Os imigrantes trabalham mais, com piores ordenados e correm mais riscos. Contudo, nas redes sociais apresentam-se cheques da Segurança Social como alegada prova de que parasitam os apoios sociais.
https://www.publico.pt/2024/06/20/opiniao/opiniao/politica-imigracao-impacto-emigracao-portuguesa-2094516
O Observatório da Emigração publicou em janeiro o Atlas da Emigração Portuguesa: só nos últimos 20 anos, o país viu sair mais de 1,5 milhões de cidadãos. No total, existem cerca de 2,2 milhões de cidadãos na diáspora portuguesa.
A
França continua a ser o país com o maior número de imigrantes residentes
nascidos em Portugal (573.000), seguindo-se a Suíça (204.000), os Estados
Unidos (184.000), o Reino Unido (156.000), o Brasil (138.000), o Canadá
(134.000) e a Alemanha (115.000), mas também a China, Luxemburgo, Venezuela,
África do Sul ... Cerca de 20.000 emigrantes portugueses regressam anualmente ao
seu país, na sua maioria com menos de 40 anos, não vêm ricos, nem beneficiam de
nenhum programa global para a sua reintegração.
A
Secretaria de Estado das Comunidades, em 2023, contabilizava 2.240.152 pessoas
com Cartão de Cidadão nacional a residir no estrangeiro e um total de cerca de
5 milhões, ao somar-lhe os que se identificam como lusodescendentes de
imigrantes portugueses, entre os quais, segundo a FLAD, há 1,3 milhões de
cidadãos americanos.
As remessas de emigrantes nacionais
em 2022 elevaram-se a 3.892,2
milhões de euros, 1,6% do PIB português (Relatório do Banco de Portugal), com origem
em França, mais de mil milhões, valor
semelhante vindo da Suíça e, do Reino Unido, €458 milhões. Os imigrantes
estrangeiros, embora tenham uma taxa de desemprego mais do dobro que a dos
portugueses, têm vindo a aumentar o seu contributo para a Segurança Social.
Nesse mesmo ano, contribuíram com 1.861 milhões de euros e só beneficiaram de
cerca de 257 mil euros (Ver, a notícia do Público). Um saldo positivo de 1.604,2 milhões de
euros para a Segurança Social, que é quase o dobro de há quatro anos.
Citando
ainda o Observatório: Os imigrantes pesam 7,5% no total da população,
trabalham mais, com piores ordenados e de maior risco. Contudo, circulam nas
redes sociais cópias de cheques da Segurança Social, verdadeiros ou falsos, com
quantias que rondam os mil euros, endereçados a nomes que soam a imigrantes,
apresentados como prova irrefutável de que parasitam os apoios sociais.
Neste
quadro e à escala da nossa própria emigração, uma outra verdade emerge, com uma
obscura ameaça que pode atingir em ricochete os milhões de portugueses da
diáspora:
Portugal
é hoje o país europeu que, proporcionalmente, tem maior número de emigrantes e
o oitavo em todo o mundo.
Esta
dimensão, deveria conduzir os dirigentes políticos a um debate cauteloso e
pudente, sobre “a necessidade de controlar a emigração”, de “impor regras mais
restritivas”, e, sobretudo, aos avisos hostis, “o risco de perder a identidade
nacional, com o crescimento da sua comunidade, e a disseminação da sua
religião, usos e costumes…”, “os perigos da imigração, que põem em causa a
segurança nacional e dos portugueses”, “a exigência de contratos de trabalho
prévios” …Quando a nossa tradição, desde os anos sessenta, é “emigrar a salto”,
então contra a miséria e a guerra, promovidas pelo regime fascista e
colonialista.
É
que, num mundo globalizado, todas as medidas tomadas pelos governos da nossa
República Democrática, vão bater à porta, dos portugueses emigrantes e
lusodescendentes.
“Ei-los
que partem” …mais jovens e instruídos
Ainda
segundo o Observatório, cerca de um terço (850 mil) dos jovens nascidos em
Portugal (dos 15 aos 39 anos) vivem neste momento no estrangeiro, tornando-se
um fator decisivo do nosso inverno demográfico.
Portugal
era nos anos 60 um país subdesenvolvido, que exportava camponeses e operários,
ilegalmente e “a salto”, com qualidades excecionais de trabalho, mas de baixo
nível técnico e educacional. Face à crise financeira ocidental e à política de
austeridade que nos impôs a Troika, os governos nacionais e as forças
económicas que predominam, não cuidaram dos seus obreiros, nem dos quadros
médios e de alto nível, e a sua emigração cresceu exponencialmente.
Temos
hoje associações científicas portuguesas em muitos países, mas as políticas dos
nossos governos não integram uma opção estratégica para estabelecer e
aproveitar a sua ligação umbilical com a pátria.
Num
tempo em que o voto eletrónico está ao alcance de um clic, o obsoleto sistema
de voto consular e por correspondência, está montado para restringir a
mobilidade do cidadão expatriado e tornar irrisório o seu contributo eleitoral.
Olhemos de frente os números das últimas eleições: Parlamento Europeu: 29.727
votantes, em 910.138 inscritos. Legislativas: 333.520 votantes, em 1.546.747
inscritos.
A
crise da globalização, como causa das vagas continentais de imigrantes
A
caraterização de imigrantes económicos e refugiados, imbricou-se uma na outra,
primeiro, porque toda a economia é economia política e as guerras e o subdesenvolvimento
têm como uma das suas causas fundamentais nas políticas hegemónicas e na
disputa geoestratégica entre as potências mundiais.
A
política neocolonial das grandes potências em África, gerou fome extrema e os
primeiros refugiados climáticos, dívida soberana e decomposição dos novos
estados em fações dos senhores da guerra. Pelas fraturas nacionais causadas por
esta política, entraram em força as organizações radicais e terroristas que se
reclamam do islamismo, a Federação Russa pela via da cooperação militar e a
China, com o projeto da Nova Rota da Seda e ao evoluir para os programas de desenvolvimento
industrial sustentável e o apoio às funções sociais do estado, segundo o modelo
da Etiópia, conseguiu em África a adesão de 53 dos seus 54 países. Obviamente, tal
mudança ainda não logrou suster a vaga intercontinental que chega às costas
europeias, e transformou o mediterrânio um mar de cadáveres.
Outra
vaga continental de emigrantes varre de sul para norte o continente americano, como
resultado da doutrina Monroe de sujeição continental e de um modelo económico neoliberal,
que gerou miséria endémica, impostos
muitas vezes através de um golpe militar.
As
guerras pelo petróleo e as terras raras (o Afeganistão, segundo o Pentágono, é
“A Arábia Saudita do Lítio”) no oriente e oriente médio, provocaram elas também
novas vagas, que só encontram refúgio nos países vizinhos, e partem ao assalto dos
novos “muros da vergonha”.
É que os artigos 13º a 15º da
Declaração Universal dos Direitos do Homem _DUDH, como se reafirma nos seus
Artigos 29º e 30º, concedem ao direito à emigração e à condição de refugiado, o
estatuto superior de Direitos Humanos inalienáveis. As elites políticas da
época, sob as campas de 80 milhões de vítimas da II guerra mundial, juraram
sujeitar os seus interesses nacionais ao dever de solidariedade para com todos
os seres humanos. Se os recusarem hoje, mesmo invocando as dificuldades (reais)
das suas nações, não podem simultaneamente reclamar-se do título de defensores
da DUDH.
Lisboa,
13.05.2024
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