A Agonia do mundo rural e as suas causas


25 de Agosto de 2022
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Leia aqui o artigo em formato alargado:

As causas dos incêndios, fogo posto, acidental ou natural, são assunto relevante, mas não explicam a sua dimensão catastrófica. A informação oficial de que 70% dos incêndios de 2002, têm origem negligente, carecem de uma comprovação escrutinável: quem e como estudou as causas de mais de 7000 incêndios? Em qualquer caso, é a sua dimensão trágica que não pode ser escamoteada. A causa primeira das tragédias provocadas pelos incêndios, é o abandono do mundo rural pelos governos centrais, no quadro económico de uma economia de mercado liberalizada e desregulada.

O desenvolvimento desigual dos centros urbanos e das regiões rurais, é comum aos dois tipos de economia de mercado das sociedades atuais: a economia de mercado capitalista e a economia de mercado socialista. A diferença, é que na segunda, quando o mercado falha, o governo intervém. O contrário da trajetória da nossa democracia, em que o Ministério da Agricultura desapareceu dos campos de Portugal e o Ministério do Ambiente foi desmantelado e confinado às suas sedes administrativas.

A causa primeira das tragédias provocadas pelos incêndios, o abandono do mundo rural pelos governos centrais, começou no regime fascista, e conduziu ao ermamento das aldeias pela emigração, acompanhado pelo crescimento insustentável das plantações industriais monoespecíficas _ pinheiro-bravo e eucaliptal. Pelas mesmas razões, já em democracia liberal, seguiu-se o ermamento das vilas e das pequenas cidades, apesar da chegada tardia de melhores serviços nacionais de educação, saúde, comunicações rodoviárias e digitais, e do aumento da habitação social. O desaparecimento dos serviços de extensão rural, a decadência dos mercados municipais e das cooperativas agrícolas, face à concorrência das grandes superfícies comerciais, aceleraram todo o processo.

Primeiro encerraram as escolas primárias. Depois os postos médicos e os lares nas freguesias. Mas ninguém se importou com isso no Terreiro do Paço e nas Comissões de Coordenação Regionais, aliás, sem poder suficiente para suster cada ciclo de derrocadas. Depois fecharam bancos, consultórios de advogados e médicos. Os centros comerciais chegaram a cada sede de concelho, e fecharam mais lojas do comércio local. Entretanto, as grandes empresas da celulose vieram em força, compraram terrenos baratos, alugaram os que quiseram, colocaram entre si e os pequenos proprietários, uma nova classe de empreiteiros, e impuseram a todos os seus preços congelados, tal como fizeram outras, vendedoras de paletes…concentraram a propriedade e criaram um cartel tão poderoso como nunca existira no país.

E vieram os empresários e empresas estrangeiras para comprar quintas no Douro, constituir novos latifúndios no Alentejo, consumindo hoje o solo e a água que faltará manhã, talvez em menos tempo do que uma geração. E contrataram novos proletários rurais, vindos dos confins da Ásia, sobre explorados e não só a Sul….Mais de 65% da terra alentejana  caiu em mãos de empresas estrangeiras, que vêm sendo substituídas por obscuros Fundos Financeiros, cobrindo a paisagem de extensos olivais e amendoais, mecanizados,  sujeitos aos agentes químicos, num ciclo crescente de  poluição que se estendeu  às produções agrícolas vizinhas e aos lençóis freáticos, empobreceram e reduziram ainda mais a profundidade do solo…Fenómeno a que o Douro já assistia, nas suas quintas seculares…

Os excursionistas estrangeiros, de passagem pelas regiões rurais, foram confundidos com turistas, mas à noite continuaram a regressar às cidades e às regiões onde aterraram. E vieram pequenos grupos de estrangeiros, por sua conta, sem qualquer programa de apoio e incentivo à sua imigração cultural e profissional

Foi então que se intensificaram os incêndios trágicos, e os seus ciclos de destruição e morte, prevalecendo o mito de que tudo seria resolvido com a limpeza e boa gestão de eucaliptais e pinhais…eucaliptais das celuloses que arderam também, e em grande, se o termo de comparação for feito entre plantações de eucaliptos sob sua gestão e as outras, e não usando a comparação falaciosa com as áreas globais ardidas, os mal caraterizados matos, maioritariamente.

Quando a mensagem devia ser reabilitar ecologicamente áreas ardidas, degradadas ou subaproveitadas através da adequada gestão da vegetação e da plantação e manutenção de árvores e arbustos nativos da região, para que haja controle da erosão do solo, regulação hídrica e filtração da água, a reciclagem de nutrientes, a formação de solo, o sequestro de carbono. E Turismo de Natureza e Turismo em Espaço Rural, que com o Turismo Cultural, constituem o novo paradigma de Turismo Ambiental, aquele que tem capacidade para atrair o turista internacional da classe média e média alta, geradora das principais mais-valias

Esta agonia, este progresso efémero_ à luz do tempo histórico e não da espuma dos dias, cria emprego e rendimentos, para os homens e mulheres que continuam a viver no mundo rural e não têm outra escolha. Mas compromete o presente e o futuro.

A crise ambiental, que não é apenas de aquecimento global ( mas também poluição, destruição da biodiversidade, avanço dos desertos, secas, degelo dos polos, novas pandemias…) e se manifesta por fenómenos extremos, que vão das trovoadas secas aos furacões de fogo, encontrou o nosso mundo rural do Norte e Centro em agonia, defendido apenas quando a tragédia humana e ambiental não podem ser ignorados e constituindo sempre um tema oportunista para a propaganda vendida pelos donos da comunicação social e pelos donos do poder político.

O imperativo estratégico de reflorestar as nossas serras com as espécies autóctones (Ver os artigos de Jorge Paiva ou Paulo Pimenta de Castro) , não apenas os carvalhais milenares, bosques de Teixos e outros de que falava Estrabão_ Uma águia que atravessasse os Pirenéus em direção ao mar voaria sempre sobre uma mancha contínua de Quercus, mas também dessas outras árvores que os povos serranos plantaram para o seu magro mas sustentável viver, soutos, salgueirais, freixiais, amiais…pois é nas bacias hidrográficas que se joga o destino dos rios, que alimentam as barragens de onde bebem as cidades e se alimentam as atividades agropecuárias.

E a importância de preservar os habitats onde vivem as espécies selvagens, erradamente confundidos como matos incultos, também nesse processo ganha relevância: os pombos bravos, exterminados, semeavam os teixos, os gaios os carvalhos…Aqui, na Estrela, do sopé até aos cumes glaciados, três bacias hidrográficas encontram a sua mãe de água: a do Mondego; a do Zêzere-Tejo e a do Côa-Douro.                                                                   

Esta reflorestação é apenas uma parte do programa de renascimento agro/silvo/pastoril, que terá de ser da responsabilidade do governo da República, por assumir importância nacional e envolver investimentos em capital/terra, de grande monta e retorno a longo prazo, mas com externalidades que beneficiarão o público e o privado, e todas as classes sociais, a que chamamos povo.        

Já em 2019, a Comissão Independente para a Descentralização, liderada por João Cravinho e pluripartidária, defendeu a criação de regiões administrativas em Portugal e a realização de um novo referendo à regionalização, ao concluir que, “nos últimos anos, o grau de centralismo das decisões públicas em Portugal acentuou-se de forma significativa, com a crescente debilitação das entidades da administração central presentes nas regiões.”         

Necessita de ser acompanhado por um programa de repovoamento e, provavelmente de uma reforma política democrática e constitucional que está por cumprir, a regionalização com caraterísticas portuguesas, com autonomia financeira e duas Câmaras, um Senado regional onde tenham assento os presidentes de Câmara eleitos e uma Assembleia Regional com deputados eleitos por sufrágio universal-regional.                                             

 A emergência ambiental e a agonia do mundo rural

 Exigem medidas imediatas, democráticas:

_ A criação de uma entidade reguladora do mercado florestal.

_ A Forças Aérea a tutelar o combate aéreo aos fogos e a criação de uma força militar permanente, um regimento especializado ou mista, com a GNR/GIPS.

_ Que o governo central compre e alugue, aos proprietários, incluindo os pequenos, (por 50 ou mais anos) e às comissões diretivas dos baldios, às juntas e câmaras, às empresas…(ao fim de três cortes, os eucaliptais tornam-se improdutivos…) a terra necessária para criar largas faixas de folhosas, quercíneas e outras espécies resilientes ao fogo, que protejam as aldeias e os campos cultivados, protejam e contenham eucaliptais e pinhais, através de planos regionais elaborados a partir das Comissões Intermunicipais ( Como exemplo:  FUTURO – projeto das 100.000 árvores na AM do Porto) e das estruturas do ICN, que precisam de ser reforçadas. E que o mesmo processo se desenvolva, através de negociação, com as grandes empresas de celulose, papeleiras e madeireiras, a exemplo do que, por imperativo legal, já sucede com as faixas de proteção das redes de distribuição de energia. A diminuição dos custos de combate aos incêndios, compensará largamente este investimento, que não está ao alcance de autarquias, de um débil tecido empresarial e de uma população envelhecida, que com o seu trabalho secular e emigrante, desbravou a terra e depois a comprou aos proprietários feudais e absentistas. O suposto problema do minifúndio, é uma falácia insidiosa.

_Que o governo central, através do Ministério da Agricultura, trace um plano específico de apoio e fomento, para repovoar o mundo rural, dirigido aos cidadãos das cidades, inclusivo para os estrangeiros que vieram espontaneamente e ampliado através da emigração planeada_ sob o signo de novos agricultores, de qualquer idade, silvicultores, criadores de gados e de novas profissões e empresas.   

São reformas democráticas mínimas, quando precisamos de um estado democrático mais forte nas regiões rurais, por causa dessa lei de desenvolvimento desigual do mercado. Necessitam de ser acompanhadas, se é que ainda vamos a tempo, de uma reforma política democrática e constitucional que está por cumprir, a regionalização com caraterísticas portuguesas, com autonomia financeira e duas Câmaras, um Senado regional onde tenham assento os presidentes de Câmara eleitos e uma Assembleia Regional com deputados eleitos por sufrágio universal-regional.  (Ver o artigo: A Síndrome da Avestruz)                                           

 

21.08.22

António dos Santos Queirós.

Professor e Investigador, Universidade de Lisboa

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