A crise de representatividade política das democracias liberais


 Só há 29 democracias (?) liberais em todo o mundo: 3 em cada 4 pessoas vivem numa autocracia (?). Título do semanário Expresso sobre o RELATÓRIO DA DEMOCRACIA 2025*. Pontos de interrogação do autor.

As democracias liberais trazem no seu ventre dois cancros fatais: promovem a concentração brutal e violenta do capital e substituem inexoravelmente o princípio da representatividade da maioria pela regra legal da legitimidade; ora, quem dita a lei é a classe dominante, minoritária. Em última instância, o capital financeiro…

        Há um terceiro tumor a minar as democracias liberais: a hostilidade e o ódio contra a emigração, e as suas metástases já se espalharam dos EUA à União Europeia e a Portugal. Os seus direitos cívicos estão em retrocesso e o de voto, é praticamente inexistente. Sim, o problema é de fundo e de “reforma democrática” estrutural, a democracia liberal degenera, se não existir democracia política e social, particularmente na comunicação e redes sociais, hoje controladas por meia dúzia de agências internacionais e outros tantos oligarcas, que intoxicam e manipulam a consciência cidadã, à escala de um país e do mundo.

A crueza dos números nas eleições para a Assembleia da República e a revisão constitucional

A AD representa hoje 20,7% ( 1.914.913 votos) dos cidadãos eleitores (9.265.493 inscritos). E está a governar. O PS representa 15% (1.394.501 votos). Tal como o Chega (1.345.689 votos). A  abstenção sobe a 41,7% (4.532.266 votos).

         Na emigração, abstiveram-se ou não tiveram condições para votar 77,76% (1.232.219) dos eleitores. O partido mais votado (Chega) teve apenas 5,82 % (92.192) dos eleitores. E há mais de 2,25 milhões de portugueses na diáspora, ou seja, cerca de 1 milhão nem sequer está inscrito como eleitor.

Nenhum dos partidos representa a maioria do povo português e, muito menos, a sua diáspora. A democracia liberal, em Portugal e no mundo, evoluiu para sistemas eleitorais que não representam politicamente as sua nações.

A Constituição de 1976 foi aprovada por uma Assembleia da República eleita por 83,76% dos cidadãos portugueses Os deputados eleitos para a atual  Assembleia, foram votados por 64,38% dos eleitores. A sua representatividade é, pois, muito menor e a maioria de dois terços no parlamento, também não representa a maioria dos cidadãos.

As reformas democráticas: Regionalização, Círculo eleitoral Nacional e Voto Eletrónico da diáspora. Estratégia autónoma na UE

As propostas políticas das direitas portuguesas  e do centro-esquerda  nunca elaboraram qualquer estratégia de aprofundamento da democracia económica, social e política, assente na Constituição, como seria  o caso da Regionalização, proclamam reformas, mas limitam-se a privatizar ( para o capital estrangeiro anglo-saxónico, cada vez mais dominante; não, não é o chinês!) ou o recurso ao voto eletrónico, que permitiria manter uma ligação política mínima com essa nação dispersa pelas quatro partidas do mundo: os partidos que governaram o país durante cinquenta anos e os seus trânsfugas que criam outra siglas para a mesma política, recusam as reformas democráticas que o seu próprio regime constitucional  comporta.

Um programa de regionalização que se tornou ainda mais imperativo, depois que a crise ambiental, o abandono do mundo rural, a destruição do mosaico agro-silvo-pastoril e a expansão desmedida das plantações industriais, o crescimento dos fenómenos atmosféricos extremos_ aquecimento global, trovoadas secas (o fogo que começou em Arganil e lavrou quatro serras durante 11 dias, o maior de sempre, teve esta origem, segundo testemunham os habitantes ocais), tornados de fogo… alteraram a natureza dos fogos rurais, que ganharam dimensão regional incontrolável. Uma regionalização que valorize o poder municipal, com a constituição de um Senado que integre os Presidentes de Câmara, o que exclui remunerações adicionais e uma Assembleia Regional eleita por voto universal, que não necessita de políticos profissionais, mas disponha de um orçamento e estatuto autónomo, capaz de promover a economia de escala e o desenvolvimento sustentável, coordenar a defesa civil, a investigação e inovação, o estabelecimento direto de parcerias internacionais_ sobretudo com os Países de Língua Portuguesa, ibero-americanos, com as novas potências emergentes com as quais temos laços históricos: a Índia, via Goa, a China, através do Fórum Macau e a Indonésia, com Timor…

O círculo regional açoriano que recolhe os votos globais e permite eleger um pequeno número de deputados para além dos que estão vinculados às diversas ilhas do arquipélago, deveria ser generalizado em todo o país. Mas, em todo o território nacional, a legislação eleitoral não permite nem a formação de listas cidadãs, nem a votação direta no deputado. De facto, são os partidos que primeiro escolhem os seus deputados, quase todos dispensando a vontade dos seus militantes: ao líder entronizado cabe a parte de leão e aos barões, a outra parte. Nós, cidadãos, votamos nessas listas, para que não fomos nem ouvidos nem achados. E o que oferecem os radicais da direita  e a extrema-direita? Reduzir o número de deputados, para que o arco do poder se restrinja ainda mais.

Mesmo assim vale a pena votar? Sim. Se olharmos para o programa de cada partido e, com pensamento crítico, o desmontarmos. E, não concentrando a opção política no líder, que está sempre de passagem e, a mais das vezes, é o testa de ferro dos interseres económicos que financiam o partido. A quem diz servir o programa, mas a quem serve de facto? Como vai ser realizado? Perguntas cruciais, mas que ficam de fora do debate eleitoral, miseravelmente reduzido á fulanização dos cabeças de cartaz.

A crise existencial da União Europeia

Respostas que têm de ser encontradas também nas questões geoestratégicas onde se joga a paz e a guerra,  na natureza da União Europeia, dividida com sucesso pelos EUA e o Reino Unido entre a velha e a nova europa autoritária, questionando a atual europa federalista nas finanças e burocratizada, a caminho da militarização. Questões que estiveram ausentes do debate eleitoral  para a Assembleia da República, exceção feita à CDU e ao Livre. Construindo autonomamente um novo modelo económico dentro e fora da União Europeia, a que a Confederação do Comércio e Serviços, chamou “servilização”, numa sua recente conferência.

Segundo a Bloomberg (e o FMI), entre 2024 e 2029, a contribuição para o crescimento da economia mundial será liderado pela China, com 21,7%, seguida pela Índia, com 14,8%, os EUA, com 11,6%, a Indonésia com 3,5%, a Rússia com 2,1%, o Brasil com 2,0%, a Turquia com 1,9%, o Egito e a Alemanha e o Japão   com os mesmos 1,7% ... A Federação Russa não terá base económica para tentar reconstruir o império czarista. A relevância da diplomacia europeia, o fim do “milagre alemão” já tem como outra face a expulsão do neocolonialismo e dos gendarmes franceses da África.

Portugal não se deve deixar arrastar  pela queda da Europa. Não se trata de virar costas à UE, mas sim de não depender  do seu mercado, que com o controle orçamental e financeiro nos aproxima do estatuto de semicolónia. E na reconfiguração do lugar de Portugal no mundo, que é o da Europa, mas também dos países que falam a nossa língua e dos outros, com que convivemos por séculos a oriente, na ibéria e nas Áfricas e  Américas.

Lisboa, 26.08.2025

António dos Santos Queirós

Nota Fina: Artigo enviado para o jornal "O Público", o qual, pela primeira vez desde 2021, não deu qualquer resposta ao seu envio ( publicação ou não publicação)

* Instituto V-Dem:

Departamento de Ciência Política

Universidade de Gotemburgo

Gotemburgo, Suécia


Sem comentários:

Enviar um comentário