Iº Encontro dos Museus e Instituições de Ciência e Ciências das Saúde


Património, Ciência e Saúde

Intervir, Conhecer, Preservar e Valorizar


I Encontro dos Museus e Instituições de Ciência
e Ciências da Saúde da área metropolitana de Lisboa

8 e 9 de novembro de 2017, Museu da Farmácia, Lisboa

Entidades Organizadoras

Centro Ciência Viva de Sintra

Centro Hospitalar de Lisboa Central

Cruz Vermelha Portuguesa

Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto

Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, IP.

 Instituto de Higiene e Medicina Tropical 

Museu Egas Moniz – ULisboa

Museu da Farmácia

Museu da Saúde

Museu das Comunicações

Museu Nacional de História Natural e da Ciência – ULisboa

Museu São João de Deus

MC2P – Associação de Museus e Centros de Ciência de Portugal

Pavilhão 31 – Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa
Iº Encontro dos Museus e Instituições de Ciência e Ciências das Saúde

                Saúdo os promotores dos museus de saúde e agradeço-lhes e aos outros museus de ciência a realização deste Encontro, porque ele representa o primeiro grande movimento de construção de novas museografias, desde a difusão dos museus e centros de ciência na década de 90 e a sua organização na MC2P. (41 museus e centros de ciência).

Pretendo, de forma breve abordar três temas inspirados nos vossos debates e projetos: O Ensino Não-Formal. Os museus, estruturas orgânicas do turismo cultural. Os museus de terceira geração.

O Ensino Não-Formal

                Os museus e centros de ciência (com outros tipos de museus, os monumentos e os centros de interpretação) constituem a principal estrutura orgânica do ensino não-formal. Esta educação é complementar ao sistema de ensino e deve ser desenvolvida em articulação permanente com a educação formal e informal.

                Este tipo de ação educativa, embora implicando esforço como a educação formal, favorece particularmente o despertar da curiosidade científica e faculta o prazer e a alegria da descoberta.

                Os objetivos e as metodologias próprias das práticas educativas da educação não-formal _ observação, participação e interatividade, para promover a literacia científica, potenciam a autonomia e criatividade.

                Ao desenvolver esta reserva de potencialidades, competências e experiência em cada indivíduo, a aprendizagem por via da educação não-formal vai também ao encontro das necessidades da sociedade atual e do mercado de trabalho: sociedade da informação, do conhecimento científico e da cultura cibernética, da cidadania e do aprofundamento da democracia e da mobilidade transnacional.

                Frederico Schiller, nas suas cartas “Sobre a Educação Estética do Ser Humano, defendia que “O estudante deve aprender a seguir um objetivo, e, por amor a esse objetivo, a tolerar um meio penoso. Deve aspirar cedo ao prazer mais nobre que é o preço do esforço”. (Schiller,1795)

                Victor Weisskopf, aluno de Niels Bohr, comparava a arte da divulgação científica à “…interpretação arrebatadora de uma sonata de Beethoven…” e elevava-a ao mais alto reconhecimento social. (Weisskopf, 1987 )

Edutainment

                Na última década ganhou adeptos uma corrente educativa que defende que os aspetos essenciais do conhecimento científico podem e devem ser apreendidos sem esforço pelas crianças e jovens, como um entretenimento, visão traduzida no neologismo (em inglês) Edutainment, palavra constituída a partir da fusão de Education e Entrainment.

                O sucesso dos centros de ciência e outros centros de interpretação na atração do público, através do recurso a módulos participativos em que se procura a observação e manipulação por iniciativa do visitante, tem alimentado esta corrente. Sendo frequente a reivindicação da natureza participativa e interativa destes módulos, dois conceitos que aparecem muitas vezes como equivalentes mas são distintos, questão que abordaremos mais adiante. Em consequência, a avaliação dos visitantes incide sobretudo sobre a categoria subjetiva e afetiva da  “satisfação “, gostar ou não gostar.

                E ficamos a um passo da teorização do carater obsoleto da museologia do objeto, em que ele é elemento essencial e constitui as coleções exibidas no museu, opondo-lhe, em nome da modernidade, a museologia virtual ou das ideias, a qual dispensa o valor intrínseco dos objetos com valor museológico, substituindo-os por suportes tecnológicos da mensagem científica.

                Aqui recorremos ao legado do professor e pedagogo, Fernando Bragança Gil, fundador do Museu da Ciência e da MC2P, conhecedor infatigável e atualizado das realidades e experiências internacionais em matéria de literacia científica, para equacionar o problema:

“Sem negar a relativa importância dos aspetos lúdicos na educação científica, creio que uma aprendizagem sólida, que perdure, exige sempre, da parte de quem aprende, que se faça algum esforço de compreensão e retenção. Assim, em minha opinião, não se trata de afirmar que tudo pode ser apreendido sem esforço, mas de convencer as crianças e os jovens que vale a pena dar esse esforço pelas recompensas intelectuais e emocionais que isso lhes traz. É qualquer coisa de semelhante ao que se passa com a prática desportiva: não se obtêm bons resultados sem despender esforço; apenas pelo interesse que se tem por ela se está disposto a fazê-lo. Penso que o papel essencial dos centros de ciência perante a juventude não é dar-lhe a ilusão que ali se aprende ciência sem esforço, mas comunicar-lhe o interesse para que vença os bloqueios que sente na aprendizagem de certas matérias científicas e se disponha a estudá-las alegremente e sem o sentimento de hostilidade que, a esse respeito, até aí a dominava.” (F. Bragança Gil, 1998).

                Esta controvérsia assume uma importância decisiva para o presente e o futuro da museologia das ciências e da museologia em geral.  

                Apesar dos mestrados e cursos de pós-graduação de museologia concederem pouca atenção à museologia das ciências e das técnicas e à sua museografia específica, a academia permanece mais ligada às ciências dos outros patrimónios, uma parte dos grandes grupos empresariais e da administração pública e as exigências do mercado do turismo cultural em ascensão,  têm promovido a  salvaguarda, conservação, estudo e musealização do património científico e tecnológico, reconhecendo a sua importância como elemento educativo, complementar da escola, no que à formação científica respeita.

                Julgamos que é esta mais-valia que hoje importa evidenciar, já que cresce a tendência para reduzir a função educativa dos museus da ciências e da técnica, quer em favor da sua pragmática utilização como sala de visita ou palco de animações incaracterísticas, quer através da criação de tipologias híbridas e experimentalistas, que conduzem em regra a sacrificar o património científico e tecnológico, e a sua arquitetura original, em favor da instalação de módulos virtuais e espaços polivalentes.

                As tentativas de criar novos híbridos, substituindo as tipologias museológicas consolidadas em 300 anos de evolução dos museus_ desde as primeiras coleções nobiliárias de objetos e raridades da natureza, que a revolução liberal socializou, até ao emergir no século XX dos museus de ciência de primeira e segunda geração, em paralelo com os museus de arte e arqueologia, etnografia, etc., correspondendo à configuração e ampliação de novos domínios científicos e do conceito do património (s), pode conduzir à subalternização de um dos elementos da simbiose, tal é o caso, a título de exemplo, do conceito de museu de ciência associado ao conceito de museu de arte, problema que não se deve confundir com a interação e agregação das distintas museografias.

Os museus, estruturas orgânicas do turismo cultural

                A oposição entre turismo de massas, para designar as grandes movimentações turísticas contemporâneas e o turismo cultural e de natureza, que conceptualizamos como turismo ambiental, já não faz grande sentido, atendendo às mudanças de paradigma do mercado turístico internacional. A democratização e socialização da educação e da cultura e a evolução dos principais mercados do mundo resolveram a antiga oposição: O Turismo Cultural tornou-se um turismo de massas, tal como o Turismo de Natureza, na América como na Europa e na Ásia. E o Museu, de par com os monumentos, a sua principal estrutura orgânica.

                Na raiz desta mudança, está sobretudo a transformação do “gosto” da classe média, que envolve valores estéticos e morais. [1]

Rotas e Circuitos, Externalidades da economia do património

                São as Rotas e Circuitos do Turismo Cultural e de Natureza (Turismo Ambiental), integradas nos seus Destinos Turísticos, que geram as principais mais-valias, mas não são as estruturas que organizam essas Rotas e Circuitos, os museus, monumentos e parques, a recolher os maiores valores; a renda do turismo é recolhida externamente nas  Cadeias de Valor: alojamento, restauração, lojas e merchandising, transportes, animação, guionamento e agenciamento.

                A incompreensão deste paradoxo económico é a causa do conflito histórico entre turismo e desenvolvimento, mas também a chave da sua superação, particularmente na nossa época, em que emerge um novo paradigma do turismo, que denominamos, turismo ambiental, isto é, turismo cultural, de natureza, e em espaço rural.

                A função dos museus e monumentos como estruturas orgânicas do turismo ambiental, sobretudo da sua componente de turismo cultural, cria a necessidade de novas áreas de carreira profissional no seu organograma, orientadas para a gestão e o guionamento turísticos e, simultaneamente, a necessidade de formar os profissionais do setor turístico para aproveitar plenamente o seu potencial e qualificar os seus produtos e serviços, exigindo também nesse setor novos perfis profissionais.

Os Museus de 3ª geração

                Neste contexto, de mudança de paradigma científico, podemos estabelecer quatro marcos cruciais na evolução dos Museus (e Centros de Ciência), independentemente das diferenças e modelos que os conformam.

_ Conservatoire National des Arts et Métiers fundado na Revolução Francesa, em 1794 pelo Abade Grégoire;

_ Deutsches Museum, criação de Oskar von Miller, datado de 1903;

_ Palais de la Découverte, imaginado por Jean Perrin e aberto ao público durante a Exposição Universal de Paris de 1937;

_ o Exploratorium de S. Francisco, obra de Frank Oppenheimer, que só surgiria em 1969.

                Recorramos de novo à reflexão de Fernando Bragança Gil:

“De forma sintética, podemos dizer que as duas gerações de instituições  museológicas dedicadas à ciência e técnica põem em confronto a museologia do objeto – em que ele é essencial, justificando, por si só, a exibição – e a museologia das ideias que, embora não dispensando os objetos, estes são meros instrumentos ao serviço de uma mensagem científica que se pretende transmitir ao visitante.”

                A primeira geração de museus e não apenas de museus de ciência, privilegiou o princípio orgânico da contemplação dos objetos e exposições; a segunda geração de museus enfatizou o princípio da participação, através da manipulação dos módulos e experiências.

“De um modo muito esquemático, podemos dizer que os primeiros estão particularmente interessados na conservação e estudo das coleções de instrumentos à sua guarda, desvalorizando os restantes contextos museológicos a elas ligados; em sentido oposto os segundos só se interessam pela criação de exibições participativas, especialmente concebidas com o objetivo - pelo menos em princípio - de promover a sensibilização dos jovens para a ciência e a tecnologia. 

Em diversas ocasiões, tenho defendido a síntese desse dois tipos de instituições dedicadas à promoção da literacia científica através de uma 3ª geração de museus, para a conceção da qual as duas anteriores deverão contribuir de uma forma integrada.”

                Muitos museus de 1ª geração procuraram aproximar-se dos métodos e objetivos dos centros de ciência, através de alterações introduzidas nas exibições já existentes, ou pela introdução de novas galerias, sem perder de vista as razões museológicas que levaram à sua criação.

                Mas a questão central deste debate é provavelmente aquela que o professor Bragança Gil nos legou: o projeto de museus de 3ª geração, cuja relevância afeta todo o universo museológico.

                Considero que o seu princípio orgânico deve ser o da interatividade.[2] Tal significa que o visitante deve poder alterar as variáveis que constituem a base da experiência ou do módulo que lhe é apresentado, não apenas a jusante, na procura das soluções possíveis, mas a montante, alterando os dados da própria equação.

                Mas a produtividade deste princípio só terá significado se dispuser de informação interdisciplinar ou multidisciplinar pertinente. A pertinência é um atributo necessário, num mundo em que a informação se tornou incomensurável. Sendo outra condição, que tenhamos em conta os processos e recursos de comunicação adequados.

                Enfim e para nos aproximarmos de um projeto de investigação que ainda só deu os primeiros passos, a teoria da relatividade e a teoria quântica são os domínios científicos que abriram as fronteiras da nossa modernidade e a sua divulgação deverá ser incluída na missão dos museus e centros de ciência, mas não apenas neles, pois todas as cosmovisões culturais, incluindo as artes, sofreram influência direta ou indireta desta rotura com a cosmovisão naturalista, que baliza na arte o fim da mimesis.

O imperativo ético

                O paradigma da especialização científica e tecnológica, que fundamentava o mito do crescimento irrestrito, sofreu sucessivos abalos e abriu brechas, por onde irromperam novas abordagens das relações entre a natureza (hoje diremos, entre o ambiente e o desenvolvimento) e o progresso, e de onde emergiu o conceito da sustentabilidade, com um valor científico interdisciplinar mas também uma dimensão de ética social. Esta conceção científica ao conduzir a uma Filosofia nascida da observação e da leitura da paisagem e da síntese da Terra e do Homem que a habita e transforma (que designamos como «paisagem cultural», povoada de museus), mas ao mesmo tempo a ameaça degradar ou destruir, fundamenta a necessidade de uma nova cosmovisão ética, a da ética ambiental ou das éticas ambientais. A reflexão sobre a ética e a ciência deve pois ser incorporada na renovação da museologia das ciências e na sua museografia.

              E o terreno onde nascem os vossos projetos museológicos, as ciências da saúde, é um dos mais férteis para gerar uma nova Bióetica Global.

Obrigado, pela atenção. António dos Santos Queirós, Museu da Farmácia  09-11-2017



[1] Series de Investigación Iberoamericana en Museología. Año 1, Volumen 1"Os Museus e o Novo Paradigma do Turismo"
[2] Consultar “ El papel de los museos como las estructuras orgánicas de la Educación No-Formal”. III SIAM. Madrid. Págs. 55 a 64.

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