As questões relevantes a abordar foram:
· Vamos ter um “mundo novo” no pós-crise ou teremos um regresso (com ajustamentos) à realidade anterior?
· Nas possíveis mudanças assistiremos a um recuo da globalização com reforço dos espaços regionais (ou mesmo nacionais)?
· Numa economia em mudança (com a “revolução digital”) que sectores e atividades se vão reforçar ou emergir?
· E, de que modo os sectores em expansão se vão articular com os sectores “tradicionais”? Teremos uma economia a duas velocidades (dual)?
· Neste quadro que estratégia deve (pode) Portugal adotar?
· Que vantagens competitivas podemos (devemos) potenciar?
1. A
crise económica e financeira já lavrava antes da crise do COVID e, desta vez,
tendo a Alemanha como epicentro.
Nos EUA, no Japão e no Reino
Unido o crescimento económico assentou na expansão do crédito e na aumento da emissão de papel moeda, na sobre
produção de bens e serviços, e, particularmente nos EUA, à custa de incomensuráveis custos ambientais, repetindo
o ciclo infernal que se inicia com a política de expansão monetária, baixa de
juros e excesso de liquidez e conduz ao crescimento da dívida global e a nova
crise de sobreprodução e ao colapso do sistema financeiro.
Agravada pela saída dos capitais
da economia real, das empresas e mesmo dos bancos, para poderosos Fundos
Financeiros não escrutináveis, para a compra de obscuros “produtos derivados” e
títulos de Dívida Soberana , que não
criam nem mercado, nem postos de trabalho, nem inovação, nem impostos significativos…
O protecionismo americano
dirigido contra a economia da China, provocou colateralmente a contração do
comércio mundial e graves danos na economia da União Europeia, que tem na China
o seu principal mercado.
Nota: O PIB da China apenas
depende em 18,26% (2018), da exportação, numa tendência decrescente
que, no período de 10 anos baixou de 31,15% para aquele valor, ao contrário, o PIB europeu depende em grande
medida das exportações. Veja-se o caso
das suas maiores economias: a Alemanha, 38,71% (2019), França, 21,04% (2019),
Itália, 26,62%, Espanha, 23,94%, mas
não do Reino Unido, 16,61% (2019)
Como resultado: A Alemanha apresentava
um PIB estagnado e negativo em 2019
2. Abre-se
uma Nova Era de globalização, no plano político, económico e social deixou definitivamente de ser hegemonizada
pelos EUA e ganhou uma dimensão multipolar, enquanto, paradoxalmente, se materializou a integração da economia dos
EUA e da China. Portugal, porta atlântica da Rota da Seda da Eurásia
Segundo a
avaliação conjunta do FMI e do BM, desde 2011 que a China ultrapassou os
EUA em poder de compra comparado PPP (erradicação da pobreza em 2020, com um
balaço de 850 Milhões de cidadãos da RPCh retirados da pobreza, desde a sua
fundação em 1949), enquanto, sem o contributo do PIB da China, em
permanente crescimento, o mundo já teria entrado em recessão em 2016.
Pese embora as empresas
americanas do setor militar-industrial continuarem a liderar, em
áreas como a eletrónica, a robótica, a engenharia militar, a cibernética…e o
PIB nominal dos EUA continuar a ser o mais elevado e o pior distribuído do
mundo_ 1% dos americanos auferem de 93,5% do valor do PIB ( Fonte: Reserva
Federal dos EUA)
Esgotada e em crise a
globalização financeira, hegemonizada pelos EUA, o Reino Unido e o japão, abre-se uma Nova Era de globalização não
hegemónica, já anunciada pelos BRICS,
com os acordos de comércio e cooperação gerados pela da Nova Rota da Seda_
que na África e através do Forum on China-Africa Cooperation_FOCAC
se traduzem pela adesão de 53 dos 54 países africanos e na celebração de 37
acordos de cooperação estratégica com 37 desses países, com base no modelo da
Etiópia: criação de um HUB industrial,
tecnologicamente avançado e sustentável no plano ambiental. Na
Eurásia, esses acordos, criaram uma nova área de integração económica,
servida pelos Caminhos de Ferro, que nos dois sentidos, ligam as cidades
chinesas a Londres e Madrid em menos de duas semanas. E, mais recentemente, por
iniciativa da ASEAN Associação de Nações
do Sudeste Asiático (ASEAN), constitui-se a Parceria Económica Abrangente
Regional (RCEP, na sigla em inglês) é o maior acordo comercial do mundo em
termos de Produto Interno Bruto (PIB)_30%.
O sistema financeiro
internacional cavou a sua própria queda ao criar para si próprio um valor
artificial de dívida global ( pública,
empresarial, das famílias e mesmo dos pequenos bancos para com os maiores) que
ultrapassa em 286% o PIB mundial), através de obscuros produtos financeiros, a
manipulação das agências de rating, a desregulamentação da sua própria
atividade e a criação de um cartel dos maiores bancos privados mundiais, a
proliferação dos paraísos fiscais até no coração da própria Europa, como a City
de Londres ou o Luxemburgo e o controle dos governos e instituições ocidentais,
como a União Europeia e o FMI.
Os 17 bancos gigantes, que dominavam
a primeira globalização, assediados pela concorrência desleal dos Fundos
Abutre, em vez de exigirem uma regulação da sua atividade, optaram por copiar a
sua estratégia e métodos, despedaçando o
volante regulador da atividade financeira, que agora é uma locomotiva alucinada
em marcha cega para o desastre da próxima crise.
O que distingue a Nova Era da globalização da primeira vaga financeira, caraterizada pela desregulação do mercado financeiro ( com o emergir dos todo poderosos Fundos Abutre) e hegemonizada pelos EUA? Porque ganham superioridade os acordos dos BRICS, da Nova Rota da Seda, da RCEP, face aos tratados internacionais vigentes e as instituições que os governam_ FMI e Banco Mundial, hegemonizadas pelo capital dos EUA e o seu dólar?
A diferença, dos acordos BRICS,
Nova Rota da Seda, RCEP, que anunciam uma
Nova Era, reside, em primeiro lugar, no acesso ao comércio livre em pé de
igualdade tal como ao crédito a juros
baixos de todos os parceiros; segundo, no respeito pela decisão
soberana de cada um sobre a escolha dos seus projetos económicos estratégicos e
o modelo de regime de governação (com vários tipos de democracia); terceiro, na
posição da China como parceiro que não procura a hegemonia, porque abdica de
criar mecanismos que lhe podiam garantir essa hegemonia. Veja-se o caso do AIIB
The Asian Infrastructure Investment Bank (2015): a China anunciou que já foram
planeados mais de 1 trilião de yuan (US $ 160 bilhões E.U.) de projetos de
infraestruturas. O Banco tem um capital autorizado de US $ 100 biliões, dos
quais 75% serão provenientes de países asiáticos e da Oceânia. Mas a China,
detém apenas 26% dos direitos de voto.
A RCEP abre caminho para a criação
de uma zona livre de comércio, abrange dez economias do sudeste asiático
(Indonésia, Tailândia, Singapura, Malásia, Filipinas, Vietname, Birmânia,
Camboja, Laos e Brunei) mais a China, Japão, Coreia do Sul, Nova Zelândia e
Austrália, onde vivem mais de 2 mil milhões de pessoas. A Índia reservou a
opção de aderir a este acordo posteriormente.
Os países da Eurásia, desde o
leste da China até ao ocidente da Europa, estão a constituir um mercado
contíguo que cobre 60 países e 60% da população, 75% dos recursos energéticos e
60% do PIB, do mundo. Estima-se que dentro de dez anos o comércio em toda esta
região poderá superar US $ 2,2 triliões por ano.
A integração da economia dos
EUA e da China constitui a base da prosperidade de muitas grandes empresas
americanas Starbucks (SBUX), Boeing (BA) and Apple (AAPL, Tech30).
A China é um grande investidor nos EUA (e na União Europeia)
A economia americana é hoje uma economia militarizada, ao serviço da qual se têm multiplicado as intervenções militares e vai em crescendo a guerra económica contra os seus próprios aliados:
O apoio de alguns governos
europeus a estas intervenções colocou a Europa numa situação de “guerra de
baixa intensidade”, que o terrorismo representa.
A análise da política dos EUA
deveria iniciar-se tendo como referência a sua “Estratégia de Defesa Nacional”
e a sua estratégia de Segurança Nacional”, que, sendo do governo de Trump, já
era a do governo Obama, a qual proclama o estatuto dos EUA como potência
hegemónica que não pretende ceder o seu domínio. E a sua comparação com as suas
equivalentes, nomeadamente da China! ( Ver, General Wei Fenghe, Ministro da
Defesa Nacional e Conselheiro do Estado da República Popular da China,
2/6/2019, Discurso perante o 18º Diálogo Xangrilá, Global Times, Pequim.)
A Estratégia de Segurança
Nacional, ESN [National Security Strategy (NSS)] afirma que "China e Rússia
desafiam o poder, a influência e interesses dos EUA, tentando erodir a
segurança e a prosperidade dos EUA.
Os EUA aplicam hoje sanções a mais de 160
países que classificam como desafiadores do poder, a influência e interesses
dos EUA, ameaças à a segurança e a prosperidade dos EUA. Foi Obama que
classificou a Venezuela como ameaça à segurança nacional dos EUA!."
A Estratégia de Defesa Nacional,
EDN [National Defense Strategy (EDN)] do Governo Trump afirma que a China
"almeja a hegemonia regional no Indo-Pacífico no curto prazo, e a apear os
EUA para alcançar a hegemonia global no futuro."
O Governo Trump agravou esta
visão política classificando a Rússia como inimigo e em setembro de 2019
ameaçava com o bloqueio naval deste país, na área que conduz ao Médio Oriente;
a Rússia respondeu que tal bloqueio seria “uma declaração de guerra”. A nova
presidência americana avisa que o confronto económico com a China pode evoluir
para o nível do conflito militar! Kissinger, o experiente diplomata e
conhecedor da História, avisa que o caminho da guerra económica é do da guerra
mundial! O boicote económico do Japão, foi a causa estratégica do desencadear
da guerra em Pearl Harbour.
A guerra económica duma
potência que sabe ter perdido a superioridade na economia mas dispõe de
supremacia militar sobre todos os adversários, é um facto novo na história
moderna. As consequências deste facto, não são ainda totalmente
percetíveis, mas já levaram á guerra do petróleo contra a OPEP, lançada pelo
aliado Arábia Saudita, que provocou deliberadamente o dumping dos preços do
barril, devastando a economia da Rússia, do Irão, da Venezuela, mas também de
Angola…
A guerra económica, parece
evoluir para um confronto global, que não poupa sequer os aliados dos EUA. Recordo dois episódios recentes:
"Não permitir o
desenvolvimento das redes 5G da Huawei, representará pelo menos dois anos de
atraso para Portugal e para a Europa."
Os Estados Unidos têm rentado
bloquear a construção do novo oleoduto Torrente Norte-2, com ligação direta
entre a Rússia e a Alemanha, sem intermediários, seguindo uma estratégia de
boicote á economia dos países que considera inimigos ou adversários e dependem
da venda do seu petróleo e gaz, mas
também porque o setor de combustíveis fósseis se encontra atolado, com os
barcos e os depósitos a regurgitar, o que ainda há pouco provocou a venda
dessas reservas ao desbarato e mesmo com o ónus de as empresas produtoras
pagarem milhares de milhões de dólares para se livrarem do crude em excesso.
Enfim, não é verdade que tudo é
economia, mas, toda a economia é economia política!
4. A
origem do COVID. Consequência trágica da crise ambiental, que permanece. As
pandemias esquecidas e abafadas
O aparecimento de novos vírus, em
todo o mundo, em número crescente e com maior frequência, constitui um dos
resultados mais trágicos da crise ambiental e da quebra do equilíbrio dinâmico
dos ecossistemas naturais, sobretudo da destruição em larga escala dos habitats
selvagens.
Com a destruição desses habitats,
os vírus, de que são portadores há
centenas e milhares de anos os animais e as
aves selvagens, aproximam-se das comunidades humanas e só necessitam de
encontrar um hospedeiro entre os animais e as aves domesticadas , ou que coabitam
com os seres humanos, para lhes transmitir a infeção: foi assim com o SARS da
gripe das aves ainda no Hong Kong colonial, em 1968, mais recentemente em
África, com o Ébola (1976), com o HIV/SIDA que surgiu em 1985 nos EUA, ( sendo o macaco o hospedeiro comum), com o H1N1 ( que infetou suínos e aves,
criando um SARS misto) proveniente do México e dos EUA, em 2009/2012, outros
COVID na Arábia Saudita e depois nos
países do Médio Oriente, agora na China…mas, com uma diferença fundamental:
anteriormente a dimensão trágica dessas pandemias e a informação dos seu riscos
e caminhos de propagação, foi abafada: 1,2 milhões de mortos com o surto de Hong
Kong colonial, 32 milhões de falecidos com a SIDA, mais de 1 milhão vítimas do
H1N1, que se extinguiu apenas com a morte dos seus hospedeiros, mais de um
milhão de seres humanos… Devemos à abertura, sentido ético de defesa da Humanidade
e partilha irrestrita de informação científica, promovida pela RP da China
e ampliada pela OMS, o desvelar desta lado oculto da crise ambiental,
atualmente confinada e mediaticamente reduzida aos problemas do aquecimento
global.
A “economia política” tem de
criar as condições para a conservação da natureza e a recuperação dos
ecossistemas, o que significa transição ecológica e uma nova etapa da Civilização,
projeto político que, por agora, só a República Popular da China assume, para
um futuro comum.
5. Capitalização
do estado democrático e das empresas
Não sairemos da crise sem a renegociação
do dívida soberana ( moratórias, redução de juros e anulação parcial da dívida)
proposta pelo FMI e Banco Mundial, prometida pelo G 20 e aplicada pela China)
que conduza à sua redução global e dos
juros respetivos, em paralelo com a renegociação da dívida das empresas e das
famílias, de forma a levar a cabo, simultaneamente a capitalização do estado
democrático e das empresas, e a diminuir a pobreza, desenvolvendo o mercado
interno.
6.
Convergência democrática e unidade. Mão estendida e punho fechado. Federalismo
Monetário e Burocrático e Federalismo Democrático
Emmanuel Macron e Angela Merkel,
sublinhavam a importância que a Europa precisa dar à autossuficiência e a
necessidade de apostar numa frente
unida, numa estratégia de mão estendida e punho fechado face à futura
Administração norte-americana.
O Federalismo monetário e
burocrático da UE foi incapaz de enfrentar as novas pandemias e erradicar o
terrorismo. Mas o caminho para um Federalismo Democrático com características
europeias está fechado. É este debate
que temos de abrir.
Mas já hoje, Portugal precisa de
um projeto de convergência democrática e unidade que congregue mais do que a frente ampla
da esquerda, e estabeleça um programa comum com a direita democrática, que
represente os interesses da nação portuguesa e agregue aos partidos políticos
todas as forças sociais, para enfrentar as novas crises e levar a cabo a
transição ecológica da economia e a inovação ( Inovação e sustentabilidade são
as chaves de progresso apontadas pela China, não apenas no domínio da digitalização
da economia atual, mas sobretudo através da construção do que a China chama as 7 novas
infraestruturas, que incluem os grandes Data Center, mas também a Inteligência Artificial,
as Redes de Transporte Elétrico e dos CF de alta velocidade…). E reproduzir essa convergência democrática à
escala nacional numa escala europeia.
Se partirmos desta nova visão
estratégica, um tal programa comum pode materializa-se num conjunto de
propostas inovadoras de aliança social, que aqui exemplificamos, dando como
paradigma a de reforma democrática da Segurança Social, que noutro documento
desenvolverei, na sua relação com o problema da elevação dos salários face às
dificuldades atuais das empresas.
Essa proposta assenta no
escalonamento das quotizações atuais segundo
três níveis de salário, alto, médio e mínimo, a que corresponderão 11%, 7% e 5% de descontos, o que representa
uma elevação dos salários dos trabalhadores sem ónus para a entidade
empregadora. Enquanto a TSU patronal
passa a estabelecer-se não a partir de uma falaciosa igualdade percentual, mas
da faturação das empresas, mudança que exige desmontar os dogmas e falácias do
déficit da SS, de bloqueio da modernização, entre outros, substituindo a TSU_ Taxa
de Social Única por uma Contribuição de Responsabilidade Social _CRS, adaptada
ás variações do mercado, que não penalize as empresas criadoras de emprego,
antes valorize a contribuição do trabalho para a produção da riqueza social e
promova a longevidade das empresas.
Não é uma mudança política
irrealista. A gravidade da crise económica vai fazer acelerar a história no
nosso país, ainda mais no que na altura em que se construiu a aliança política
entre o PS, o PCP/Verdes e o BE, que não era “uma geringonça” (coisa tosca e
frágil que se vai desconjuntar), mas uma aliança política imposta pelo devir da
crise geral da nossa sociedade.
António dos Santos Queirós, 15.12.2020
A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal_ Forum dos Serviços organizou o 3º Encontro Webinar
Sem comentários:
Enviar um comentário