O abandono do Mundo Rural e da Regionalização
Francisco Caldeira Cabral, o pai da arquitetura paisagista em Portugal, escreveu há quase sessenta anos, na altura em que foi eleito presidente da Federação Internacional de Arquitetos Paisagistas, estas palavras proféticas:
É tempo de afirmar que se a cidade é indispensável à organização da sociedade e ao progresso da humanidade, se a indústria muito tem contribuído para facilitar a vida e lhe dar conforto, é da paisagem rural que depende a sobrevivência da humanidade, porque é ela com o mar, a única fonte de alimentos, a única fonte de água potável, e o último suporte de atividade biológica autónoma e equilibrada, indispensável à continuação da vida na terra. Por isso a atividade da Sociedade Rural é a única que continua a ser obrigatória, sendo todas as outras facultativas, quer a sociedade urbana-industrial se aperceba ou não desse facto
No debate
televisivo pré-eleitoral emergiram as carências comuns às cidades litorais e do
interior, mas os concelhos, vilas e aldeias, que estruturam o mundo rural foram
excluídas do debate político… o tempo do principal meio de comunicação social
está orientado para os maiores mercados comerciais e partidários, e é um
negócio, não um bem comum.
O discurso
do primeiro-ministro, que apontou a proximidade do mercado espanhol como uma
vantagem para os empresários do interior e a interioridade de Madrid como um
fator irrelevante para o seu desenvolvimento, mostra que conhece mal a história
peninsular e menospreza a dimensão da
crise social e ambiental que a agonia do mundo rural traz consigo: A vaga
promessa da criação de 25.000 postos de trabalho
pouco vale para conter o desaparecimento dos camponeses, a sangria da emigração
e o crepúsculo da baixa natalidade.
O líder do governo evoca Madrid,
mas não tira do seu historial as lições que permitiram transformar a atalaia
moirisca na capital do reino de Espanha. Madrid ganhou foral no início do séc. XIII e no séc. XIV
estatuto autonómico, onde só os regedores locais governavam. No séc. XVI, a
realeza assentou ali arraiais para os seus coutos de caça. Filipe II de Espanha
e I de Portugal, instalou na cidade a corte, recentrando a geografia do poder
real sob todas as nações da antiga Hispânia. Mas Madrid tinha-se tornado num
local sombrio e pestilento: a construção do seu Alcazar Real e depois dos
Palácios e Jardins modelados por Versalhes elevaram-na à condição de cidade
real europeia, mais tarde, centro industrial e da rede dos caminhos de ferro
que trouxeram consigo a idade moderna. E na Espanha democrática, tornou-se uma
Região Autónoma entre as autonomias.
Tiremos nós as lições:
Autonomia, sustentada com todos os
recursos políticos e económicos necessários.
O plano de desenvolvimento assumido
e suportado pelo poder central, participado, mas não cometido aos locais.
O comboio, como motor do
progresso, que regressa agora por razões ambientais, mas que hoje carece da
companhia dos aeroportos internacionais de proximidade às Regiões. O mercado já
não é Espanha, mas a União Europeia e mais longe. E o espaço, é espaço-tempo de
menos de uma hora, entre o aeroporto e o destino.
Autonomia, com o fracasso das
políticas de desenvolvimento do interior do país no que respeita ao mundo
rural, não quer dizer apenas reforço da descentralização e da municipalização,
mas também regionalização, para haver economia de escala.
As
Regiões Plano
Estratégia para aprofundar a democracia
política e promover o desenvolvimento harmonioso e sustentável do país
A fulanização
do debate é uma das formas da alienação política. E nem um só candidato às
eleições autárquicas associou o seu programa eleitoral à estratégia de criação
das Regiões. A exceção foi o discurso do líder do PCP em Viana de Castelo.
Um clamor
violento de sofismas antirregionalização ecoa ainda na nossa consciência
coletiva e nos meios de comunicação e redes sociais: A regionalização criaria mais
uma camada de burocratas gastadores. Não é possível estabelecer critérios para
definir a geografia regional. A criação de novos órgãos de representação
democrática seria uma duplicação que
iria retirar poder às autarquias…
Associar a regionalização
a uma estratégia para aprofundar a democracia política e promover o
desenvolvimento harmonioso e sustentável do país, através da criação das
Regiões Plano, pode evitar e ultrapassar esses riscos, com base em 8 princípios
1. A
criação das Regiões é um imperativo constitucional, há demasiado tempo adiado.
A responsabilidade partilhada, pela sua concretização, pertence ao Presidente
da República e à Assembleia da República, e ao Governo da República que dela
emana.
2. O
consenso estabelecido em torno da constituição das entidades regionais de
turismo, resolveu o problema da geografia das regiões.
3. A
história da democracia e do municipalismo nacional conferem à Regionalização em
Portugal uma natureza específica, que torna imperativo que a estrutura legal da
Região seja original, com características portuguesas: os municípios devem
estar diretamente representados, pelos seus presidentes, na sua Câmara Alta, ou
Senado Regional, enquanto a Câmara Baixa, ou Assembleia Regional, deve ser
eleita diretamente por todos os cidadãos eleitores, a partir de uma lista
nominal de candidatos.
4. O
Presidente do Governo Regional e os seus Secretários políticos, serão eleitos
por maioria simples na Assembleia Regional.
5. O
Senado Regional terá poder de aprovação e veto sobre o Orçamento e Plano de
Desenvolvimento Regional, proposto pelo Governo à Assembleia Regional.
6. Os
membros do Senado não serão remunerados, por desnecessário, já que possuem
vencimento e ajudas de custo próprias do exercício do seu mandato municipal.
7. Os
membros do Governo Regional poderão optar por receber um vencimento em
exclusividade que não pode exceder o salário médio regional, ou manter a sua
atividade profissional, devendo ser criado um Código de Érica que proíba
conflitos de interesses e incompatibilidades. Os membros das Assembleias
Regionais terão apenas direito às ajudas de custo equivalentes ao exercício de
funções de representação ao nível das Assembleias Municipais.
8. O
Governo da República assegura o orçamento autónomo através do orçamento nacional
e das fontes em uso na gestão pública, tal é o caso dos fundos comunitários.
Os custos de lançamento deste projeto devem
ser estruturados, ao longo dos anos, numa verba prevista pelo PRR - Plano de
Recuperação e Resiliência.
António dos Santos Queirós
Professor e Investigador. Universidade de
Lisboa
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