Qual é a posição da República Popular da China, em relação ao conflito Rússia-Ucrânia?

 Negociações para uma paz justa, garantida pelo princípio da segurança indivisível e pela ONU

Fonte, clique aqui:  China Rádio Internacional Published: 2023-01-06 16:12:43

A resposta precisa de recorrer a uma heurística negativa e a uma heurística positiva. E, em primeiro lugar, compreender a política internacional da China, num contexto de confronto geopolítico global

O recurso crítico para entender o caminho chinês para uma Nova Era, é a filosofia política, desde as suas raízes clássicas até às suas contribuições modernas. Se olharmos para os últimos cem anos, a China deixou “florescer centenas de flores e cem escolas de pensamento, rivalizar”, desde os Três Princípios do Povo, de Sun Yat Sen à Ecocivilização de Xi. Mas dois princípios fundamentais definem permanentemente a consciência nacional da China e a posição dos seus governos sobre a polícia internacional: o respeito pela soberania e integridade territorial e a coexistência pacífica.

Lao Zi escreveu que devemos respeitar as leis intrínsecas da natureza e das coisas. A agir sem forçar. O que significa, agir com a mínima interferência, mas com firmeza e sentido moral. E escreveu: "Quando o Tao está presente no Universo, os cavalos produzem estrume no campo. Quando o Tao está ausente do Universo, os cavalos de guerra são criados à porta das cidades. “ O homem violento, morrerá violentamente".

O caminho da paz cruza a política dos cinco princípios da coexistência pacífica, de Mao e Chu En Lai: lembremos_ respeito mútuo pela soberania e integridade territorial, não agressão mútua, não interferência nos assuntos internos uns dos outros, igualdade e cooperação em benefício mútuo e convivência pacífica.  Os Cinco Princípios da Coexistência Pacífica, integrados no preâmbulo da Constituição da República Popular de China, foram adotados pelo Movimento Não Alinhado, no auge da Guerra Fria e reproduzido nos BRICS, na iniciativa Belt and Road e estão presentes em todos os acordos internacionais da China.

Na ONU, desde 1991, a maioria das abstenções da China e todos os seus vetos ocorreram em questões que envolvem integridade territorial, principalmente sanções e a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, facto comprovado pela investigação internacional independente,  que concluiu: " Estes votos correspondem diretamente à promoção da China dos Cinco Princípios, em especial aos princípios do respeito mútuo pelo território e pela soberania e pela não interferência mútua nos assuntos internos de outros Estados.”

"Salvaguardar a paz no mundo" é também, uma das três tarefas históricas do caminho do socialismo chinês, proclamado por Deng Xiao Ping,  a segunda, "Alcançar a Unificação da nação", aplicando o princípio de “um país, dois sistemas”, e o terceiro,  promover  "O desenvolvimento Comum", com a reforma e abertura.

A  declaração política chinesa, após o diálogo telefónico de 25 de fevereiro de 2022, quando o Presidente Xi Jinping falou com o Presidente russo Vladimir Putin, postulava: "A China incentiva a Rússia a resolver o conflito através de negociações com a Ucrânia. Há muito que a China mantém a posição básica de respeitar a soberania e a integridade territorial de todos os países e respeitar os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas".

Sublinho: a posição básica de respeitar a soberania e a integridade territorial de todos os países. E lembro o Tao: agir sem forçar. O que significa, agir, com a mínima interferência, mas com firmeza: a Rússia deve respeitar a soberania e a integridade territorial da Ucrânia. E sentido moral: cumprir os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas! A Rússia iniciou as primeiras negociações de paz, no dia seguinte.

O discurso político também tem de ser amigável e contido. O Presidente Xi acrescentou: "É importante rejeitar a mentalidade da Guerra Fria e chegar a um mecanismo de segurança europeia através da negociação". Em síntese: a China não apoia a guerra russa, mas não concorda com a escalada das sanções, considerando que, pessoas inocentes são atingidas, as sanções não respeitam o direito internacional, e podem empurrar o mundo para a recessão e o caos económico. A metáfora da "mentalidade da Guerra Fria" é uma referência crítica à continuação do avanço militar da NATO para leste, admitindo que esse alargamento tem desafiado as linhas vermelhas estratégicas da Rússia.

A China, paralelamente, propôs a Iniciativa Global de Segurança para a Paz, introduzindo um novo princípio para a segurança sustentável: o Princípio da Segurança Indivisível. O Presidente chinês, Xi Jinping, manteve em 15 de junho uma conversa telefónica com o seu homólogo russo, Vladimir Putin, e recentemente, conversações em pessoa. E a China não mudou a sua posição de princípio. O presidente russo afirma agora que apoia a Iniciativa Global de Segurança para a Paz

E, finalmente, mas não menos importante: Durante a 77ª Assembleias da ONU, um dia antes do referendo, o Ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, numa reunião com o Ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano, afirmou que o Presidente chinês, Xi Jinping, reafirma que a soberania e a integridade territorial de todos os países devem ser respeitadas, os objetivos e os princípios da Carta das Nações Unidas devem ser plenamente respeitados,  as legítimas preocupações de segurança de todos os países devem ser levadas a sério, e todos os esforços que conduzam à resolução pacífica da crise devem ser apoiados.

A Iniciativa Global de Segurança para a Paz e o Princípio da Segurança Indivisível

O Presidente Xi Jinping propõe a Iniciativa Global para a Paz na Conferência Anual do Fórum de Boao para a Ásia, em abril  de 2022 "O princípio da segurança indivisível", rejeita o caminho da construção da própria segurança em detrimento da segurança dos outros, em oposição ao conceito estratégico que levou à criação da NATO e do Pacto de Varsóvia,  e à escalada da Guerra Fria.

Este princípio está em consonância com os princípios da ONU, está empenhado em respeitar a soberania e a integridade de todos os países, defende a não interferência nos seus assuntos internos e respeita os diferentes regimes políticos e sociais escolhidos pela história dos seus povos.

É uma nova arquitetura, para a paz perpétua, com que sonhava o filósofo alemão Kant, que hoje pode passar para a realidade a partir das Nações Unidas e ser acompanhada pelo desmantelamento progressivo dos pactos militares e pela redução progressiva das armas de destruição em massa _ nuclear, química, biológica, digital... A última declaração do representante da China na ONU, reforça esta posição, a RPCh quer que todas as armas de destruição maciça sejam banidas.

O Plano dos EUA contra “a ameaça chinesa” e a Iniciativa Chinesa de Desenvolvimento Global

No ano de 2021, dois documentos estabeleceram duas estratégias opostas para o mundo.

A Iniciativa de Desenvolvimento Global (GDI), proposta pela China na Assembleia das Nações Unidas em 2021, que visa recuperar e concretizar a Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, colocada em risco pela pandemia e pelos conflitos regionais, com um forte contributo da China em todos os domínios críticos, da saúde à transição ecológica.

O denominado "Plano de Ação Estratégica face à China, para combater a ameaça colocada pela República Popular da China "", da responsabilidade do Departamento de Segurança Interna (DHS), dos EUA. Este plano é a chave para entender a intensificação de campanhas hostis sobre Hong Kong, Xinjiang e Taiwan, e incidentes como a suspeição em torno da tecnologia 5G. E explica porque é que a China acusa os EUA de empurrar o sistema internacional para o rumo da "dessínização", elevando o estatuto do G7 e desvalorizando a importância do G20 e lançando novos acordos multilaterais que excluem a China, como o QUAD e a Plataforma Económica Indo-Pacífico para a Prosperidade. O plano americano anuncia a restrição e vigilância policial de todas as atividades e cidadãos da China nos EUA e uma parceria global em todos os continentes, incluindo o Ártico, mas também o espaço sideral, com a mesma intenção negativa. O "Acordo Global UE-China sobre o Investimento" foi a primeira vítima desse plano agressivo.

Este acordo pode sustentar a queda da Europa

Quando o Acordo De Investimento Global China-UE (CAI), após sete anos de negociações, foi finalmente assinado em dezembro de 2020, Úrsula Von der Leyden, presidente da Comissão Europeia-CE, sinalizou a sua importância estratégica para a União Europeia, já a viver numa nova crise económica acelerada pela pandemia, porque o CAI permitiria um "acesso sem precedentes ao mercado chinês".

Os chineses e os europeus quiseram facilitar o acesso ao mercado e reduzir as barreiras ao investimento, ajudando a recuperar a indústria e a economia europeias em sectores como os transportes, os equipamentos de saúde, as telecomunicações...

No entanto, o Parlamento Europeu decretou sanções contra os governantes de Xinjiang e a China respondeu com sanções contra alguns funcionários da UE. Ao aplicar o Plano contra a China, os líderes norte-americanos voltaram a usar a sua influência sobre os partidos dominantes no Parlamento Europeu para suspender a ratificação do acordo. Von Leyden foi silenciada.

O que realmente acontece em Xinjiang? Uma zona piloto da ecocivilização! 19 embaixadores da Europa, além do Japão, Canadá e Austrália enviaram cartas à Comissão de Direitos Humanos da ONU criticando a política da China em Xinjiang em relação aos muçulmanos uigures.  65 países, incluindo os principais  países muçulmanos,  apoiaram a política chinesa em Xinjiang através da carta de resposta dirigida referida Comissão , elogiando aquilo a que chamam “as notáveis conquistas da China no domínio dos direitos humanos”. E sublinham:

"Perante o grave desafio do terrorismo e do extremismo, a China empreendeu uma série de medidas de combate ao terrorismo e desradicalização em Xinjiang, incluindo a criação de centros de formação e educação profissionais".

Nenhum dos países muçulmanos apoia as acusações dos EUA. Lembro que o Comissão de Combate ao Terrorismo do Conselho de Segurança das Nações Unidas registou 16 anos de ataques terroristas em Xinjiang.  A carta que apoia a China é assinada pelos grandes países islâmicos, incluindo os aliados dos EUA, Arábia Saudita, Paquistão, Omã, Kuwait, Qatar, Emirados Árabes Unidos, Bahrein...

A guerra económica contra a China

Do ponto de vista da RPCh, todos os conflitos que os Estados Unidos promovem direta ou indiretamente, recorrendo à ingerência, agressão e guerra civil, fazem parte de um plano estratégico para reconquistar o hegemonismo americano. A fusão do complexo militar-industrial com a oligarquia financeira, do petróleo, do imobiliário e do negócio dos media criou uma profunda divisão social onde 1% dos americanos controlam 93% do PIB _ Produto Interno Bruto - e o orçamento dos dois partidos hegemónicos depende do seu financiamento. Mas todas as tentativas de introduzir responsabilidades e sanções contra a China, relacionadas com a guerra na Ucrânia, falharam. E é uma má ideia tentar provocar uma recessão na economia chinesa, quando os EUA e a União Europeia podem entrar em recessão.

Na perspetiva da China, um mundo dividido por confrontos de blocos, com conflitos táticos militares, a supremacia dos negócios sobre o ambiente e os Direitos Humanos, são o cerne da economia política dos EUA, tragicamente comprovada pela comparação da mortalidade do COVID19, um milhão e quarenta mil óbitos nos EUA, cinco mil e duzentos falecidos na RPCh.

A  China recusa o caminho da NATO de uma nova corrida ao armamento e conclama os países de distintos regimes políticos, a construírem em paz e cooperação um futuro comum para a Humanidade.

A China defende a integridade da Ucrânia, o direito da Ucrânia de escolher a integração na UE_ Mas, senhora Von Leyden, não adiando a adesão para as calendas gregas! E reconhece o direito da Federação Russa de garantir a segurança da sua nação, assumindo, com as Nações Unidas, a posição de mediador da paz que a UE comprometeu.

A implementação do Acordo de Investimento Global China-UE (CAI) pode impactar a Ucrânia e todos os países euro-asiáticos, envolvendo-os na construção de um futuro pacífico e comum, e apoiar a reconstrução sustentável da Ucrânia.

Do fundo do meu coração, desejo, para o novo ano dos povos da Ucrânia e da Rússia, em consonância com a política da China, paz e reconciliação.

31.12.2022 Lisboa,  António dos Santos Queirós.

 Professor. Investigador da Universidade de Lisboa

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