Negociações para uma paz justa, garantida pelo princípio da segurança indivisível e pela ONU
A resposta precisa de recorrer a
uma heurística negativa e a uma heurística positiva. E, em primeiro lugar,
compreender a política internacional da China, num contexto de confronto
geopolítico global
O recurso
crítico para entender o caminho chinês para uma Nova Era, é a filosofia
política, desde as suas raízes clássicas até às suas contribuições modernas. Se
olharmos para os últimos cem anos, a China deixou “florescer centenas de flores
e cem escolas de pensamento, rivalizar”, desde os Três Princípios do Povo, de
Sun Yat Sen à Ecocivilização de Xi. Mas dois princípios fundamentais definem permanentemente a
consciência nacional da China e a posição dos seus governos sobre a polícia
internacional: o respeito pela soberania e integridade territorial e a
coexistência pacífica.
Lao Zi escreveu que devemos respeitar as leis intrínsecas da natureza e das coisas. A agir sem forçar. O que significa, agir com a mínima interferência, mas com firmeza e sentido moral. E escreveu: "Quando o Tao está presente no Universo, os cavalos produzem estrume no campo. Quando o Tao está ausente do Universo, os cavalos de guerra são criados à porta das cidades. “ O homem violento, morrerá violentamente".
O caminho da paz cruza a política
dos cinco princípios da coexistência pacífica, de Mao e Chu En Lai: lembremos_
respeito mútuo pela soberania e integridade territorial, não agressão mútua,
não interferência nos assuntos internos uns dos outros, igualdade e cooperação em
benefício mútuo e convivência pacífica. Os Cinco Princípios da Coexistência Pacífica,
integrados no preâmbulo da Constituição
da República Popular de China, foram adotados pelo Movimento Não Alinhado, no
auge da Guerra Fria e reproduzido nos BRICS, na iniciativa Belt and Road e
estão presentes em todos os acordos internacionais da China.
Na ONU, desde 1991, a maioria das
abstenções da China e todos os seus vetos ocorreram em questões que envolvem
integridade territorial, principalmente sanções e a jurisdição do Tribunal
Penal Internacional, facto comprovado pela investigação internacional
independente, que concluiu: " Estes
votos correspondem diretamente à promoção da China dos Cinco Princípios, em
especial aos princípios do respeito mútuo pelo território e pela soberania e
pela não interferência mútua nos assuntos internos de outros Estados.”
"Salvaguardar a paz no
mundo" é também, uma das três tarefas históricas do caminho do socialismo
chinês, proclamado por Deng Xiao Ping, a
segunda, "Alcançar a Unificação da nação", aplicando o princípio de
“um país, dois sistemas”, e o terceiro, promover "O desenvolvimento Comum", com a
reforma e abertura.
A declaração política chinesa, após o diálogo
telefónico de 25 de fevereiro de 2022, quando o Presidente Xi Jinping falou com
o Presidente russo Vladimir Putin, postulava: "A China incentiva a Rússia a
resolver o conflito através de negociações com a Ucrânia. Há muito que a China mantém
a posição básica de respeitar a soberania e a integridade territorial de todos
os países e respeitar os propósitos e princípios da Carta das Nações
Unidas".
Sublinho: a posição básica de
respeitar a soberania e a integridade territorial de todos os países. E lembro o
Tao: agir sem forçar. O que significa, agir, com a mínima interferência, mas
com firmeza: a Rússia deve respeitar a soberania e a integridade territorial da
Ucrânia. E sentido moral: cumprir os propósitos e princípios da Carta das
Nações Unidas! A Rússia iniciou as primeiras negociações de paz, no dia
seguinte.
O discurso político também tem de ser amigável e contido. O
Presidente Xi acrescentou: "É importante rejeitar a mentalidade da Guerra
Fria e chegar a um mecanismo de segurança europeia através da negociação".
Em síntese: a China não apoia a guerra russa, mas não concorda com a escalada
das sanções, considerando que, pessoas inocentes são atingidas, as sanções não
respeitam o direito internacional, e podem empurrar o mundo para a recessão e o
caos económico. A metáfora da "mentalidade da Guerra Fria" é uma
referência crítica à continuação do avanço militar da NATO para leste,
admitindo que esse alargamento tem desafiado as linhas vermelhas estratégicas
da Rússia.
A China, paralelamente, propôs a Iniciativa Global de
Segurança para a Paz, introduzindo um novo princípio para a segurança
sustentável: o Princípio da Segurança Indivisível. O Presidente chinês, Xi
Jinping, manteve em 15 de junho uma conversa telefónica com o seu homólogo russo,
Vladimir Putin, e recentemente, conversações em pessoa. E a China não mudou a
sua posição de princípio. O presidente russo
afirma agora que apoia a Iniciativa Global de Segurança para a Paz
E, finalmente, mas não menos importante: Durante a 77ª Assembleias
da ONU, um dia antes do referendo, o Ministro dos Negócios Estrangeiros chinês,
numa reunião com o Ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano, afirmou que o
Presidente chinês, Xi Jinping, reafirma que a soberania e a integridade
territorial de todos os países devem ser respeitadas, os objetivos e os
princípios da Carta das Nações Unidas devem ser plenamente respeitados, as legítimas preocupações de segurança de
todos os países devem ser levadas a sério, e todos os esforços que conduzam à
resolução pacífica da crise devem ser apoiados.
A Iniciativa Global
de Segurança para a Paz e o Princípio da Segurança Indivisível
Este
princípio está em consonância com os princípios da ONU, está empenhado em
respeitar a soberania e a integridade de todos os países, defende a não
interferência nos seus assuntos internos e respeita os diferentes regimes
políticos e sociais escolhidos pela história dos seus povos.
É
uma nova arquitetura, para a paz perpétua, com que sonhava o filósofo alemão
Kant, que hoje pode passar para a realidade a partir das Nações Unidas e ser acompanhada
pelo desmantelamento progressivo dos pactos militares e pela redução
progressiva das armas de destruição em massa _ nuclear, química, biológica,
digital... A última declaração do representante da China na ONU, reforça esta
posição, a RPCh quer que todas as armas de destruição maciça sejam banidas.
O Plano dos EUA contra “a ameaça chinesa” e a Iniciativa Chinesa de
Desenvolvimento Global
No ano de 2021, dois documentos
estabeleceram duas estratégias opostas para o mundo.
A Iniciativa de Desenvolvimento
Global (GDI), proposta pela China na Assembleia das Nações Unidas em 2021, que visa
recuperar e concretizar a Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Sustentável, colocada em risco pela pandemia e pelos conflitos regionais, com
um forte contributo da China em todos os domínios críticos, da saúde à
transição ecológica.
O denominado
"Plano de Ação Estratégica face à China, para combater a ameaça colocada
pela República Popular da China "", da responsabilidade do
Departamento de Segurança Interna (DHS), dos EUA. Este plano é a chave para
entender a intensificação de campanhas hostis sobre Hong Kong, Xinjiang e
Taiwan, e incidentes como a suspeição em torno da tecnologia 5G. E explica
porque é que a China acusa os EUA de empurrar o sistema internacional para o
rumo da "dessínização", elevando o estatuto do G7 e desvalorizando a
importância do G20 e lançando novos acordos multilaterais que excluem a China,
como o QUAD e a Plataforma Económica Indo-Pacífico para a Prosperidade. O plano
americano anuncia a restrição e vigilância policial de todas as atividades e
cidadãos da China nos EUA e uma parceria global em todos os continentes,
incluindo o Ártico, mas também o espaço sideral, com a mesma intenção negativa.
O "Acordo Global UE-China sobre o Investimento" foi a primeira vítima
desse plano agressivo.
Este acordo pode sustentar a queda da
Europa
Quando o Acordo
De Investimento Global China-UE (CAI), após sete anos de negociações, foi
finalmente assinado em dezembro de 2020, Úrsula Von der Leyden, presidente da
Comissão Europeia-CE, sinalizou a sua importância estratégica para a União
Europeia, já a viver numa nova crise económica acelerada pela pandemia, porque
o CAI permitiria um "acesso sem precedentes ao mercado chinês".
Os chineses e os
europeus quiseram facilitar o acesso ao mercado e reduzir as barreiras ao
investimento, ajudando a recuperar a indústria e a economia europeias em
sectores como os transportes, os equipamentos de saúde, as telecomunicações...
No entanto, o
Parlamento Europeu decretou sanções contra os governantes de Xinjiang e a China
respondeu com sanções contra alguns funcionários da UE. Ao aplicar o Plano
contra a China, os líderes norte-americanos voltaram a usar a sua influência
sobre os partidos dominantes no Parlamento Europeu para suspender a ratificação
do acordo. Von Leyden foi silenciada.
O que realmente
acontece em Xinjiang? Uma zona piloto da ecocivilização! 19 embaixadores da Europa,
além do Japão, Canadá e Austrália enviaram cartas à Comissão de Direitos
Humanos da ONU criticando a política da China em Xinjiang em relação aos
muçulmanos uigures. 65 países, incluindo
os principais países muçulmanos, apoiaram a política chinesa em Xinjiang
através da carta de resposta dirigida referida Comissão , elogiando aquilo a
que chamam “as notáveis conquistas da China no domínio dos direitos humanos”. E
sublinham:
"Perante o grave desafio do
terrorismo e do extremismo, a China empreendeu uma série de medidas de combate
ao terrorismo e desradicalização em Xinjiang, incluindo a criação de centros de
formação e educação profissionais".
Nenhum dos países muçulmanos
apoia as acusações dos EUA. Lembro que o Comissão de Combate ao Terrorismo do
Conselho de Segurança das Nações Unidas registou 16 anos de ataques terroristas
em Xinjiang. A carta que apoia a China é
assinada pelos grandes países islâmicos,
incluindo os aliados dos EUA, Arábia Saudita, Paquistão, Omã, Kuwait, Qatar,
Emirados Árabes Unidos, Bahrein...
A guerra económica contra a China
Do ponto de
vista da RPCh, todos os conflitos que os Estados Unidos promovem direta ou
indiretamente, recorrendo à ingerência, agressão e guerra civil, fazem parte de
um plano estratégico para reconquistar o hegemonismo americano. A fusão do
complexo militar-industrial com a oligarquia financeira, do petróleo, do
imobiliário e do negócio dos media criou uma profunda divisão social onde 1% dos
americanos controlam 93% do PIB _ Produto Interno Bruto - e o orçamento dos
dois partidos hegemónicos depende do seu financiamento. Mas todas as tentativas de introduzir responsabilidades e sanções
contra a China, relacionadas com a guerra na Ucrânia, falharam. E é uma má
ideia tentar provocar uma recessão na economia chinesa, quando os EUA e a União
Europeia podem entrar em recessão.
Na
perspetiva da China, um mundo dividido por confrontos de blocos, com conflitos
táticos militares, a supremacia dos negócios sobre o ambiente e os Direitos
Humanos, são o cerne da economia política dos EUA, tragicamente comprovada pela
comparação da mortalidade do COVID19, um milhão e quarenta mil óbitos nos EUA,
cinco mil e duzentos falecidos na RPCh.
A China recusa o
caminho da NATO de uma nova corrida ao armamento e conclama os países de
distintos regimes políticos, a construírem em paz e cooperação um futuro comum
para a Humanidade.
A China defende a integridade da Ucrânia, o direito da
Ucrânia de escolher a integração na UE_ Mas, senhora Von Leyden, não adiando a
adesão para as calendas gregas! E reconhece o direito da Federação Russa de
garantir a segurança da sua nação, assumindo, com as Nações Unidas, a posição
de mediador da paz que a UE comprometeu.
A implementação do Acordo de Investimento Global China-UE
(CAI) pode impactar a Ucrânia e todos os países euro-asiáticos, envolvendo-os na
construção de um futuro pacífico e comum, e apoiar a reconstrução sustentável
da Ucrânia.
Do fundo do meu coração, desejo, para
o novo ano dos povos da Ucrânia e da Rússia, em consonância com a política da
China, paz e reconciliação.
31.12.2022 Lisboa, António dos Santos Queirós.
Professor. Investigador da Universidade de
Lisboa
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