Os resultados das eleições legislativas configuraram quatro blocos e não três, como comentam a maior parte dos analistas.
À esquerda do PS, as votações somadas do BE, CDU, LIVRE e PAN, atingiram 818.421 votos, mais 189.952 que no anterior ato eleitoral, apesar da quebra de 33.522 votos da CDU. Em conjunto, estes quatro partidos passam de 13 para 14 deputados. O método de Hondt e a falta de um círculo nacional de compensação, favorece os partidos mais votados e conduz a que a representatividade política dos outros na Assembleia seja truncada. Os 1.169.836 votos da extrema-direita não estão assim tão longe deste bloco e só os ganhos em deputados, que aquele método, pouco democrático, garante, explica a diferença entre 14 e 50 assentos parlamentares.
Se tomarmos
agora como referência os 10.820.337 eleitores inscritos e a percentagem de
abstenção de 48,48%, mesmo os maiores partidos, só porque omitem a visão global
do escrutínio popular, podem proclamar que representam a voz do povo: receberam,
respetivamente, 16,78%, 16,78%, 10,8%...dos votos do eleitorado.
O pensamento
único, há muito que nos convenceu que estas minorias legitimam, ainda assim, os
governos sectários e que resultam afinal do direito dos cidadãos, em democracia
liberal, a eleger os seus deputados; na realidade, e como a lei eleitoral
portuguesa não permite as candidaturas cidadãs, o nosso direito está reduzido a
escolher quem os líderes dos partidos (quase todos) selecionaram para a sua
corte de valetes e barões. Enquanto o debate político se anula a si próprio,
com a fulanização da política, na comunicação social e nas redes sociais.
Então, seria de
bom senso um pouco de humildade nos que se proclamam vencedores e que os
comentadores e formadores de opinião se perguntassem, se a democracia liberal é
mesmo a superior forma de organização política que marca o fim da história e a
arco (roto) do poder o seu fruto maduro (que a corrupção e o diktat semicolonial
do Federalismo Burocrático e financeiro da UE apodreceram).
Ainda menos se
pode tomar a palavra em nome de 1.546.747 eleitores nacionais inscritos nas listas da
emigração, quando os maiores partidos receberam, respetivamente, 61.039 votos, 55.986 votos, 52.471 votos… (e há
milhões de portugueses e luso descendentes que nem sequer lá estão!?).
Não deixa de ser
curioso que, quase todos os partidos democráticos, tenham crescido de forma
significativa em número de votos da emigração, apenas o PS teve uma ligeira
quebra de 2.800, e até a própria CDU tenha recolhido mais 30% de sufrágios.
Não, esta já não é a imagem da tradicional emigração conservadora, ela indicia
um quadro de transição.
É altura de
preservar o cordão umbilical que ainda liga as novas gerações de emigrantes à
sua pátria e o voto eletrónico permite hoje exponenciar a sua participação na
vida política nacional e conter a aculturação e o esquecimento.
Compreenderá o
PS que a questão não é recuperar o seu eleitorado ( o eleitorado não é de
ninguém) e de voltar a ganhar o centro (que conceito mais vago e enganador),
mas sim de evitar o destino do PS italiano, grego, francês, húngaro …e erguer
uma plataforma de convergência programática, na disputa democrática com as
forças liberais e , sobretudo, face às forças políticas antidemocráticas?
Compreenderá a
direção do PSD que está em jogo a sobrevivência do seu partido e que a
ambiguidade e os acordos regionais com a extrema-direita, como em Espanha,
amputaram duplamente a base eleitoral do PP_ em favor dos neoliberais e da
extrema-direita? Os liberais portugueses, já o perceberam, a bem da preservação
da democracia liberal.
Compreenderão os
partidos à esquerda do PS, que só com uma plataforma política comum, terão
força para uma aliança progressista com o PS e a defesa da constituição
democrática, face ao projeto presidencialista da sua subversão, que cresceu
dentro do PSD no governo da troika e ganhou forma aberta com a criação de um
partido autónomo de extrema-direita, que goza de apoios dentro do velho
PPD/PSD?
Virá alguma vez
o dia, em que discutiremos a situação internacional, para compreendermos
afinal, o que que passa no nosso próprio país e escolheremos os nossos
representantes políticos à luz da defesa da paz e da contenção da crise
ambiental, que são os problemas principais da vida de cada um, já hoje e não
para os nossos filhos e netos, guerra e crise, que são de todos e chegarão à
nossa porta?!
Lisboa, 03.04.2024
António dos
Santos Queirós. Professor e Investigador. Universidade de Lisboa
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