As causas dos incêndios, fogo posto,
acidental ou natural, são assunto relevante, mas não explicam a sua dimensão
catastrófica. A informação oficial de que 70% dos incêndios de 2002, têm origem
negligente, carecem de uma comprovação escrutinável: quem e como estudou as
causas de mais de 7000 incêndios? Em qualquer caso, é a sua dimensão trágica
que não pode ser escamoteada. A causa primeira das tragédias provocadas pelos
incêndios, é o abandono do mundo rural pelos governos centrais, no quadro
económico de uma economia de mercado liberalizada e desregulada.
O desenvolvimento desigual dos centros
urbanos e das regiões rurais, é comum aos dois tipos de economia de mercado das
sociedades atuais: a economia de mercado capitalista e a economia de mercado
socialista. A diferença, é que na segunda, quando o mercado falha, o governo
intervém. O contrário da trajetória da nossa democracia, em que o Ministério da
Agricultura desapareceu dos campos de Portugal e o Ministério do Ambiente foi
desmantelado e confinado às suas sedes administrativas.
A causa primeira das tragédias provocadas
pelos incêndios, o abandono do mundo rural pelos governos centrais, começou no
regime fascista, e conduziu ao ermamento das aldeias pela emigração,
acompanhado pelo crescimento insustentável das plantações industriais
monoespecíficas _ pinheiro-bravo e eucaliptal. Pelas mesmas razões, já em
democracia liberal, seguiu-se o ermamento das vilas e das pequenas cidades,
apesar da chegada tardia de melhores serviços nacionais de educação, saúde,
comunicações rodoviárias e digitais, e do aumento da habitação social. O
desaparecimento dos serviços de extensão rural, a decadência dos mercados
municipais e das cooperativas agrícolas, face à concorrência das grandes
superfícies comerciais, aceleraram todo o processo.
Primeiro encerraram as escolas primárias.
Depois os postos médicos e os lares nas freguesias. Mas ninguém se importou com
isso no Terreiro do Paço e nas Comissões de Coordenação Regionais, aliás, sem
poder suficiente para suster cada ciclo de derrocadas. Depois fecharam bancos,
consultórios de advogados e médicos. Os centros comerciais chegaram a cada sede
de concelho, e fecharam mais lojas do comércio local. Entretanto, as grandes
empresas da celulose vieram em força, compraram terrenos baratos, alugaram os
que quiseram, colocaram entre si e os pequenos proprietários, uma nova classe
de empreiteiros, e impuseram a todos os seus preços congelados, tal como
fizeram outras, vendedoras de paletes…concentraram a propriedade e criaram um cartel
tão poderoso como nunca existira no país.
E vieram os empresários e empresas
estrangeiras para comprar quintas no Douro, constituir novos latifúndios no
Alentejo, consumindo hoje o solo e a água que faltará manhã, talvez em menos
tempo do que uma geração. E contrataram novos proletários rurais, vindos dos
confins da Ásia, sobre explorados e não só a Sul….Mais de 65% da terra
alentejana caiu em mãos de empresas
estrangeiras, que vêm sendo substituídas por obscuros Fundos Financeiros,
cobrindo a paisagem de extensos olivais e amendoais, mecanizados, sujeitos aos agentes químicos, num ciclo
crescente de poluição que se estendeu às produções agrícolas vizinhas e aos lençóis
freáticos, empobreceram e reduziram ainda mais a profundidade do solo…Fenómeno
a que o Douro já assistia, nas suas quintas seculares…
Os excursionistas estrangeiros, de
passagem pelas regiões rurais, foram confundidos com turistas, mas à noite
continuaram a regressar às cidades e às regiões onde aterraram. E vieram
pequenos grupos de estrangeiros, por sua conta, sem qualquer programa de apoio
e incentivo à sua imigração cultural e profissional
Foi então que se intensificaram os
incêndios trágicos, e os seus ciclos de destruição e morte, prevalecendo o mito
de que tudo seria resolvido com a limpeza e boa gestão de eucaliptais e
pinhais…eucaliptais das celuloses que arderam também, e em grande, se o termo
de comparação for feito entre plantações de eucaliptos sob sua gestão e as outras,
e não usando a comparação falaciosa com as áreas globais ardidas, os mal
caraterizados matos, maioritariamente.
Quando a mensagem devia ser reabilitar
ecologicamente áreas ardidas, degradadas ou subaproveitadas através da adequada
gestão da vegetação e da plantação e manutenção de árvores e arbustos nativos
da região, para que haja controle da erosão do solo, regulação
hídrica e filtração da água, a reciclagem de nutrientes, a formação de solo, o
sequestro de carbono. E Turismo de Natureza e Turismo em Espaço Rural, que com
o Turismo Cultural, constituem o novo paradigma de Turismo Ambiental, aquele
que tem capacidade para atrair o turista internacional da classe média e média
alta, geradora das principais mais-valias
Esta agonia, este progresso efémero_ à luz
do tempo histórico e não da espuma dos dias, cria emprego e rendimentos, para
os homens e mulheres que continuam a viver no mundo rural e não têm outra
escolha. Mas compromete o presente e o futuro.
A crise ambiental, que não é apenas de
aquecimento global ( mas também poluição, destruição da biodiversidade, avanço
dos desertos, secas, degelo dos polos, novas pandemias…) e se manifesta por
fenómenos extremos, que vão das trovoadas secas aos furacões de fogo, encontrou
o nosso mundo rural do Norte e Centro em agonia, defendido apenas quando a
tragédia humana e ambiental não podem ser ignorados e constituindo sempre um
tema oportunista para a propaganda vendida pelos donos da comunicação social e
pelos donos do poder político.
O imperativo estratégico de reflorestar as
nossas serras com as espécies autóctones (Ver os artigos de Jorge Paiva ou
Paulo Pimenta de Castro) , não apenas os carvalhais milenares, bosques de
Teixos e outros de que falava Estrabão_ Uma águia que atravessasse os Pirenéus
em direção ao mar voaria sempre sobre uma mancha contínua de Quercus, mas
também dessas outras árvores que os povos serranos plantaram para o seu magro
mas sustentável viver, soutos, salgueirais, freixiais, amiais…pois é nas bacias
hidrográficas que se joga o destino dos rios, que alimentam as barragens de
onde bebem as cidades e se alimentam as atividades agropecuárias.
E a importância de preservar os habitats
onde vivem as espécies selvagens, erradamente confundidos como matos incultos,
também nesse processo ganha relevância: os pombos bravos, exterminados,
semeavam os teixos, os gaios os carvalhos…Aqui, na Estrela, do sopé até aos
cumes glaciados, três bacias hidrográficas encontram a sua mãe de água: a do
Mondego; a do Zêzere-Tejo e a do Côa-Douro.
Esta reflorestação é apenas uma parte do
programa de renascimento agro/silvo/pastoril, que terá de ser da
responsabilidade do governo da República, por assumir importância nacional e
envolver investimentos em capital/terra, de grande monta e retorno a longo
prazo, mas com externalidades que beneficiarão o público e o privado, e todas
as classes sociais, a que chamamos povo.
Já em 2019, a Comissão Independente para a
Descentralização, liderada por João Cravinho e pluripartidária, defendeu a
criação de regiões administrativas em Portugal e a realização de um novo
referendo à regionalização, ao concluir que, “nos últimos anos, o grau de
centralismo das decisões públicas em Portugal acentuou-se de forma
significativa, com a crescente debilitação das entidades da administração
central presentes nas regiões.”
Necessita de ser acompanhado por um programa de repovoamento e, provavelmente de uma reforma política democrática e constitucional que está por cumprir, a regionalização com caraterísticas portuguesas, com autonomia financeira e duas Câmaras, um Senado regional onde tenham assento os presidentes de Câmara eleitos e uma Assembleia Regional com deputados eleitos por sufrágio universal-regional.
Exigem
medidas imediatas, democráticas:
_
A criação de uma entidade reguladora do mercado florestal.
_
A Forças Aérea a tutelar o combate aéreo aos fogos e a criação de uma força
militar permanente, um regimento especializado ou mista, com a GNR/GIPS.
_
Que o governo central compre e alugue, aos proprietários, incluindo os
pequenos, (por 50 ou mais anos) e às comissões diretivas dos baldios, às juntas
e câmaras, às empresas…(ao fim de três cortes, os eucaliptais tornam-se
improdutivos…) a terra necessária para criar largas faixas de folhosas,
quercíneas e outras espécies resilientes ao fogo, que protejam as aldeias e os
campos cultivados, protejam e contenham eucaliptais e pinhais, através de
planos regionais elaborados a partir das Comissões Intermunicipais ( Como
exemplo: FUTURO – projeto das 100.000
árvores na AM do Porto) e das estruturas do ICN, que precisam de ser
reforçadas. E que o mesmo processo se desenvolva, através de negociação, com as
grandes empresas de celulose, papeleiras e madeireiras, a exemplo do que, por
imperativo legal, já sucede com as faixas de proteção das redes de distribuição
de energia. A diminuição dos custos de combate aos incêndios, compensará
largamente este investimento, que não está ao alcance de autarquias, de um
débil tecido empresarial e de uma população envelhecida, que com o seu trabalho
secular e emigrante, desbravou a terra e depois a comprou aos proprietários
feudais e absentistas. O suposto problema do minifúndio, é uma falácia
insidiosa.
_Que
o governo central, através do Ministério da Agricultura, trace um plano
específico de apoio e fomento, para repovoar o mundo rural, dirigido aos cidadãos
das cidades, inclusivo para os estrangeiros que vieram espontaneamente e ampliado
através da emigração planeada_ sob o signo de novos agricultores, de qualquer
idade, silvicultores, criadores de gados e de novas profissões e empresas.
São reformas democráticas mínimas, quando precisamos
de um estado democrático mais forte nas regiões rurais, por causa dessa lei de
desenvolvimento desigual do mercado. Necessitam de ser acompanhadas, se é que
ainda vamos a tempo, de uma reforma política democrática e constitucional que
está por cumprir, a regionalização com caraterísticas portuguesas, com
autonomia financeira e duas Câmaras, um Senado regional onde tenham assento os
presidentes de Câmara eleitos e uma Assembleia Regional com deputados eleitos
por sufrágio universal-regional. (Ver o
artigo: A Síndrome da Avestruz)
21.08.22
António
dos Santos Queirós.
Professor
e Investigador, Universidade de Lisboa
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