regra, a conduta das nossas classes dominantes e círculos do poder: com a expulsão dos judeus, a perseguição dos árabes, cristãos novos e estrangeirados e o mau governo das especiarias, do ouro e dos diamantes, deixando-nos quase sempre afastados ou em atraso face às grandes revoluções científicas, culturais, económicas e sociais da Europa.[111]
“…Nenhuma outra cidade como Coimbra testemunha tão completamente, na sua pobreza arquitetónica, na sua graça feita de remendos e pitoresco, nos seus recantos sujos e secretos, os limites da nossa capacidade criadora, a solidão da nossa alma, e o jeito camponês com que nascemos para tirar efeitos cénicos do próprio gesto de erguer uma videira…”[112]
O Porto, metaforicamente reduzido às duas faces da natureza humana, a imagem terrosa da nossa condição animal, capaz de tudo para sobreviver, mesmo de ingerir o mais repugnante manjar (as tripas) e o seu lado solar, que produziu a mais perfeita alquimia do engenho humano: o envelhecimento do “vinho fino” do Douro, que contém as cores das pedras preciosas, os aromas das madeiras nobres e das flores, o gosto dos frutos silvestres e das especiarias.
No plano social, a miséria degradante das ilhas operárias e os gestos heróicos da emancipação popular.[113] E, finalmente...Lisboa. Nascida do seu ambiente estuarino e estratificada por todos os grandes ciclos da história social que mudaram a sua paisagem e a terra portuguesa.
”…Narcisos que fomos também um dia, esperava-nos um destino igual ao do filho de Céfiso. Lisboa é essa flor em que o destino nos transformou; o Tejo, o rio onde nos perdemos a contemplar a própria imagem…”[114]

Como monumento de ironia ao consumidor padrão e ao efémero retorno ao campo do homem urbano, em excursão de fim-de-semana, escreveu Alexandre O'Neill um dos seus últimos poemas com endereço: “A UMA OLIVEIRA (…)/Ao som bárbaro de um rádio de pilhas,/desdobram toalhas/na tua sombra rala.”[115] Extremamente curiosa é a reflexão que Raul Proença desenvolve sobre o turismo e o lazer. Passemos além da sua notável descrição das regiões pitorescas e curiosidades monumentais, nas quais capta a diversidade da paisagem e da sua humanização.[116] Registemos a visão otimista que marca a época, onde os veículos eram escassos e circulavam à média de 40 km/h, no que respeita aos transportes motorizados, como grandes impulsionadores das viagens turísticas. Mas o que nos merece maior atenção é a sua perspectiva acerca do usufruto do céu e da praia, que, como veremos, se articula numa visão ambientalista do turismo, mesmo do turismo para as grandes massas. Antecipando a ideia chave das primeiras campanhas publicitárias do turismo, na década de 60, coloca em vez do “sol“ a luz do céu e descreve-o como «profundo, lustroso, azul de safira, de que só Portugal parece ter conservado o segredo» …”[117] Mas onde a sua visão crítica e premonitória se manifesta claramente, é quando analisa a “Época de Viajem”, produzindo “esclarecimentos práticos“ que conduzem à consciência de algumas práticas irracionais e anti ambientais que já na época marcavam a evolução do turismo e que, na atualidade, com a rarefação da camada do ozono, ganham permanente acuidade, face aos perigos inerentes à exposição prolongada à radiação UV. O programa alternativo que nos propõe é o do novíssimo turismo de natureza e cultural, e, sobretudo, do turismo que os abrange e transcende, o turismo ambiental, aquele que é suscetível de interpretar a paisagem humanizada e contribuir para a sua conservação e desenvolvimento sustentável. Em suma conclui:
Aconselhamos sem hesitar a Primavera para o Alentejo, e a Primavera e o Outono para o Minho. Mas para as viagens no Algarve, pronunciamo-nos decisivamente pelo Inverno…”[118]      
Prossigamos. Eduardo Prado Coelho, ao analisar o Delfim, procura estabelecer a dimensão simbólica deste título. Retenhamos, como linha de força interpretava, a relação de propriedade sobre a lagoa, área protegida por uma antiga tutela senhorial cobiçada pelos negócios do turismo, cujo arauto é o Regedor e comerciante do lugar. Se recorrermos à metodologia analítica preconizada pelo autor, encontraremos talvez um novo círculo interpretativo, aquele que equaciona o conflito entre a preservação da natureza e a sua utilização pelas novas indústrias do turismo, com destaque, no caso vertente, para o comércio e a caça massificados. Enquadra este problema a visão do tempo atual protagonizada pelo engenheiro proprietário-herdeiro da lagoa. «Positivamente», disse-me uma vez Tomás Manuel. «Cada tempo tem um preço.» Via as florestas trituradas pelas fábricas de celulose (ele próprio trabalhava numa, e que remédio); via a caça a desaparecer («não tarda muito, só nos restam perdizes de aviário e coelhos enlatados», ameaçava); nas vilas do interior surgiam snack-bars («manjedouras», chamava-lhes ele) onde o sincero e palpável linho ia sendo substituído por guardanapos de papel («papel higiénico para limpar o olho da boca»); via na Gafeira os filhos dos emigrantes passeando transistors «garrafões de música») - via isto e não criava ilusões…”[119]       
E a perspectiva do autor, que se assume também como testemunha de um tempo de trágica transição. O advento no nosso país de um modelo de desenvolvimento turístico insustentável, que a ironia de Cardoso Pires fustiga, completado pelo quadro simbólico e infernal do massacre das aves.[120] Fechando os círculos interpretativos: o acesso livre à Lagoa como arquétipo da desvinculação da propriedade do Antigo Regime e a sua transformação em mercadoria de compra e venda, num contexto sociopolítico que anacronicamente a conservou até à atualidade.[121]  
Passemos a Ruy Belo. É a saudade da infância vivida em contacto com a natureza despoluída, um tempo ainda não detergente, na aldeia simbolizada pela torre do relógio e pelo espaço do pátio, entre a andorinha e a nespereira e a nostalgia de um presente envolto na angústia de amores e rostos familiares que passam sem deixar marca  na  cidade solidão e morrem novos num país opressivo, quem dão o mote e justificam o sentido do seu poema Odeio Este tempo Detergente.[122] Vejamos os primeiros versos. “(…)um tempo português que até utilizou/os primeiros acordes da quinta sinfonia de Beethoven/como indicativo da voz do ocidente…”[123] No início, a alusão direta à propaganda política que não tinha escrúpulo em manipular obras e autores ao serviço dos seus fins. No segundo grupo de versos, um jogo conotativo de alegorias que nos evocam a utilização publicitária da imagem da mulher e a subversão do objecto cultural pela sua mercantilização.“ (…) De uma poesia que discreta até se erótica antigamente/hoje se prostitui numa publicidade…”[124] Avancemos, finalmente, para o meio do poema, retrato de um país oprimido e sem horizontes. “ (…) maneira triste de ser ibérica onde/da terra emerge o homem que depois o rosto nela imerge…”[125] Deste modo, a massificação consumista e a agressão publicitária começam nos anos 60 a ser percecionados pelos antigos e novos escritores, merecendo de Fernando Namora um livro de retorno à poesia, com o título sugestivo de Marketing. E aquela perceção assume desde logo uma consciência de que o consumismo vinha trazer novos e graves problemas éticos.
 No início da década, e tendo Paris como lugar de nascimento do poema, escrevia José Fernandes Fafe.
         Réplica Ao Epigrama de Schiller
                     «Dignidade do Homem»
         O EPIGRAMA

         Não me falem mais disso, por favor!
         Dai-lhe de comer, dai-lhe onde morar, dai-lhe de vestir
         _ e a dignidade, essa, virá por si.
        
         A RÉPLICA

         Deram-lhe de comer
         (As grandes telas fauves das charcuteries! )

         Deram-lhe onde morar
         ( E não só onde morar: televisões e frigoríficos… )

         Deram-lhe de vestir
         (Os nylons, as peliças, a indiferença…)

         E a dignidade, essa,
         continua habitando
         os que lutam por ela.”[126]
As crónicas de Maria Judite de Carvalho colocam-nos face a face com a engrenagem consumista onde em vão nos debatemos. A urbanização já não é apenas antinatural, mas espaço concentracionário: ”Era um tempo de …água fresca (não gelada), nesga de terra que às vezes era nossa. Aqui, agora, não possuímos nada. Tudo é alugado a alguém ou pago a prestações”.[127] E é Miguel Torga, testemunha crítica dos excessos turísticos da década de 80, quem escreve no seu Diário de 28 de Agosto de 1980, que a Madeira que ele ama é aquela:” Que se não deixou corromper por nenhum turismo, que se mantém ciclópica, abissal, rebeldemente estéril e inacessível. “Veremos mais adiante como a crítica ao consumismo alienante atinge a sua plena expressão na obra de Armando Silva Carvalho.[128]

Vimos emergir no início dos anos quarenta um conjunto de obras que defendiam o mundo rural, na sua ancestral biodiversidade, das destruições provocadas pelo avanço do capitalismo nos campos. Num romance contemporâneo,  A Nau de Quixibá, de Alexandre Pinheiro Torres, um dos personagens antecipa igualmente a emergência da segunda vaga de plantações monoespecíficas, que nos anos 80 atingiu a paisagem portuguesa, deixando-nos uma curiosa observação acerca do modo como evoluiu a nossa floresta endógena.
...olhou a nossa nau…Imagina: uma madeira escolhida só de árvores centenárias.[129] Como um vinho amadurecido no casco. Não temos em Portugal carvalhos que se comparem. Os alvarinhos e azinheiros que havia em terras da nossa família em Braga só davam bolotada. Há ainda a carrasqueira das Beiras e raríssimos robles. Um cercal aqui e acolá, e pronto!, é tudo. Estamos no século das velocidades: eucaliptos. Se ninguém tem paciência para um sardão muito menos para um robledo. Diz-me se sabes onde encontrar hoje no nosso país um bom carvalho de Riga. Diz-me o que é feito do pinho de Alcácer, da madeira de cerne, que não há água que apodreça…”[130]
A desflorestação das florestas tropicais e consequente desertificação, no Índico ou nas ilhas atlânticas constituem temas centrais de escritores luso cabo-verdianos ou timorenses, de que evidenciaremos Manuel Lopes, Baltazar Lopes e Rui Cinnatti. Deste último autor selecionámos um longo extrato de Notas Aproximativas ao livro Paisagens Timorenses Com Vultos, pelo que representa enquanto testemunho cívico e científico, escritas para comentar o poema Parâmetro Ecológico.[131] Vejamos primeiro um curto excerto do poema.
(…)
“Onde passei havia florestas
há tantos anos…
Hoje, a paisagem é um deserto
de caules nus.”[132]
E agora o comentário, começando pela referência à arvore que surge, simbolicamente, nos versos.…
”A podocarpácea mencionada corresponde à espécie Podocarpus imbricata BI., Ai-Amal, em tétum. Encontrei-a pela primeira vez em 1947 nas vertentes do monte Boicau, sobre elevado a 2100 m,  na cordilheira de Matebian, e, pouco mais tarde, no Mundo Perdido, a 1500 m. É dominante na floresta de chuva da montanha constituída por razoável acervo de fanerogâmicas (dicotiledóneas, principalmente) e de criptogâmicas (fetos arbóreos, licopódios, musgos, líquenes e fungos), mas aparece, por vezes, sob a forma gregária, em povoamentos quase puros…”[133]
Para concluir com o comentário crítico, do qual transcrevemos a nota inicial denominada
“PARÂMETRO ECOLÓGICO. Assunto que não poucas vezes tenho anunciado, debatido, proclamado e insistido, com persistência esclarecida e esclarecedora, que só encontra resistência na ignorância e/ou inépcia de quantos, com uma honrosa exceção e outros quase, governaram Timor desde 1916 até à data, ou, de Lisboa, lhes marcaram diretrizes. E nem a visão objetiva de um Timor destruído cobra razão sobre a cegueira do interesse, do imediatismo e do «passados quatro ou oito anos, os Timorenses que morram à fome, pois eu já não estarei cá para os ver morrer.» A verdade é que ainda não me cansei de proclamar publicamente que em Timor A ÁRVORE É GARANTIA DO PÃO”.[134]
O trágico resultado da desflorestação nas ilhas de Cabo Verde, agravado pelo regime de ventos secos de nordeste que varrem a monção para o mar, encontra expressão dramática nos Flagelados do Vento Leste como se fora o tríptico de um impressionante retábulo, consagrado ao sofrimento do homem e da terra:
Não há tempo para aquelas chuvas mansas, penetrantes, cujas águas se entranham profundamente na terra e aí se conservam por longo tempo, e se acumulam no interior das montanhas, enfartam os depósitos de subsolo…As precipitações são violentas, a chuva cai às bátegas, são baldes que os anjos despejam à pressa…as enxurradas abrem fendas, arrastam a terra vermelha nas vertentes, as ribeiras derramam no oceano o sangue rico da terra. Dos desmoronamentos só ossos ficam nos caminhos; o resto é devorado pelo mar, que envolve as ilhas de larga faixa cor de barro, como sinal derradeiro de uma carnificina sangrenta. O lento naufrágio da carne viva das ilhas é o preço da generosidade do Céu…”[135]
Mas voltemos a Alexandre Pinheiro Torres e à Nau  para exemplificar também a exaltação emocional (“…injetar a natureza dentro de mim”) da biodiversidade das florestas tropicais, que o autor nos oferece em quadros impressionistas, com o recurso abundante a metáforas sinestésicas e saborosas onomatopeias:
“…Havia um aroma intenso de baunilha no ar e enormes licopódios oscilavam lentos como ondas de rebentação…”[136];“…A cegonha faz carque…o cortiçol faz colquiveine…”[137];…as árvores entram-nos dentro de casa por meio dos sons das aves que nelas poisam…”[138]
Página: 88
Os poemas do livro Paisagens Timorenses com Vultos remontam a 1947 e estendem-se por três décadas, até 1972, sendo as Notas datadas de 1973. Que estranho sortilégio tornou possível, quase simultaneamente e há mais de 50 anos, que dois poetas de língua portuguesa, Sebastião da Gama (o poeta da Arrábida) e Rui Cinatti (o poeta de Timor), erguessem em uníssono a sua voz em defesa da floresta mediterrânea e das florestas tropicais de chuva, num mundo de governantes cegos? [139]


O tempo é a 4ª dimensão do ser humano, que nele vive numa tripla perspectiva: passado, presente e futuro. E, simultaneamente, desenrola o tempo em três planos da vida: Interior, um tempo biológico. Exterior, um tempo astral. E um tempo Histórico. As ciências médicas modernas concluíram que não há nenhuma doença chamada envelhecimento, mas sim lesões residuais que se inscrevem num programa genético potencialmente de maior ou menor longevidade. Já não faz qualquer sentido dividir a vida por períodos fixos. Acresce que o cérebro humano, cortical, mas também reptilínio e límbio como os animais, é a última parte a envelhecer e dele depende o envelhecimento orgânico, tal como a vitória da razão sobre a emoção e o instinto, ou, se quisermos, a sua harmonia superior.
 O envelhecimento é uma realidade biológica, mas a velhice uma realidade humana e social. O envelhecimento potencial depende de fatores genéticos e ecológicos, que podem estender a existência humana a parâmetros entre os 115 e os 150 anos. Como o abutre. Três vezes a idade do chimpanzé. Um pouco menos que a tartaruga.
O envelhecimento diferencial revela-nos a mulher como mais resistente que o homem, porque possuidora de maior carga cromossomática e menos desgastada pelas agressões ambientais. Ensina-nos também que no mesmo corpo humano os órgãos têm diferentes idades e um coração juvenil pode bater nas arcadas centenárias dos aldeões dos Cárpatos.
O envelhecimento médio depende, sobretudo, de fatores sociopolíticos: O Norte vive mais que o Sul. A cidade que o campo. O trabalhador de colarinho branco mais que o operário…
Então, o envelhecimento não é uma patologia, mas uma maior vulnerabilidade às enfermidades e uma acumulação estatística de lesões patológicas residuais, que progridem com o tempo e a usura, e que são consequências das doenças e agressões da civilização.
E a velhice é uma realidade humana e um estatuto social. Marcado, na cultura ocidental, pela desparticipação social, estigmatizado pelo afastamento do trabalho, pelos preconceitos para com a 4ª idade, traduzidos nas ideias feitas de que os velhos são naturalmente conservadores, renunciaram ao amor e à família, ao progresso e ao prazer, à cidadania.
Sobre tudo isto escreveu, solitário, Almerindo Lessa, em textos esparsos de ensaio científico, filosófico e poético.[140]
A estrutura do trabalho, escasso e não repartido, acompanhado por um desemprego crónico que alastra, as construções de objetos técnicos não ergonómicos, funcionado como barreiras arquitetónicas, o desaparecimento e dispersão da família plurigeracional, o desenraizamento dos idosos face às suas comunidades de origem, família e trabalho, a oferta escassa na velhice de meios de integração na vida activa, cultural, associativa e económica, eis um quadro problemático inseparável da necessidade de uma profunda reforma ou revolução, a qual, diríamos agora, deve ser social … e ambiental!
Confrontemos, finalmente, um dos objetivos da Organização Mundial de Saúde para a velhice, com as políticas sociais contemporâneas.[141]  
Para que a condição destes jovens e destes velhos, que alguns de nós já fomos ou seremos um dia, seja do conhecimento e da responsabilidade de todos, sobretudo daqueles, diversamente felizes e protegidos, que percorremos com eles os ciclos naturais da vida e da morte,“…que é de todos e virá!” Jorge de Sena), os nossos escritores deixaram-nos uma extensa e terrível galeria de tipos e quadros humanos, como testemunho do problema, na sua dimensão social e ambiental, de inquietante atualidade.
Escolhemos quatro quadros para os representar.
A agonia de José da Cruz e Joaninha, Flagelados do Vento Leste.
A desflorestação como primeira causa da desertificação e da fome, no quadro das economias coloniais orientadas para o lucro imediato, emerge das obras de Rui Cinnati, de Baltazar Lopes e Manuel Lopes. Nos Flagelados do Vento Leste “, deste último, somos testemunhas do drama da seca e do seu desenlace mortal nas personagens do velho camponês José da Cruz e da pequena Joaninha.
“…Enroscou-se nos ossinhos das canelas, a cabeça entre os joelhos, espiando as pedrinhas do chão.
- Vamos, Joaninha. Dá-me a mão. Faz um esforço... João Felícia levantou os olhos, divagou-os à roda, como se esperasse um socorro...”[142]
A morte de José da Cruz.
“…José da Cruz abraçou-se ao tronco da árvore.  Uma grande nuvem negra abafou o Sol.  As montanhas, de repente, desabaram. Todas as luzes se apagaram e as trevas envolveram a Ilha.  E quando a árvore tombou e o tronco se desfez na escuridão, José da Cruz caiu desamparado...”[143]
O operário suicida de Engrenagem
A tragédia de Gregório, oficial veterano, desempregado depois do fogo consumir a sua oficina, recusado pelas novas indústrias, velho demais para aguentar o maço de britador das estradas, sem recursos para pagar o alojamento...
“…Gregório levantou-se com lentidão, mas resoluto. Esticou a corda. Deu-lhe um nó corredio...E de madrugada, quando os pássaros chilreavam ao regresso do sol, o corpo do velho bamboleava ainda, pendente da corda, devagar, cada vez mais devagar...” [144]
O bando do Gineto dos Esteiros
Filhos dos homens que nunca foram meninos: João, o Gaitinhas, tocador de realejo que queria estudar música, de corpo franzino, filho de um exilado político, obrigado a deixar a escola, depois órfão e mendigo; Maquineta, engenhoso criador de brinquedos e máquinas de madeira, sem lugar numa escola que desvalorizava o trabalho manual; Malesso, pequeno jornaleiro que sonha com touros e lavouras, afogado pelas cheias do Tejo nos barracões que serviam de abrigo e caixão à malta assalariada; Saguí, criado ao deus-dará; Guedelhas, o da bola de trapos; Coca, minado pelo raquitismo... e o seu chefe
”...escorraçado e perseguido como um gineto - Gineto de nome e condição. Garoto da rua que se perdera das ruas e não chegara a ser homem, porque fugira dos homens…”[145]
O velho emigrante, da obra homónima de Ferreira de Castro.
Manuel da Bouça, emigrante que o Brasil não enriqueceu e, no retorno efémero à sua terra natal, esconde a sua pobreza, e parte de novo, com o remorso das perdas irreparáveis.
“…pousou os olhos sobre a campa da mulher, murmurando:
- Amélia…Trabalhei tantos anos, tantos!! E nem roubando um morto arranjei dinheiro para comprar a tua cova!…” [146]

1.11. A dimensão político-social da questão ambiental.                                                          
                                          
Retomemos agora a referência à obra de Dubos e Ward de 1972, que está na base do Relatório Final da Conferência de Estocolmo sobre o Ambiente, promovida pelas nações unidas em 1972. Nela encontramos também, a par da análise da questão ambiental no plano da ciência, a denúncia da miséria que devasta o mundo como “...a pior das poluições”. Ora, já vimos como os nossos escritores se posicionam claramente contra o atraso e a opressão sociais, nas difíceis condições do regime fascista e como eles pugnaram pelo desenvolvimento equilibrado e sustentado, a favor dos direitos democráticos de escolarização, cuidados de saúde e benefícios universais do progresso científico, tal como os autores do Relatório o fizeram e, em paralelo com eles, abordaram frontalmente as causas da sujeição dos países do Sul aos do Norte.
Os conceitos de progresso e desenvolvimento, inicialmente identificados pela ideologia do mercado capitalista como uma e a mesma coisa, foram objeto, desde o início do século, de uma complexa avaliação pela ciência interdisciplinar, pela filosofia e pela literatura, assumindo uma conotação de angústia existencial, de elogio futurista ou de confiança na sua humanização, originando, na peculiar perspectiva ambientalista, a oposição categorial entre crescimento e progresso, e, depois, entre desenvolvimento sustentável e desenvolvimento insustentável. Veremos, depois de Cesário, Eça, Pascoaes e seus contemporâneos, como evoluiu na nossa literatura aquela oposição, tomando agora como referencia a obra de Fernando Pessoa e os seus heterónimos, a atenção centrada em Álvaro de Campos e na sua Ode Triunfal.     
O violento e brutal elogio do “progresso“ não esconde, revela, despojado de eufemismos e de forma pungente, por dentro do próprio “discurso cínico“ do engenheiro naval, todo o cortejo de miséria social engendrado por um sistema irracional. Nesse plano, o texto poético funciona como revelação, como desnudar da realidade e autodenúncia hiperbólica dos partidários deste modelo de desenvolvimento.“...A gentalha que anda pelos andaimes e que vai para casa/Por vielas quase irreais de estreiteza e podridão...”[147] De facto, não é pelo deslumbramento que o engenheiro naval escreve, mas de febre. Atentemos, por exemplo, no começo do poema.
“... A dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto.
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos...”[148]
O adjetivo dolorosa não evoca o substantivo luz, por ele qualificado, mas a dor dos que trabalham na fábrica. É também por hipálage que podemos entender o significado deste “Ranger de Dentes,” como reminiscência do conflito moral em que está o poeta, “fingidor“ de engenheiro impiedoso mas homem profundamente perturbado, febril, perante a monstruosidade social gerada por uma certa visão do progresso. Julgo que é neste sentido que deve ser interpretada a controversa e inovadora análise de Eduardo Lourenço acerca do “Modernismo“ de Álvaro de Campos.“
“…o Modernismo de Pessoa não foi e não será nunca apologia e delírio da quotidaneidade presente e suas fulgurações, mera apologia do novo, mas consciência das insolúveis contradições do mundo moderno e da mesma Modernidade, porventura até, rejeição do seu próprio espírito.”[149]
Esta perspectiva afasta-se do lugar-comum da análise dos versos do Ultimatum de Álvaro de Campos, interpretados linearmente como afins do Ultimatum futurista às Gerações portuguesas do séc. XX, de Almada, e avaliados como panegírico de exaltação dos avanços tecnológicos da sociedade contemporânea.
Para que não restem dúvidas, o notável ensaísta sublinha no mesmo trabalho:“…este texto (o Ultimatum de Almada) é a antítese absoluta do espírito que informa o Ultimatum de Álvaro de Campos…”[150] Naturalmente e, por absurdo, esta postura não faz do heterónimo de Fernando Pessoa um apóstolo socialista. A palavra de novo a Eduardo Lourenço.
“ Para a Geração de 70, Portugal só podia esperar a redenção de uma catástrofe regeneradora, de um qualquer apocalipse histórico ou sabre providencial. Para Pessoa é puro futuro, manhã a amanhecer, vinda próxima do Encoberto, Cristo sem cristianismo, fraternitates rosea crucis, quer dizer, invenção de uma fraternidade de alma de que a divisão das nações e dos impérios reais, triunfo da “Ordem,“ é a contrafação incurável e demoníaca.”[151]
Também Óscar Lopes, ao comparar o Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do séc. XX, de Almada Negreiros, com o Ultimatum de Álvaro de Campos, traça a sua nítida diferença. Sigamos este autor: Ao contrário e em relação com a obra homónima de Almada, “Os seus tópicos centrais são a exaltação da guerra e de um novo patriotismo anti saudosista, antidemocrático, baseado na concorrência técnica e vital entre os povos.”[152] Para mais adiante anotar a dissolução progressiva do Super-eu transmutado no poeta da Noite-maternal, Noite Ísis, a Noite-Morte (Dois excertos de Odes, Passagem das Horas), enredado nos sentimentos contrários do sado masoquismo da Ode Marítima e, na fase final dos poemas, a partir de 1917, na frustração e no cansaço mortais.
Vale a pena percorrer os estados de alma da Ode Marítima, antes e depois da orgia de sensações violentas e dolorosas que constituem o corpo central do seu discurso poético. A princípio, a emoção da viagem para o desconhecido, aventura de cada homem e nação no seu percurso de existência, arquétipo da origem da vida…”todo o cais é uma saudade de pedra”.[153] Depois da embriaguez dos sentidos…” esgotou-se-me a alma, ficou só um eco dentro de mim”;[154] vem a nostalgia da infância perdida: “Não poder viajar para o passado, para aquela casa e/aquela afeição,/E ficar lá sempre, sempre criança e sempre contente”![155] E, finalmente, o enfrentar da realidade e o elogio do mundo novo, da poesia que a era das máquinas veio trazer para as almas e da função ecuménica do mercado mundial:[156] “…Grandes hotéis do Infinito, oh transatlânticos meus!/Com o cosmopolitismo perfeito e total de nunca pararem/   num ponto/E conterem todas as espécies de trajes, de caras, de raças!”[157] Ideia singular, que “finge” desconhecer o lado negro da civilização quotidiana, revelada pela Ode Triunfal, visão dum mundo convenientemente ordenado pela boa consciência burguesa: ”A vida é isto”…[158] Mas a realidade da condição humana não o é, e, quando a última ilusão, a imagem longínqua do navio, se transforma em”…um ponto vago no horizonte (ó minha angústia!), /ponto cada vez mais vago no horizonte…”O que fica depois da viagem que simboliza a própria vida “…é só eu e a minha tristeza…o Nada,” como consciência poética…”silêncio comovido da minha alma” gravado no texto pelas imagens que persistirão da “…cidade agora cheia de sol” e do…” giro lento do guindaste”, enquanto o meu tempo acaba…”hora real e nua.”[159] Eis o que resta depois de sublimado o paroxismo triunfante: a angústia existencial face ao mundo moderno!
Outra foi a leitura de Walt Whitman e do seu pioneiro modernismo num poeta como Casimiro de Brito. Dando um salto cronológico, passemos à leitura da Simulação do Homem Moderno.[160]
“The Modern Man I sing
                                 Walt Whitman
        
         Ei-lo, moreno, vertical _
         …. Contra o terror
palpável; contra o bolor
envolvente. As mãos deste homem
eu canto: instrumentos dispersos no ofício
da morte e da paz. Canto a imagem oblíqua
de um cordão de homens
em sua fecundíssima comunhão_ essa imagem,
a do homem essencial
diante do labirinto,
eu canto: a terra interior fraterna
que não descobri ainda. Acaso terei Tempo
e Mundo?”
1.12. Conclusões: A génese da moderna consciência ambiental

Começámos por denominar o objeto do ensaio como O Contributo dos Poetas e Prosadores para a Génese da Moderna Consciência Ambientalista em Portugal e terminámos modificando o título para O Contributo dos Poetas e Prosadores Portugueses para a Génese da Moderna Consciência Ambiental, o seu título atual.
Não se trata de uma alteração de pormenor sem significado, antes o reconhecimento, sem diletantismo nacionalista, de que essa contribuição, porventura modesta à escala planetária, tem contudo um valor universal. Na verdade, julgo termos começado a demonstrar que muito antes da generalidade dos políticos, dos cientistas e das próprias organizações ambientalistas, em paralelo ou antecedendo as descobertas dos primeiros investigadores e dos pioneiros da causa ambiental, conotados geralmente com a cultura dos países ricos da Europa e da América, os escritores portugueses trouxeram também eles para os seus textos a questão ambiental, dela extraindo todas as consequências enquanto crise multilateral da nossa civilização, no plano cultural, económico, político, social e ético.
Num mercado mundial da cultura e informação globalizadas e monopolizadas, a dimensão cultural do nosso país e a inexistência de um trabalho sistemático de investigação, neste domínio, constituem razões suficientes para que aquele contributo continue a ser praticamente desconhecido. Mas a verdade é que, por toda a parte, a par das obras de autores consagrados pelos seus trabalhos diretamente ligados às áreas científicas e técnicas do ambiente, os simples cidadãos, as associações ambientalistas e a opinião pública, começam a descobrir e a rever-se na obra filosófica, política, educativa, etc., de outras personalidades, que não partindo das ciências da Terra e da Vida, chegaram à questão ambiental por ínvios e inesperados caminhos, que se diz serem os da própria sabedoria divina.
E nenhuma cultura pode hoje ser rotulada de menor ou inferior. É que, se o emergir da consciência cívica ambiental depende da promoção da educação ambiental no sistema educativo e na comunidade, do aprofundamento da democracia participada pelos cidadãos e da abertura da comunicação social às mensagens que transporta, a sua génese, por ser produto de todos esses diversos e singulares contributos, não é propriedade de ninguém em particular.
Neste contexto, tomámos como referência analítica desta Parte II a obra de Konrad Lorenz, ao enfatizar a importância da razão e da ética social, no seu papel de controlar o instinto animal. Evoquemos agora o pensamento de Lévi-Strauss, assinalando, previamente, as diferentes perspectivas sobre a relação entre natureza e cultura que os diferenciam, situada numa linha de continuidade, para o primeiro e de rotura, na ótica do segundo. Mas é a sua complementar contribuição para a crítica do antropocentrismo ocidental e eurocêntrico que nos interessa aqui ressaltar, em confronto com a visão característica dos nossos escritores.
Reconhecendo os contributos da Biologia para a compreensão dos processos de evolução das culturas, Lévi Strauss introduz os conceitos de árvore e de trama para visualizar a diversidade dos seus caminhos de evolução e desmistificar os conceitos de culturas superiores e inferiores, demonstrando que elas correspondem apenas a diferentes conceções do mundo e das relações do homem com a natureza, que se traduzem, em muitas das culturas indígenas, em práticas e valores que as modernas ciências do ambiente e as éticas ambientais identificam como justas e suscetíveis de servir de paradigma para o tratamento das doenças da nossa civilização. É da ordem desta grandeza o contributo dos nossos escritores.[161]
A visibilidade da questão ambiental, que passou do domínio dos cientistas, dos filósofos e criadores literários para a opinião pública, a sua peculiar visão sistémica da paisagem humanizada, da relação homem-natureza, conduziria ao questionar do nosso modo de produção social, das suas estruturas económicas, sociais, políticas e ideológicas e à elevação da controvérsia filosófica ao domínio ético. Vamos procurar seguir a nossa investigação a partir do surgimento, à escala universal, de novos factores de crise do ambiente, nomeadamente a poluição e a guerra, que vieram colocar em debate a questão crucial: crescimento ou desenvolvimento sustentável? Deixaremos para o último capítulo a reflexão sobre a nova ética ambiental, confrontando ali a obra dos nossos escritores com os escritos ambientalistas que constituem referência internacional.






[1] Teixeira de Pascoaes,  Arte de Ser Português, prefácio, pág. 5, 1915.
[2] Aquilino Ribeiro, O Romance da Raposa, 1924, pág. 171.
[3] Konrad Lorenz, da obra  A Agressão, no capítulo Sermão de Humildade, pág. 239.
[4] Ibid..
[5] Pedro Calafate, na obra  A Ideia de Natureza no Século XVIII, assinala a existência de uma tradição secular na cultura portuguesa de reflexão filosófica e expressão artística valorativas da natureza, que define assim: ”A tradicional oposição cidade/campo, que se vinha formulando desde o Renascimento, encontrara expressões bastante felizes na nossa literatura, nomeadamente em Sá de Miranda, sendo agora prolongada em novos contextos, pois que se intensificará, em alguns espíritos mais sensíveis, a fadiga existencial perante uma sociedade cada vez mais submetida ao império do artifício, da aparência, da inauticidade e da intriga”…“Se a cidade representa, tradicionalmente, a passagem da natureza à cultura, a cultura da cidade começara a ser entendida como responsável por uma desnaturalização do homem, por isso que o indivíduo se distanciava, progressivamente, dos  seus ritmos vitais.” Ob. Citada, pág. 141.
[6]  Padre António Vieira, Sermão de Santo António aos Peixes: ”Mas, para que conheçais onde chega a vossa crueldade, considerais peixes, que também os homens se comem vivos, assim como vós.”Pág. 34. Ramalho Ortigão, O Mar, in As Praias de Portugal-Guia do Banhista e do Viajante.
[7] Recreações Botânicas, pág. 27, em Obras Poéticas, Tomo IV.
[8] Citado por Fernando Catroga e Paulo Archer de Carvalho, no manual  Sociedade e Cultura Portuguesa II  da Universidade Aberta, 1996. A influência do fisiocratismo, de Adam Smith na Inglaterra a Thomas Jefferson nos EUA, do seu ideário económico, político e filosófico, é notória no pensamento da época e também na reflexão dos nossos liberais oitocentistas. Veja-se, sobre o tema, a obra de Viriato Soromenho Marques, Regressar à Terra, particularmente a síntese do pensamento político de Jefferson, no que respeita à propriedade da terra, pág. 189.
[9] Vejamos a obra citada:  É esta uma ideia predileta dos liberais de 1833, Herculano à cabeça. Acreditava-se que a única riqueza provém da terra fecundada pelo trabalho e receitava-se como remédio para a penúria nacional, o arroteamento dos baldios, o melhoramento dos processos de lavoura e o desenvolvimento das indústrias dependentes da agricultura. A. José Saraiva, Para a História da Cultura em Portugal, Vol. II, parte II, pág. 67.
[10] Retirada do dossier pedagógico organizado pela Drª Adília Alarcão para a Ação de Formação Contínua de Professores denominada Testemunhos Materiais da História, em 1996, sem menção da obra citada, guardado no arquivo do CEFOP. Conimbriga.
[11] António Nobre, , pág. 93, 1892.
[12] Ibid. pág. 93.
[13] Ibid.
[14]  Teixeira de Pascoaes,  A Arte de Ser Português, prefácio, pág. 5, 1915.
[15]  “I believe a leaf of grass is no less than the journey-work of the stars,/ And the pismire is equally perfect, and a grain of sand, and the egg of the / wren/ And the tree-road is a chef-d’oeuvre for the highest/ And the running blackberry would adorn the parlors of the heaven,/ And the narrowest hinge in my hand puts to scorn all machinery,/ And the crow crunching with depress’d head surpasses any statue,/ And a mouse is miracle enough to stagger sextillions of infidels./ I find I incorporate gneiss, coal, long–threaded moss, fruits, grains, esculent/ roots./ And am stucco’d with quadrupeds and birds all over,/ And have distanced what is behind me for good reasons,/ But call any thing back again when I desire it. ”Walt Whitman, Canto de Mim Mesmo, Edição Bilingue, pág. 77, 1855.
[16] De ora em diante utilizaremos apenas o conceito de “paisagem”, entendido como quadro natural humanizado pelo esforço (o trabalho) humano, entendida filosoficamente como paisagem cultural, na interação do homem com a restante natureza .
[17] Frederico Nietzsche, Prefácio a Richard Wagner, da obra O Nascimento da Tragédia, escrito em 1871, pág. 22.
[18] Ver as obras de Aquilino Ribeiro: Andam Faunos Pelos Bosques, São Bonaboião, Anacoreta e Mártir, Terras do Demo, Volfrâmio e Uma Luz ao Longe e a nossa análise do romance Quando os Lobos Uivam, pps. 52 e 53.
[19]  O Livro de Cesário Verde, pág. 111, 1873.
[20]  Óscar Lopes, Entre Fialho e Nemésio, pág. 471.
[21]  Ibid. pág. 465.
[22]  O Livro de Cesário Verde, pág. 113.
[23]  Mário de Sá Carneiro, Obra Completa, prefácio de António Quadros, pps. 89 e 90.
[24] Ibid., o poema Quase, de 1913 e da obra Últimos Poemas, os versos Fim, 1916.
[25] Frederico Schiller, Textos Sobre o Sublime, o Belo e o Trágico.” A primeira lei da arte trágica era a representação da natureza sofredora. A segunda é a representação da resistência moral ao sofrimento. ”Mas a terceira exigência prescrevia que o herói se mostrasse como um ente civilizado”. Pág. 167.
[26] Eduardo Lourenço. Dois Fins de Século, Comunicação apresentada no XIII Encontro de Professores Universitários Brasileiros da Literatura Portuguesa   UFRJ - Rio de Janeiro- Julho-Agosto-1990. Inserido na obra O Canto do Signo, Existência e Literatura, pps. 320 e 321.
[27] O Livro de Cesário Verde, pág. 131.
[28] Ibid. pág. 24.
[29] Camilo Pessanha, Clepsydra, pág. 75, versos de abertura do poema, acompanhados da nota: Intitula-se Inscrição em A, B, C, D.
[30] António Falcão Rodrigues de Oliveira , O Simbolismo de Camilo Pessanha, pág. 101.
[31] Demarcando-se de Schopenhauer, na obra O Nascimento da Tragédia, cita da obra Mundo como Vontade e Representação, II, um pensamento chave schopenauriano: “ «...O que dá a tudo o que é trágico o particular impulso de elevação...é o desabrochar do reconhecimento de que o mundo, a vida, não pode dar nenhuma verdadeira satisfação, logo que não vale a nossa dependência: nisso consiste o espírito trágico_ ele conduz portanto à resignação”. Ver a obra citada de Nietzsche, pág. 16.
[32] Sobre ela escreveu Maria das Graças Moreiras de Sá:… “A Cidade e as Serras de Eça de Queiroz é o testemunho queirosiano-embora tardio-dos malefícios do excesso de civilização ou, talvez melhor, de uma sobrevalorização dos valores nele implicados; a figura de Jacinto subjaz a caricatura do homem supercivilizado, quase artificial , enclausurado no «202», autêntica torre de inventos resultantes do progresso tecnológico do século XIX; inventos estes voltados agora contra o seu criador, levando-o ao tédio e ao vazio irremediáveis. Só o regresso à Natureza, que as serras simbolizam, pode fazer renascer o Homem que existe em Jacinto. O fim da verdade da sua fórmula e da sua crença (Suma Ciência  X suma potência = suma felicidade) não era só seu, mas de todo o final de século. Estética da Saudade em Teixeira de Pascoaes, pág. 24.
[33]  Ob. citada, pág. 27.
[34]  Ob. citada, pág. 28.
[35]  A partir de 1912.
[36]  Dedicaremos a Pascoaes uma análise mais detalhada,  mais adiante deste ensaio.
[37] Contos de Eça de Queirós, Civilização, pág. 269. Este conto é, na estratégia literária de Eça, o ensaio preparatório de A Cidade e as Serras.
[38] A primeira lista de colaboradores, incluída no Tomo I do Guia, refere uma vastíssima e diversa participação de escritores, museólogos, arquitetos, professores e homens de cultura, prenunciando a moderna interdisciplinaridade e o arco-íris ideológico que caracteriza o pensamento ambientalista. Esta linha editorial continuará a alargar-se nos Tomos seguintes.  Entre outras figuras ilustres, Raul Proença destacou Silva Teles e Reynaldo dos Santos e nós, a título de exemplo, registamos os escritos de Jaime Cortesão, António Sérgio, José de Figueiredo, Teixeira de Pascoaes, Raul Brandão, Aquilino Ribeiro, Afonso Lopes Vieira… Sant´Anna Dionísio, (que a partir de 1944 e do 3º Volume assumiu a responsabilidade de prosseguir a publicação da obra), João Couto, Ruy Luís Gomes, Câmara Reys, Amorim Girão, Orlando Ribeiro, Rodrigues Lapa, Ferreira de Castro, Vitorino Nemésio…
[39] Raul Proença, Prefácio do Guia de Portugal, Lisboa e Arredores, pag. LX, 1924. Seguiu-se-lhe o Volume II dedicado à Estremadura, Alentejo, Algarve, de 1927. Já sobre a direcção de Sant‘Anna Dionísio, o Volume III, 1º Tomo,  a Beira Litoral  e 2º Tomo , a Beira Baixa e Beira Alta,  editado em 1944. O IV Volume, de Entre Douro e Minho, desdobrou-se também em dois Tomos, o 1º sobre o Douro Litoral e o 2º sobre o Minho, surgindo, posteriormente, em 1964. O Volume V, Trás-Os-Montes e Alto Douro, aparece igualmente desdobrado, o 1º Tomo abrangendo Vila Real, Chaves e Barroso e o 2ºTomo Lamego, Bragança e Miranda, editado em 1969. O projecto de estender o Guia às chamadas Ilhas Atlântidas foi então definitivamente abandonado.
[40] Da Introdução Artística de Reynaldo dos Santos, que se orienta sobretudo para o passado anterior ao séc. XIX, deixamos aqui esta observação do autor, pela sua pertinência: ”Na determinação da época dos nossos monumentos, deve ter-se presente ( pelo menos até à Renascença ) que as formas de arte chegaram a Portugal com um atraso por vezes superior a meio século e sobreviveram muito além do período histórico da sua florescência no país de origem”. Ver também o Anexo 7.
[41] O estudo da fauna encontra-se disperso pelo conjunto da obra.
[42] Distinguimos os dois conceitos segundo a perspectiva das Ciências da Educação: A pluridisciplinaridade corresponde aqui aos diferentes estudos da paisagem efetuados na ótica da Geografia, das Ciências da Natureza, da História, etc.. A interdisciplinaridade ocorre quando, na análise de um determinado fenómeno, por exemplo, a poluição de um rio, aquele é diagnosticado, entendido, analisado e a sua solução equacionada, através da convergência dos diversos conhecimentos científicos aplicáveis ao seu estudo: A geomorfologia, elucida-nos das características do seu percurso; a biologia, da sua fauna e flora peculiares; a arqueologia e a história, da evolução das comunidades que povoaram as suas margens; e é desta visão multifacetada que nasce a abordagem sistémica e interdisciplinar do problema “poluição”. Na nossa literatura emergem estudos científicos pluridisciplinares e visões integradoras da sua interdisciplinaridade, como continuaremos a demonstrar.
[43] Guia de Portugal, Tomo I, pps. 136 e 137, de 1924, reedição da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1991.
[44]  Joaquim Rasteiro, Guia de Portugal, Vol. I, pág. 667.
[45]  Irene Lisboa ,  Outono havias de vir bastante triste, da poesia  Passeios, 1937.
[46] Segundo a definição deste eminente botânico e conhecido ambientalista, a paisagem de “bocage” é caracterizada por campos ladeados por sebes vivas, onde dominam árvores de grande porte, insurgindo-se contra a sua mutilação e destruição, porque constituem, em Portugal e amplas regiões do Globo, causas da desertificação. Trata-se de um galicismo, originário do francês “bois” (bosque). Ver a obra de Jorge Paiva, A Crise Ambiental, Apocalipse ou Advento de Uma Nova Idade.
[47] Miguel Torga, Portugal, pág. 19.
[48] Os socalcos, verdadeiros monumentos ao trabalho do homem, constituem  um obstáculo ao pisoteio das reses, que os prados de lima conseguem evitar. Nas nossas montanhas, do Minho à Madeira, em paralelo com as brandas e inverneiras (as fajãs açorianas), as maceiras de Vila do Conde, as gândaras, as dolinas arranjadas dos maciços calcários… constituem notáveis exemplos da ecologia da paisagem, que fazem dos seus camponeses  verdadeiros arquitetos e conservadores da natureza humanizada pelo trabalho, paisagem cultural.
[49] Ibid., pág. 32.
[50] Alves Redol,  Horizonte Cerrado, pps. 274 e 275, 1949.
[51]  Miguel Torga,  Diário, pág. 1329.
[52]  Guia de Portugal, Tomo Beira, I- Beira Litoral, pág. 353.
[53]  Miguel Torga, Portugal, pps. 95 e 97.
[54] Ibid., pág. 106.
[55]  Ibid., pág. 132.
[56]  Raul Brandão, As Ilhas Desconhecidas, obra de 1924, aqui citada na edição das Obras Completas, nas pps. 140, 144 e 145, edição de 1987.
[57] Ver a obra de Robert Hainard  Expansion et Nature. Une morale à mesure de notre puissance, 1972.
[58]  Konrad Lorenz, da obra  A Agressão, no capítulo Sermão de Humildade, pág. 239.
[59]  Confronte-se com os textos da Conferência referenciada na Introdução.
[60] Eduardo Lourenço, O Canto do Signo, Existência e Literatura, pág. 163.
[61] Óscar Lopes,  Entre Fialho e Nemésio, pág. 189.
[62] Ibid., pág. 155 .
[63] Veja-se na Introdução a referência a estes dois escritores, pps. 21 e 22. 
[64] Óscar Lopes refere ainda:…”é o próprio texto romanesco a encenação óbvia e aquela que as diversas leituras dela (ideológica, metafísica , simbólica) têm glosado com maior ou menor pertinência. Em função dessa temática, de que o autor é o primeiro comentador, se construiu, e bem, o estatuto literário do autor de Aparição. Desse estatuto, e ainda mais da imagem vulgarizada dele, faz parte que se considere Vergílio Ferreira numa perspectiva ideológica, como um autor de rutura e tentativa de superação e reformulação do ideário neorrealista; numa perspectiva metafísica, como romancista do existencial no sentido que ao termo foi dado pela temática chamada existencialista; e, finalmente, numa perspectiva simbólica , como romancista de uma espécie de niilismo criador, ou talvez melhor, de humanismo trágico ou tragédia humanista…”Ob. citada, pág. 97.
[65] Ou, como afirma Eduardo Lourenço: “Quando Vergílio Ferreira  investir a fundo no projeto consciente da sua criação romanesca e na reflexão que lhe é consubstancial, todo esse processo de queda do seu mundo de plenitude mítica será englobado num mais vasto processo histórico-cultural, conhecido pela designação proposta por Nietzsche e pela  cultura ocidental de morte de Deus. Eduardo Lourenço, O Canto e o Signo, pág. 116.
[66] Antero, citado por Fernando Catroga e Paulo A. M. Archer de Carvalho, no Manual da Universidade Aberta, Sociedade e Cultura Portuguesa II, 1994,  pp 294 - 295, afirma que Michelet lhe ensinou  … a ver e a amar na Natureza uma existência espontânea, uma vida universal, e não uma sucessão de formas inertes, e a Humanidade, uma razão e uma consciência coletivas, uma alma e não um mecanismo ou uma abstração.
[67]  Miguel Torga, Portugal, pág. 93.
[68]  Ibid., pág. 72. Anexo 14.
[69]  Guia de Portugal, Tomo de Entre Douro e Minho, I- Douro Litoral, pág. 507.
[70]  Ibid., pág. 123.
[71]  Casimiro de Brito, do livro  Algarve, lugar onde…, publicado na coletânea Ode & Ceia, pág. 197.
[72]  Vitorino Nemésio, O Primeiro Corso, crónica datada de 1946.
[73] Como afirma Urbano Tavares Rodrigues: “Não há talvez em toda a literatura portuguesa quem, como  Aquilino Ribeiro , sinta e exprima o campo em todas as suas dimensões, sem cisco bucólico no olhar que lhe tolde a visão das violências, dos  medos, das ferocidades, da terrível luta pela sobrevivência, mas sempre maravilhado ante a beleza ardente de um arrebol ou da erva geada e do caramelo a brilhar nos rios e nas lamas em manhã límpida e azul. Familiar dos animais e das plantas, das amplas carvalhas, das flores subtis, dos próprios alcantis quedos e rudes. Deslumbrado não só perante os quadros que a natureza a todo o passo compõe, para os que sabem vê-los, mas sobretudo perante o milagre da vida a suceder-se, a nascer, a vibrar em alta tensão ou em suave murmúrio, a brotar da próprio morte.” Aquilino Ribeiro, Romances Completos,  A Via Sinuosa, pág. XVIII do Prefácio.
[74] Para o desenvolvimento do nosso tema seria igualmente interessante abordar a literatura para jovens, mas afinal dirigida a todas as gerações, do tipo do  Romance da Raposa  ou dos Bichos, de Torga, mais adiante estudados, de que são exemplo certos contos e novelas de Alves Redol, como o Constantino, Guardador de Rebanhos e de Sonhos e a  História de Uma Sementinha.
[75]  Aquilino Ribeiro,  A Casa Grande de Romarigães, pág. 285, 1957.
[76]  Ibid..
[77] Carlos de Oliveira, na crónica intitulada  Na Floresta, escrita e reescrita entre 1966 e 1970, publicada em  O Aprendiz de Feiticeiro, traça um largo quadro da utilização da floresta como metáfora e símbolo, na literatura portuguesa.


[78] O seu poema Terra (1941), é considerado arquétipo da poesia neorrealista, que terá a sua expressão no Novo Cancioneiro: Ramos de Almeida, Políbio Gomes dos Santos, João Cochofel, Joaquim Namorado, Arquimedes Silva Santos, Carlos de Oliveira ...
[79] Sobre este romance e os outros que destacámos no texto, faremos incidir a nossa atenção nos próximos capítulos.
[80]  Ver mais adiante os extratos desta obra, na versão datada de 1944.
[81] Esta dependência aflora também noutras narrativas romanescas, em torno do ciclo de recessão que acompanha sempre as monoculturas, do cacau, na Nau de Quixibá, de Alexandre Pinheiro Torres, da borracha, em A Selva, de Ferreira de Castro…
[82] Aquilino Ribeiro, Volfrâmio, pág. 125, 1943.
[83] Ibid., prefácio.
[84] Ibid.
[85] Fernando Namora, Minas de S. Francisco, pág. 100, 1946.
[86]  Ibid., pág. 98.
[87] Alves Redol, do Ciclo Port Wine, o romance Horizonte Cerrado, pps. 274 e 275, três volumes publicados entre 1949-53. A este título seguiram-se  Os Homens e as Sombras  e  Vindima de Sangue.  
[88]  José Gomes Ferreira, Heroicas, Poema XXV, pág. 148, 1936/3.
[89] Aquilino Ribeiro, Quando os Lobos Uivam, 1958.
[90] Ibid., pág. 66. Ver a obra de Pedro Calafate citada na Bibliografia.
[91] Pedro Calafate, A Ideia da Natureza no séc. XVIII em Portugal, pág. 56.
[92] Ibid., pág. 82.
[93] Fernando Namora, O Trigo e o Joio,  pág. 9, 1954.  
[94] Joaquim Namorado, Uma Poética da Cultura, pág. 227.
[95] Miguel Torga, Portugal, pág. 10, 1950. Onde Torga usou a imagem do “berço“, Vitorino Nemésio coloca “o ovo”, nos versos de  O Canário de Oiro, do livro O Bicho Harmonioso, 1ª Edição de 1938.
Ah, ovo que deixei, bicado e quente ,                                          
Vazio de mim,  no mar
E que ainda hoje deve boiar, ardente.
Ilha !
E que ainda hoje deve lá estar”!
Alegoria da relação umbilical do Homem com as “ ilhas encantadas, “para além do Mar Tenebroso  (segundo a lenda que Jaime Cortesão conta). Alegoria que atravessa o símbolo maior dessa relação dramática, o romance Mau Tempo no Canal, escrito por Nemésio em 1945. Ver também o Anexo 59.
[96] Padre António Vieira, Sermão de Santo António aos Peixes, pps. 33 e 34.
[97] O Livro  de Cesário Verde, pág. 106.
[98] Ibid..
[99] Ibid., pág. 107.
[100] Afonso Lopes Vieira, Éclogas de Agora, pág. 22.
[101] Sophia de Mello Breyner Andersen , Obra Poética I, pág. 27.
[102] José Régio, do Livro A Chaga do Lado, poema Vai nascer um Menino, pps.35 e 36.
[103] Ibid..
[104] José Régio,  A Chaga do Lado, poema  A Cidade Ideal, pps. 81, 84 a 87, 1954.
[105] Ibid.
[106] Jorge de Sena, 30 Anos de Poesia, pág. 73, 1950.
[107] Ibid..
[108] Alexandre O'Neill, do livro  No Reino da Dinamarca,  poema  O Tempo Sujo, pág. 55, 1958.
[109] Citemos, como exemplo, as Antologias sobre Coimbra,  Memórias de Alegria  e sobre o Porto, Daqui Houve Nome de Portugal, que Eugénio de Andrade deu ao prelo, respetivamente, em 1971 e 1968, através das Editoras Inova e Oiro do Dia.
[110] Vitorino Nemésio, O Primeiro Corso, VI Corisco...
[111] No seu  Manifesto Para a Ciência em Portugal, Mariano Gago insurge-se contra a mitificação da ciência quinhentista e a favor de uma análise rigorosa das condições sociais e culturais que impediram o desenvolvimento em Portugal, nos séculos XVI e XVII, das atividades científicas, considerando esta atitude como uma primeira e profilática medida indispensável à construção de atividades científicas modernas e de qualidade. Ob. Citada, pág. 63. 1990. Mas a investigação do problema, questão chave e decisiva para compreender o afastamento do nosso país da revolução científica, cultural, filosófica e política que conduziu a Europa para a Idade Moderna está ainda por concluir, e a referência contida na obra citada, permanece, na nossa opinião, longe da resposta.          
[112]  Miguel Torga, Portugal,  pág. 87.
[113]  Ibid, pps. 53, 63 e 64.
[114]  Ibid, pps. 111,112,115,116 e 117.
[115]  Alexandre O'Neill, do livro A Saca das Orelhas, poema  A Uma Oliveira, pág. 377.
[116]  Guia de Portugal, Tomo I., pps. 123 a 129.
[117] Ibid., pág. 119.
[118] Ibid., pág. 23.
[119]  Ibid. pág. 100.
[120] “Turismo insustentável “que era o do Algarve, estávamos nos finais dos anos 60.
[121]  Ibid. pág. 215.
[122] Ruy Belo, da obra Transporte do Tempo e da série Nau dos Corvos, o poema Odeio Este Tempo Detergente. Publicado em 1973.
[123] Alusão à emissora anticomunista que emitia para os países de Leste a partir de Portugal.
[124] Ibid.
[125] Ibid.
[126] José Fernandes Fafe, do livro  Poesia (Quase toda e até agora), pág. 122.
[127]  Maria Judite de Carvalho,  Este Tempo, Diário de Lisboa, 2-10-71.
[128] E se manifesta noutros poetas seus contemporâneos, leia-se, por exemplo, o poema Silves 83, de Luísa Neto Jorge,  Poesia, do livro A Lume, pág. 260.
[129] Romance escrito em 1957, o autor decidiu publicá-lo apenas em 1976, certo como estava de que a censura impediria a sua divulgação, pois se tratava de um livro que punha abertamente em questão “...a máquina pedagógica do fascismo e do imperialismo,  segundo afirma no prefácio.
[130] Alexandre Pinheiro Torres, A Nau de Quixibá, pág. 26. Diversos autores ambientalistas, como o botânico Jorge R. Paiva, enfatizam a destruição maciça dos Quercus e pinhais nacionais, por obra dos descobrimentos e expansão marítima, usados nos cavernames, tavelados, mastreação e barricas de suprimentos, que prosseguiu, de tal forma que no séc. XIX se atingiria a mais baixa densidade florestal da história nacional, logo seguida de sucessivos projetos de reflorestação, realizados, sobretudo, com plantações monoespecíficas, onde domina o pinheiro bravo e, contemporaneamente, o eucalipto.
[131] Charles Darwin, no Capítulo I (Santiago, Ilhas de Cabo Verde) do seu  Diário da Viagem do Beagle (Journal of the Voyage of the Beagle), escrito em Junho de 1845, afirma:” Na época do descobrimento da ilha, os arredores do porto da Praia eram sombreados por numerosas árvores, cuja destruição, ordenada com tanta indiferença, causou aqui, como em Santa Helena e em algumas ilhas Canárias, uma esterilidade quase absoluta.” Pena é que a recente edição deste diário, por iniciativa da Expo 98, no que toca a Cabo Verde, tenha escolhido um extrato datado de 1832, onde o notável cientista incide a sua análise sobre o problema no fogo vulcânico e calor tórrido, perdendo-se assim aquela referência fundamental.
[132] Rui Cinatti, Paisagens Timorenses com Vultos, pps. 71 e 72.
[133] Ibid., pág. 131.
[134] Ibid., pps. 129 a 131.
[135]  Os Flagelados do Vento Leste, de Manuel Lopes, pps. 24 e 25, 1960.
[136]  A Nau de Quixibá, pág. 106. Anexo 86.
[137]  Ibid., pág. 178.
[138]  Ibid., pág. 179.
[139] Num comentário final, pedimos emprestada a Nota de Abertura de Jorge de Sena: “…E quando a indignação e a dor ante a destruição ecológica e civilizadora do mundo é profissional, ou cínica, ou literata, sabe bem ler e ouvir a voz de um poeta em que ela brota de uma vivida experiência, de um amante convívio e de uma consciência lúcida de quanto a humanidade se não salva sem outras palavras que foram mágicas: consideração, respeito, amor.” Ibid., do prefácio, 1973.
[140] Ver o texto do autor citado na Bibliografia.
[141] Tomemos também como referência a definição de saúde produzida por aquela instituição, onde a dimensão ambiental se tornou visível: A Saúde é um estado completo de bem- estar físico, mental e social, e não somente uma ausência de doença ou enfermidade.
[142] Manuel Lopes,  Flagelados do Vento Leste, pág. 202.
[143] Ibid., pág. 205. O tema da desflorestação aparece também em Soeiro Pereira Gomes, respetivamente, Esteiros, da  Obra Completa, pág. 17;  Engrenagem, da  Obra Completa, pág. 232 e, ainda, Ferreira de Castro,  Emigrantes, pág. 233.
[144]  Soeiro Pereira Gomes, Engrenagem, da  Obra Completa, pág. 232 .
[145]  Soeiro Pereira Gomes, Esteiros, da  Obra Completa, pág. 17.
[146]  Ferreira de Castro,  Emigrantes, pág. 233.
[147] Fernando Pessoa , Poesias de Álvaro Campos,  Ode Triunfal, pág. 153.
[148] Ibid., pág. 149.
[149] Eduardo Lourenço, O Labirinto da Saudade, Da Literatura como Interpretação de Portugal (De Garrett a Fernando Pessoa), pág. 115.
[150] Ibid., pág. 114.
[151] Ibid., pág. 115.
[152] É ainda aquele crítico literário quem salienta: Este heterónimo (Álvaro Campos) corresponde a duas atitudes que em certos poemas ou passos coincidem, mas muitas vezes divergem…a do Futurismo: a exaltação da energia, do paroxismo, da velocidade e da força em exercício, da precipitação no sentido de um futuro social mecanizado e gizado segundo lineamentos fascistas, belicistas, antidemocráticos. Expressão típica, a Ode Triunfal. A segunda atitude foi inspirada não por Marinetti, mas por Walt Whitman e apresenta alguns traços comuns com o Unanimismo francês: trata-se do Sensacionismo, norteado pela ânsia de sentir tudo de todas as maneiras, de incorporar no mesmo processo psíquico individual todas as possibilidades sensoriais e afetivas da humanidade de todos os tempos e de todas as circunstâncias…Ibid., pág. 558.
[153] Fernando Pessoa,  Poemas escolhidos, pág. 228.
[154] Ibid., pág. 258.
[155] Ibid., pág. 260.
[156] Ibid., pág. 264.
[157] Ibid., pág. 266.
[158] Ibid., pág. 267.
[159] Ibid., pág. 268.
[160] Casimiro de Brito, do livro Solidão Imperfeita, o poema Simulação do Homem Moderno, datado de 1958.
[161]  Ver a obra de Claude Lévi-Strauss, Raça e História, 1952.

Sem comentários:

Enviar um comentário