António dos Santos Queirós
Centro de Filosofia da Universidade
de Lisboa.
Alameda da Universidade
1600-214 Lisboa Portugal
Abstract
This paper discuss
the concepts of modern Ethics and Moral, putting in question the dominant
perspective that set the morale in the order of the rules and social
conventions and leave the ethics on the field of personal experience. They
follow a research line trying to discover the complex and dialectical connection
between ethics and moral.
This paper
analyses the contribution of the environmental philosophy from the twentieth
century Philosophy transformation and the historical contribution from the
Portuguese philosophy, from Bento (Baruch) de Espinosa (born in a Jew
Portuguese family); Antero de Quental, Portuguese philosopher from XIX century,
that built their Philosophy of Nature in a critical perspective of the thinking
of Ernest Haëckel; and Jorge de Sena philosophical poet and writer from the XX
century.
Their
analytic perspective is that the fundamental pushes of environmental philosophy
thinking, are the ethical issue and the moral problems.
Contrasting
with the history of philosophy, that the core problems are the human condition,
the environmental philosophy drive their thoughts to the “raison d ' être” of
the world and their phenomenology, without becoming a philosophy against the
man, because the nature of the Human being, the nature of all entities and
beings from the universe, coming from the same "star dust".
Modern
"Environmental Reason" was born, with a new categorical imperative to
the men’s action, beyond the Kantian principle conforming individual acts with
a universal law, configuring the human conduct within the limits that safeguard
the continuity of life and its diversity, a new ethical framework built by
Environmental Philosophy.
Our critical
essay postulates three fundamental theses:
1. The
environmental philosophy builds a new ontology shaped by the critique of
anthropocentrism…2. But, only their articulation with a new epistemology,
founded in the critique of ethnocentrism, could lead to a new ethics universal
theory. 3. However, those applied ethics, needs a new global political ethics elaborate
on the critique against political alienation.
Keywords: Environment, moral, ethics, alienation
Ética e Moral
A distinção wittgensteiniana entre a
ética e a moral é comum à generalidade das reflexões filosóficas contemporâneas,
situando a moral na ordem das normas e convenções sociais e remetendo a ética
para o plano da vivência pessoal.
Ora se a ética emerge da subjetividade e
da diversidade dos sujeitos individuais, como muito bem observa Cristina
Berckert, não tem valor universal.[1]
Mas porque não questionar este princípio
e, simultaneamente, no plano da moral e também no da ética, a sua natureza
comum de produto social, por mais singular, autónomo e original que pareça o
pensamento filosófico que o suporta, sem menorizar o discurso próprio da
filosofia? Porquê opor de forma irredutível subjetividade e valor universal?
Pergunta-se: A existência de valores morais universais pode ou não ser
reconhecida pela subjetividade de cada um e de todos os seres humanos,
como o tem vindo a ser o direito
internacional, dando origem a um novo paradigma ético, a diversas éticas
práticas e novas convenções morais subordinadas a uma bioética global?
A problematização desta aporia
conduz-nos a revisitar a história da filosofia, não numa lógica cronológica mas
dilemática.
O compromisso “de sabedoria prática” de
Ricoeur constitui-se como uma possibilidade real não apenas porque emana de
dois modelos de ação – o teológico aristotélico e o deontológico kantiano –
apenas formalmente separados, mas porque esses modelos partilham uma cultura e
uma sociedade comuns. E não se trata de substituir a reflexão filosófica pela
análise sociológica ou pela antropologia cultural. Situamo-nos no discurso
filosófico,
identitário da filosofia e, portanto, distinto do discorrer literário ou
da análise conceptual ou psicológica. Mas, dizemos nós, tal não significa que o
discurso filosófico não possa coexistir ou atravessar outros discursos, como o
das artes e da política, e por aqui chegaremos à filosofia política.
Na teleologia aristotélica, a simbiose
entre os planos ontológico, antropológico e ético resulta da própria natureza
humana, que possui em si mesmo a razão virtuosa para agir prudentemente pelo
bem e atingir a felicidade (eudaimonia).
A virtude suprema é a sabedoria (sóphos)
que conduz à contemplação. A prudência eleva o homem à condição de governante
da cidade e confere-lhe superioridade moral, porque reune em si a dimensão
ética e política; mas a contemplação já é da esfera do divino. O Homem aristotélico
não é apenas uma abstração filosófica, mas também um cidadão; o seu pensamento
constrói uma ponte entre estas duas dimensões, a filosofia da existência e a
filosofia política.
Quando a filosofia de Descartes anuncia
a sua visão da modernidade do pensamento Humano, o emergir de um sujeito
autónomo que pensa e age usando a razão, a cisão entre o ser humano e a
natureza não se torna inevitável, antes resulta da escolha dilemática do (s)
filósofo (s).
Se o caminho fica aberto para estudar a
natureza como objeto da ciência, para descobrir as leis mecânicas inscritas por
Deus no cosmos, o elevar do homem acima da natureza, para que reine sobre os
seres e as coisas por atribuição do Criador, é do domínio da religião e da
política mercantil, e da subordinação da filosofia aos seus dogmas e interesses.
Surge nos alvores do mercantilismo, como uma necessidade social.[2]
O vazio moral, que a filosofia cartesiana
não preenche, não é consequência inevitável do abandono da conceção divina da
unidade ontológica, antropológica e ética da natureza humana; mesmo na
filosofia clássica ocidental, ao lado do pensamento aristotélico, outras
conceções da moral emergiram despojadas de fundamento religioso, mas sem nunca
se tornarem dominantes. Tal foi o caso da Epicuro, de cuja obra conhecemos
apenas alguns fragmentos, que é singularmente moderna no seu apelo ao altruismo
na relação com o outro e face à propriedade dos bens materiais, no assumir da
igualdade de género nos jardins da filosofia e do reconhecimento do sentido da
vida através da libertação da heurística do medo… da morte.
Ou, a oriente, a moral confucionista e a
moral taoísta na China. [3]A
doutrina fundada por Confúcio preconizava a aplicação dos códigos éticos e
rituais para orientar a comunidade na sua conduta e fazer com que os seus
membros se amassem e respeitassem uns aos outros, e para restaurar a ordem da
sociedade e da família, baseadas num sólido sistema hierárquico. Neste sistema
moral, Jen (Compaixão ) e Yi (Deveres morais), prevalecem sobre o Li (interesse/benefício).
O Taoismo
filosófico, a escola filosófica
baseada nos textos Dao De Jing (道德 经)
atribuídos a Lao Zi e Zhuangzi
(庄子) , e o seu tian-dao ou "caminho da
natureza", preferem ao normativo da regra uma espécie de autodisciplina
espiritual que enfatiza a autonomia do ser consciente e a sua
unidade com a natureza universal
e conduz o Homem a agir de acordo os
Três Tesouros morais: compaixão, moderação e humildade.
De regresso ao advento da idade moderna,
o pensamento de Bento de Espinosa supera aquela dicotomia, entre a
subjetividade e a natureza, sem quebrar a sua unidade; o conceito de extensão
das categorias de Deus Substância e Deus Natureza, unifica o ser e o dever, sem
colocar o Homem acima da natureza e sob o seu domínio. Tão pouco lhe nega a
autonomia da razão que Kant elevaria a um grau superior; ao contrário, é essa
potência libertadora da racionalidade e da autonomia humanas, na unidade da
Substáncia-Natureza, que não lhe consente nenhum estatuto de privilégio. E se esta visão singular da condição humana
provocou o ódio sectário e irracional da inquisição judaica, transportou o
pensamento de Espinosa para a nossa própria modernidade, isto é, para situar o
Homem fora da esfera antropocêntrica, em que o colocaram a maioria das escolas
filosóficas ocidentais e médio-orientais e as suas maiores religiões, a cristã,
a judaica e a muçulmana.
Escrevemos anteriormente:
“Desde
a publicação das páginas da Ética de Espinosa, que na filosofia se justapõem
duas conceções do mundo: o Universo da Imaginação, dominado pela conceção
antropomórfica de Deus, na continuidade da representação aristotélica-escolástica
do mundo e o universo da razão, que, naquele filósofo, é a manifestação de um
outro conceito de Deus, substância única ou Natureza naturante e também a razão inteligível, da natureza naturada.”
“O Deus de Espinosa, isto é, a Substância ou Natureza não é o Ser
omnisciente, omnipotente, criador e transcendente ao mundo, todo
misericordioso, Senhor dos Céus e dos Infernos e Supremo Justiceiro do Juízo
Final.
A sua conceção do mundo, não se fundamenta nas crenças ou nos
dogmas das igrejas e do seu ideário de Revelação. O sentido da vida é imanente
à própria natureza humana e o destino do homem consiste em adequar o seu
pensamento e ação à ordem universal que é imanente ao mundo. A existência
ontológica dos seres e a fenomenalidade do universo são os modos de
manifestação de um ser único ontologicamente infinito, mas com uma infinidade
de atributos, dos quais nós, seres humanos, apreendemos essencialmente dois: o
Pensamento, ou razão da inteligibilidade das coisas e a Extensão ou realidade material,
isto é, a natureza naturada.
Esta ontologia e esta epistemologia, este panteísmo de razão que
não de representação da Natureza, que configuram a sua conceção do universo,
tornam-se inseparáveis da eticidade da Vida
e custaram a Espinosa a excomunhão e o epíteto inquisitorial de “vómito do inferno”. “O
inferno são os outros”, escreveu no século XX Sartre. O “Inferno somos nós próprios”,
respondeu Lévi-Srauss. :”…o elo entre o animal e o homem
verdadeiramente humano somos nós”, deixou escrito
Konrad Lorenz. E uma comum interrogação filosófica: Como proceder para viver
serenamente até ao fim, e, provavelmente, ser feliz? Espinosa respondeu desde
há mais de três séculos: “deve ser tido por inútil o que não concorra para a
suprema perfeição humana.” [4]
Podemos hoje concluir que uma das vias
alternativas de evolução da filosofia e da ética, que vem de Epicuro e do
oriente, e que Bento de Espinosa preconizou, não prevaleceu no debate
filosófico das academias, mas esteve sempre presente.
Convirá aqui abordar o problema da
“causa das coisas” e a sua relação com o “ser”.
O pré-conceito que concede à filosofia o domínio de se questionar sobre
“o que significa ser” e atribui à ciência o domínio do estudo das “causas” fenomenológicas,
pode reconduzir-nos ao velho mecanicismo e a uma espécie de nova escolástica.
Onde aquela conceção, assim pré-determinada, encontra sobretudo oposição, não
pode existir uma relação dialética? Tal como Antero de Quental, a propósito da
génese do pensamento moderno, pensamos que “… a elaboração especulativa
(filosófica) de perto de três séculos, acabou por se manifestar no campo das
ciências." [5]
A
elaboração do conceito moderno de Natureza. A polémica de Antero com Haëckel.[6]
A Filosofia, a "especulação
metafísica", na ótica de Antero, era devedora dos formidáveis progressos
das "ciências da natureza" e das "ciências da
organização"(social), com a fundação de novas áreas disciplinares e novos
ramos científicos, e o nosso filósofo, com humildade, assumia a capacidade
limitada, sua, mas igualmente de qualquer outro sábio ou intelectual, para,
doravante, abarcar uma tão grande vastidão de conhecimentos. Ao mesmo tempo,
afirmava Antero que a nova filosofia devia penetrar, passo a passo, a
consciência dos seus concidadãos e da humanidade. Há uma passagem chave das Tendências, onde este novo paradigma
surge em tese:
"A síntese do pensamento moderno,
preparada pelos filósofos, tem de ser a obra coletiva da humanidade culta. Só
assim terá o carácter dum fenómeno histórico e dum grande facto humano."
Daqui inferimos, que, tal como Antero
afirmava a necessidade de uma nova música e uma nova poética, por se ter
esgotado o romantismo mas também em função dos contributos da crítica e da
renovação geracional onde se integrou como participante ativo, do mesmo modo,
postula a inevitabilidade do emergir de uma outra Filosofia, cujos fundamentos
se vão anunciando nos Sonetos e já
nas Odes Modernas, para depois, encerrado o ciclo da poesia,
tomar forma e substância nos ensaios.
Abordámos anteriormente o lugar da
Ciência no pensamento filosófico de Antero, precisemos agora a sua particular
visão da Natureza. No decurso da crítica ao texto de Artur Viana de Lima, que
se reclama de Lamarck, Darwin e Haëckel. apresentado na obra Exposé Sommaire des Theories Transformistes,
escreve o filósofo:
"O
horror pueril à metafísica e a pretensão quimérica de fundar uma filosofia da
natureza positiva e exclusivamente arquitetada no terreno da ciência levou
Haeckel (e muitos outros atrás dele ou com ele) a desconhecerem a importância
capital da ideia de finalidade e a minarem aquilo que justamente lhes deveria
servir de primeiro fundamento para o edifício que levantavam".
Antero exemplifica com o alcance
científico da teoria da evolução, que considera válida apenas para os domínios
"onde o elemento histórico representa um papel proeminente", como são
as ciências sociais, biológicas e a astronomia, mas dele exclui a física e a
química. Na sua conceção global da natureza reserva para a ciência o papel de
chave de compreensão da fenomenologia mas afirma igualmente que…
"…não inclui em si a totalidade dos elementos
racionais de compreensão do universo".
Sendo a finalidade "imanente à
matéria" é ela que constitui a explicação da causa da espontaneidade do
movimento.
"Assim,
uma filosofia da natureza, tal como a concebo, uma filosofia da natureza à
altura não só do grande século das ciências naturais, mas do grande século de
Kant e Hegel, não tem que rejeitar o determinismo universal e a evolução como a
forma mecânica desse determinismo. Mas não deve ficar aí. Determinismo e
evolução são apenas o ponto de partida, a fórmula universal da fenomenalidade,
que a generalização científica lhe fornece e que ela, a filosofia, terá de
analisar e interpretar à luz das ideias. Só assim terá satisfeito não só a
razão especulativa, mas as exigências não menos imperiosas da consciência
humana."
Caberá à razão humana preencher o vazio
em que a visão científica, por si só, deixaria ficar no universo. Porque a
consciência humana se expressa em todo o processo de desenvolvimento da
sociedade e dos factos morais (a sociedade de Direito e a santidade
individual), e estes constituem…
"…o
ponto mais alto da série evolutiva das cousas. Os factos da consciência humana
são pois não só factos positivos, mas os factos positivos culminantes".
Uma das ideias originais de Antero,
acerca da visão moderna da natureza, é aquela onde o filósofo considera, ao
contrário da opinião generalizada, que a teoria geral da evolução não surge
como uma descoberta das ciências naturais do seu século, mas, pelo contrário
como resultado da especulação filosófica que é produto…
"…da
elaboração especulativa de perto de três séculos, acabou por se manifestar no
campo das ciências."
Prossegue Antero:
"Esta
ideia não saiu das ciências naturais, mas penetrou nelas pela influência
(obscura, é certo, e indireta, mas muito real) das noções de metafísica
lentamente elaboradas, a partir da Renascença, dentro da ideia fundamental de
natureza. A maneira dinâmica,
autonómica, realista, de conceber a natureza é o que mais radicalmente
distingue o pensamento moderno do antigo…A natureza para o pensamento
antigo…Aristóteles, era concebida como abstrata, inerte, passiva; longe de
parecer concreta e espontânea, era considerada apenas como um reflexo, ato ou
emanação de um ser ou seres transcendentes e perfeitos (as ideias de Platão, a
inteligência de Anaxágoras, o motor imóvel e as formas substanciais de
Aristóteles) exteriores a ela e só verdadeiramente autónomos…A partir dos
últimos tempos da Idade Média, com a dissolução das filosofia escolástica e as
revoluções de toda a espécie, intelectuais, sociais, religiosas, que anunciam a
aurora dos tempos modernos, dá-se nas regiões mais profundas da inteligência
humana uma fermentação extraordinária, que se exprime, ainda com pouca
consciência do seu próprio alcance, nas criações da astronomia e da física
moderna (Copérnico, Kepler, Galileu, Torricelli) e nas reformas filosóficas de
Bacon e Descartes, que se avigora com Leibniz e Spinosa e com os primeiros
trabalhos de fisiologia, botânica e ciências sociais (Gesner, Harvey, Malpighi,
Boerhaave, Hobbes, Grocio, Vico, Lessing, etc.) para acabar, plenamente
consciente no século XIX, por se afirmar, não já nesta ou naquela ordem de
fenómenos, mas em todas as esferas da atividade humana…O naturalismo é para os tempos modernos o que foi o racionalismo para a
Antiguidade. A doutrina da evolução é apenas uma das suas determinações, a
mais recente…" (sublinhados nossos)
E conclui:
"O
Universo não é criado pela especulação: é anterior a ela, e é a experiência que
lho fornece; mas fornece-lho como um símbolo obscuro que ela, a especulação,
tem de interpretar à luz das noções de consciência. Assim como só a consciência
explica a sensação, ponto de partida da Ciência, assim também só o
espiritualismo, que parte da consciência, pode explicar a conceção mecânica do
Universo, último resultado da elaboração científica."
Ao encarar cada ser da natureza na sua
autonomia e diversidade (e na sua causalidade interna, não apenas na sua reação
mecânica a forças exteriores, como a pedra que cai, a molécula que se une a
outra, a água que vaporiza), o pensamento de Antero abre o caminho não só para
ultrapassar a visão de uma natureza passiva e estática, mas também para a
afirmação da espontânea liberdade que procura a realização do seu próprio fim.
O homem, ao situar-se no grau mais alto dessa espontaneidade, pelo atributo
consciente da vontade, encaminha-se para a plenitude da liberdade.
Existe na cosmovisão de Antero uma marcha
ascendente da matéria e da vida material para a espiritualidade que é um devir
inexorável. O surgimento da natureza humana consubstancia esse caminhar
inelutável e concede ao ser humano uma nobre missão.
Antero proclama:
“A
alma! sim: é dela que precisa toda a literatura que, em vez dos aplausos que
passam e dos interesses que rebaixam, tivesse por única e nobilíssima ambição
levantar, melhorar os espíritos abatidos, ir adiante mostrando os caminhos
encobertos do bem, responder às necessidades morais do tempo, dar um alimento
sadio e forte à ânsia, à fome e sede de saber e de sentir, ser enfim nacional e
popular no grande e belo sentido da palavra.”
Num único soneto, Antero transmitiu-nos a
síntese do seu pensamento sobre a Filosofia da Natureza, encarada como um todo
físico e espiritual, na sua marcha para a Liberdade, supremo Bem. Aqui o
reproduzimos, na íntegra.
“
EVOLUÇÃO
A Santos Valente
Fui
rocha, em tempo, e fui, no mundo antigo,
Tronco
ou ramo na incógnita floresta...
Onde,
espumei, quebrando-me na aresta
Do
granito, antiquíssimo inimigo...
Rugi,
fera talvez, buscando abrigo
Na
caverna que ensombra urze e giesta;
Ou,
monstro primitivo, ergui a testa
No
limoso paul, glauco pascigo...
Hoje
sou homem _ e na sombra enorme
Vejo
a meus pés, a escada multiforme,
Que
desce, em espirais, na imensidade...
Interrogo
o infinito e às vezes choro...
Mas,
estendendo as mãos no vácuo, adoro
E
aspiro unicamente à liberdade.”
Mas o que significa o conceito do
supremo Bem da Humanidade, no dealbar do século XX?
Em Antero o lugar do homem, da
consciência humana, no topo da natureza real, não significa, ao contrário da
metafísica judaico-cristã divinizada, que ele é o senhor de todos os seres e de
todas as coisas. Ao contrário, o direito...
“...é
já aspiração inconsciente do animal: mas só às sociedades humanas preside efetivamente
o direito.”
O valor intrínseco da natureza
afirma-se, então, no soneto Diálogo:
"A
cruz dizia à terra onde assentava,
Ao
vale obscuro, ao monte áspero e mudo:
_
Que és tu, abismo e jaula, aonde tudo
Vive
na dor, e em luta cega e brava?
…/…
Sou
o espírito, a luz!…tu és tristeza,
Ó
lodo escuro e vil!_ Porém a terra
Respondeu:
eu sou a natureza!"
Ao longo do seu percurso poético Antero
vai construindo uma nova visão da natureza e da natureza humana.
Seguindo o pensamento de Antero, a
ciência setecentista, a sua física mecanicista e conceção heliocêntrica do
universo deram à Filosofia e à razão humana consciência de si próprias, não
apenas de uma física e de uma mecânica mas também da imanência do espírito
humano, que o panteísmo espinosiano alargara como infinito e imanência
("Deus é a causa imanente, mas não transitiva de todas as coisas"),
depois razão iluminada que desvenda as leis científicas da natureza
(relativizando o saber, pois mesmo a razão só “imperfeitissimamente se
conhece”(Antero), mas também entende o seu desenvolvimento finalista, a
virtuosidade infinita do ser em marcha para a sua plenitude e perfeição.
A dissolução do “eu” anteriano no todo
universal, a sua negação do individualismo egoísta e social, constituem
fundamentos de uma nova ética da Vida e da Terra, que as cosmovisões da
filosofia ambientalista assumiriam, expressas na notável síntese de
Lévi-Strauss:
“…
O verdadeiro humanismo não começa por si próprio, devendo colocar o mundo antes
da vida, a vida antes do Homem e o respeito pelos outros antes do amor
próprio…” [7]
Estamos em condições de colocar as
questões dos fundamentos e dos princípios da filosofia da natureza de Antero
face à necessidade e inevitabilidade do emergir de uma nova filosofia que
profeticamente prevê.
A
crítica ao antropocentrismo[8]
Podemos, finalmente, chamar a atenção
para o facto histórico que, até hoje, não vimos registado e valorizado: Antero
e os seus companheiros da Geração de 70, analisaram e avaliaram a filosofia da
natureza proposta por E. Haëckel, sendo este "filósofo" o mesmo
"naturalista" Ernest Haëckel internacionalmente reconhecido como o
fundador da Ecologia moderna. [9]
O que Antero critica em Haëckel é, como
vimos anteriormente, desconhecer "…a importância capital da ideia de
finalidade…" e "…O horror pueril à metafísica…", que Antero considera a fonte primordial da
construção e evolução do pensamento científico moderno, "… a partir da
Renascença, dentro da ideia fundamental de natureza…"
E o que partilha com o criador da
Ecologia enquanto ciência e fundamento da Ética Ambiental, é a crítica ao
princípio do antropocentrismo.
Cabe aqui evidenciar que o próprio
Haëckel, evocado como concetor daquela área científica, é ignorado como filósofo
ambientalista e surge mesmo ligado às conceções racistas, a partir da sua tese, "ontogeny
recapitulates phylogeny".
Importa por isso proceder a uma breve
recensão crítica do seu pensamento, limitado aos temas em análise, a partir dos
escritos originais.
Na obra Os Enigmas do Universo, Haëckel sublinha a importância da "lei
das substâncias" completada pela "teoria da evolução", como
chaves do enigma, na medida em que a permanência da energia e da matéria em
todo o Universo explicam a sua evolução, constituindo a essência da filosofia
monista. A sua matriz filosófica e científica constituíra-se, na época
contemporânea, com origem na obra premonitória de Goethe sobre a metamorfose
das plantas (1799), na teoria da descendência do filósofo e naturalista francês
Lamarck (1809) e na teoria da evolução de Charles Darwin (1859).
Na
sua História da
Criação dos Seres Organizados de Acordo com as Leis Naturais emerge
claramente a crítica ao antropocentrismo, no contexto da defesa do
"materialismo científico e moral":
"…primeiro o erro geocêntrico, que fez da terra
o centro do mundo, à volta do qual giram o sol, a lua e as estrelas; depois o
erro antropocêntrico, que considera o homem como o fim supremo e desejado da
criação terrestre, o ser para o qual toda a restante natureza foi criada. Estes
dois erros foram postos a nu, o primeiro pela teoria coperniana do sistema do
mundo, no começo do século XVI; o segundo pela teoria genealógica de Lamarck,
no começo do século XIX."
A partir destas teses fundamentais,
responde Haëckel ao "…grande enigma do Universo: «o lugar do homem na
natureza» e a questão da sua origem natural".
O homem de ciência assinala os
progressos do século XIX no conhecimento da natureza e da natureza humana, a
biologia com a teoria celular, a física com a ótica e a acústica, a teoria do
magnetismo e da eletricidade, a mecânica e a teoria do calor, a física dos
astros e a química, que nos revelou o carbono como «a base da química da vida»
e nos permitiram descobrir…
"…que os mesmos materiais que constituem o
nosso corpo e os seres vivos que o habitam são também os que constituem a massa
de outros planetas, do sol e dos astros mais longínquos…"
E, portanto…
"…a
unidade das forças da natureza em todo o Universo…a lei das substâncias como
«lei cosmológica fundamental» "
Ao longo da obra citada encontramos uma
crítica global à filosofia antropocêntrica. Não apenas ao dogma
antropocêntrico, mas também ao dogma antropomórfico, que concebe Deus à imagem
do homem, e ao dogma antropolátrico, gerador da dualidade corpo-perecível
versus alma-imortal.
Para concluir sobre o imperativo ético
de "renunciar a este inadmissível delírio das grandezas" que
posicionavam o homem como senhor absoluto da natureza.
Ao analisar a relação entre Filosofia e
Ciências Naturais, à luz da polémica entre filósofos e naturalistas, invoca
Schiller e conclama uns e outros a procurarem juntos a verdade, afirmando a
necessidade de fazer convergir a herança da filosofia idealista de Platão e
Hegel e da filosofia realista de Bacon e Mill, concluindo:
"A
supremacia exclusiva concedida ao empirismo é um erro não menos prejudicial que
o erro oposto que confere supremacia à especulação."
E aqui se aproxima do pensamento de
Antero de Quental. Não é do âmbito deste trabalho examinar o pensamento de Haëckel
em todas as suas dimensões filosóficas, científicas e político sociais. Mas não
podemos deixar de assinalar, no nosso contexto de investigação, a sua defesa de
um panteísmo inspirado em Espinosa, a relação que estabelece, citando Humboldt,
entre a filosofia monista e a arte naturalista, particularmente a pintura da
paisagem, não apenas no aspeto da representação científica mas também na sua
intelectualização e espiritualização, que o conduz a teorizar o "amor
moderno pela natureza", como fonte de prazer estético e de elevação ética
do ser humano, quando este reconhece o sentido das coisas e a sua relação com o
resto da natureza, maravilhamento, assombro e estupor…
"…que
constituem outros tantos elementos da nossa vida da alma que estão compreendidos
sob o nome de religião natural."
E assim proclama, sobre a vida presente
e futura:
"
O nosso monismo ensina-nos que somos filhos da terra, mortais que não terão
mais que uma, duas ou quando muito três «gerações», para poder desfrutar nesta
vida dos esplendores do nosso planeta, de contemplar a inesgotável riqueza das
suas belezas e apreciar o jogo maravilhoso das suas forças."
Uma última nota sobre o libelo rácico
que pesa sobre a filosofia de Haëckel. Se as suas conceções sobre as leis da
seleção natural o conduziram a rejeitar os ideais seus contemporâneos do
socialismo é certo que pugnou pela igualdade entre homens e mulheres,
reconhecendo-lhes igual valor e dignidade, e ele próprio, com notável lucidez
política, demarcou-se dos seus futuros detratores:
"Não
subestimamos o risco que existe em querer transportar tão brutalmente as
teorias científicas para o domínio da prática política. As complexas condições
da nossa civilização exigem ao homem dedicado à política ativa uma circunspeção
tão iluminada, uma preparação histórica tão forte, um sentido crítico tão
delicado, que não lhe permite senão sob a maior reserva uma tal aplicação de
uma «lei natural» à prática da vida social." [10]
Mas o que significa o conceito do
supremo Bem da Humanidade, no dealbar do século XXI?
A
“razão ambientalista”: crítica ao etnocentrismo e ao antropocentrismo
Os
princípios da “Casa Comum” e da “comunidade e solidariedade planetárias”
O esforço para distinguir os conceitos
de ética e moral, ética normativa (o que
devo fazer) do conceito filosófico ou meta-ethics
(qual é a natureza do bem), pode não ser assim tão simples. Se ética normativa
é o que o comum das pessoas entende por “ética” e meta-ethics pode ser o que o
senso comum designa por moralidade…tal sucede no quadro da visão
antropocêntrica destes problemas.
A moral, no nosso modo de filosofar, é
sempre uma expressão e representação determinada pelo contexto histórico e pela
dominação social, o que lhe confere um caracter sectário e transitório.
Necessitamos de uma teoria moral ( a que chamarei ética) que possa ser
universal, intemporal (projetada no
presente e no futuro) e capaz de orientar a conduta individual, a ciência e as
ideologias políticas, mas que não considere o homem como o produto final da
evolução da Vida. A crítica ao etnocentrismo e a crítica ao antropocentrismo
são os seus princípios fundadores e, com aquela afirmação, nos colocamos em
divergência com a tese dominante, que situa a moral na ordem das normas e
convenções sociais e remete a ética para o plano da vivência pessoal. Onde
outros vêm antagonismo, vislumbramos nós uma complexa dialética.
A biodiversidade da Vida, com a Vida
Humana, representa apenas o cume atual da complexa evolução do Cosmos, mas nós
não sabemos se a nossa espécie, nascida na Terra, representa o elo final da
evolução cosmológica. Por isso o imperativo ético de conservar a Vida e não
apenas o Homem e de conservar a Vida antes do Homem, e a Terra, berço da Vida
cósmica e por ora o único berço, devem ganhar força moral nas sociedades
humanas.
Sendo certo que o Homem é
simultaneamente predador e criador de novos biótopos e sendo hoje a forma mais
complexa da Vida, a sua extinção poderia bloquear a expansão da própria
diversidade, pelo que e nesta perspetiva o Humanismo moral regressa ao centro
da reflexão filosófica ambiental e da Ética Ambiental. E, por aqui, passa de
novo a questão da Ética Política.
Da primeira Conferência Mundial do
Ambiente, realizada em Estocolmo, 1972, emergem o princípio da Casa Comum
"…o homem tem duas pátrias, a sua e o planeta Terra“; o princípio da
comunidade e solidariedade planetária fundadoras de uma nova ordem (ética)
internacional e o princípio de defesa da Vida Planetária antes do Humanismo.
Esses princípios estabelecem uma
primeira demarcação com a visão cultural e política do etnocentrismo. Situemo-nos:
a crítica ao etnocentrismo tem como postulado, "Etnocentrismo é uma
atitude emocionalmente condicionada que faz considerar e julgar outras
sociedades pelos critérios originados pela própria cultura. É fácil ver que
esta atitude leva ao desprezo e ao ódio de todas as espécies de vida que são
diferentes daquela do observador.”[11]
A crítica ao etnocentrismo conduz não só
ao respeito por todas as culturas nacionais, e por todas as formas de expressão
cultural, eruditas ou populares, mas também rejeita qualquer noção de
superioridade de um modelo social, de “raça” ou etnia.
Em
convergência com esta visão filosófica, a crítica filosófica ao antropocentrismo põe em causa a visão
religiosa que concede ao Homem, criatura eleita por Deus para presidir à
criação divina, o direito absoluto a apropriar-se da Natureza para os seus
fins, sem qualquer limite ou restrição e lhe permite o primado do crescimento
económico sobre o desenvolvimento sustentável.
Conhecida a lei de bronze da
Paleontologia, que postula a “irreversibilidade da evolução”, é insustentável
no nosso modo de produção social o ritmo a que se processa a perda da
biodiversidade, a destruição dos recursos naturais, os energéticos em
particular e a multiplicação dos efeitos poluidores que atingem não só o
conjunto do planeta _a litosfera, a hidrosfera, a criosfera, a atmosfera e a
biosfera, mas também e, com consequências imprevisíveis, o material genético
fundamental, o ADN que conserva e reproduz os códigos da vida.
Por ser assim, concluímos: Se
enquadrarmos o surgimento dos antepassados da espécie humana há 4 ou 5 milhões
de anos, no quadro do tempo biológico, que é imenso, nada nos assegura que, tal
como aconteceu com os dinossáurios há sessenta e cinco milhões de anos[12],
o reino dos mamíferos não termine um dia e outras formas de existência mais
avançadas e inteligentes continuem a perpetuar a música da vida pelos espaços
siderais. Mas ninguém pode imaginar hoje qual é o elo da cadeia onde o salto
evolutivo se produzirá, como ninguém sonhou antes que o tetravô da nossa
condição de quadrúmanos fosse um insignificante roedor, que sobreviveu à
extinção generalizada das espécies dominantes no final da era mesozóica.
Em coerência, devemos igualmente
considerar que os múltiplos laços entre todas as formas de vida (e mesmo destas
com o ambiente abiótico), obrigam, para além do dever de preservação da nossa
espécie, a conservar a diversidade dos seres e os seus nichos ambientais, de
cujo equilíbrio dinâmico, como na pirâmide biótica de Aldo Lepold, tudo depende.
A “razão ambientalista” moderna começa a
ser elaborada com a formulação de um novo imperativo categórico para a ação do
homem, mais além da máxima kantiana de conformação dos atos individuais com o
princípio de uma lei universal, um novo quadro ético, o qual resulta da
necessidade de configurar a conduta humana nos limites que salvaguardem a
continuidade da vida e a sua diversidade.[13]
Mas a extinção do homo sapiens sapiens e das espécies associadas à nossa evolução, um
mundo imaginário de vegetais, micróbios e insetos, improvavelmente daria de
novo origem à espécie humana ou mesmo aos mamíferos.
E daqui decorre, à luz da ciência
contemporânea, o princípio da preservação da Vida, antes do Homem e da Terra
com toda a sua biodiversidade. Mas também o regresso do Ser Humano ao centro
das preocupações éticas, mas agora sem nenhum estatuto de privilégio ou domínio
antropocêntrico.
A história do universo é a história do
crescimento da complexidade à escala cósmica, duma estruturação progressiva do
cosmos, com as suas forças físicas regidas por leis rigorosas e universais.
Essas leis, que organizam o universo, possuem o notável atributo de estarem
rigorosamente ajustadas à promoção da complexidade. As mais ínfimas variações
dos seus valores específicos seriam suficientes para as tornar estéreis.
Nenhuma forma de vida, nenhuma estrutura complexa, se teria constituído. Nem
uma simples molécula de açúcar ou um átomo de carbono. Essas leis já possuíam,
desde o seu início, a capacidade de fazer nascer a complexidade, a vida e a
consciência. O universo regido pela regra do acaso jamais geraria o observador,
o ser e a consciência humanas.[14]
Sendo certo que, de acordo com a física
quântica, para além de um certo valor os conceitos de temperatura e densidade
da matéria perdem o seu sentido convencional. Pelo que, regressamos à “terra
incógnita” e à relatividade do conhecimento, que não necessariamente a uma
explicação teológica sobre a origem do universo e da vida. Sobre o nascimento
da vida, temos maiores certezas científicas, de que ela surgiu na terra há três
mil e quinhentos milhões de anos. E se o objeto da ciência é de explicar como
funciona o mundo, e neste sentido as leis científicas são amorais, já a
resposta ao imperativo categórico de “como viver no mundo”, pertence ao domínio
da filosofia e da ética e é neste sentido que a ética ambiental interroga o
valor da ciência e do desenvolvimento social da humanidade, não apenas na
dimensão antropocêntrica, mas para além dela e, sempre de acordo com a ciência
moderna, a Vida antes do Homem e a Terra antes da Vida.
Por isso, ao contrário da história comum
da filosofia, cuja problemática tem por centro o homem, a filosofia ambiental
dirige o pensamento para a razão de ser do mundo e da sua fenomenologia, para a
descoberta da unicidade da Substância em todas as suas manifestações ou
“modos”, no vocabulário do nosso Bento de Espinosa, sem que se transforme numa
filosofia anti-humanista, pois a Natureza do homem, como de todos os entes e
seres do universo, é a mesma “poeira das estrelas”.
Se toda a construção filosófica
sistemática assenta num alicerce intrínseco, uma intuição fundamental ou a
atracão de objetivo, como afirma Joaquim de Carvalho a propósito de Espinosa, o
ponto de partida da renovação filosófica do séc. XX foi o conceito de ambiente
e como seu desidrato supremo, a justificação racional para que a ética
ambiental prevaleça sobre as conquistas mais avançadas da ciência cega e a mais
democrática das democracias liberais e socialistas do passado séc. XX,
geradoras da crise ambiental.
Retomando as perguntas capitais que a
obra de Espinosa colocou no advento da nossa modernidade, como pensar a
explicação racional da existência do homem e do universo, como adequar o
pensamento filosófico à razão de ser de tudo o que existe e como transformar a
vida espiritual em plena compreensão e serena fruição da vida até ao seu
limite? A Filosofia da Natureza e depois a Filosofia do Ambiente permitiram
construir uma nova ontologia em crítica ao antropocentrismo, uma nova
epistemologia, fundada na crítica ao etnocentrismo e uma nova teoria ética, de
valor universal e de conteúdos práticos aplicáveis a todos os domínios sociais.
Tal como na filosofia de Espinosa e
depois na de Antero, o impulso fundamental de reflexão da filosofia ambiental
foi a questão ética e são os problemas morais.
Do
paradigma conservacionista da natureza ao conceito de ambiente
Conceptualizamos o ambiente como o
conceito que exprime as relações entre a natureza e a cultura, na complexidade
e diversidade das paisagens culturais_ urbanas e rurais, completamente
humanizadas e em estado selvagem ( com menor influência antrópica). Incluindo o
seu património material e imaterial, as suas formas e expressões culturais, a
sua incomensurável relação afetiva com os incontáveis seres humanos que nela
nasceram e a transformaram, transformando-se também. [15]
The Land Ethic
Todas as éticas assentam sobre uma
premissa: que o indivíduo é membro de uma comunidade interdependente”. A Ética
da Terra alarga o conceito de comunidade:
“…The land ethic simply enlarges the boundaries of the
community to include soils, water, plants, and animals, or, collectively: the
land “[16]
Mas reconhecimento do valor económico da
conservação e usufruto pleno da biodiversidade pode ainda ser uma forma de
recusar os valores da Ética da Terra e da Ética da Vida.
Conduz geralmente a confinar a
conservação da natureza aos parques e reservas, às espécies potencialmente
úteis ao ser humano e à ação do Estado, deixando inteira liberdade à iniciativa
privada.
Parte da premissa, cientificamente
falsa, de que os elementos com valor económico do biótopo podem existir na
natureza sem a presença dos outros elementos.
Animal
Ethics
Caberia ao australiano Peter Singer e ao
americano T. Regan enfatizar os sentimentos e os direitos dos animais face à
brutalidade dos processos produtivos modernos: clonagem genética, jaulas
prisão, rações baseadas na carne triturada de animais mortos e saturadas de
hormonas, violação sistemática dos ritmos naturais e das necessidades da vida
animal, tudo isto em função do lucro
máximo.
Em nome do princípio da igualdade, os
dois autores referidos recusam o conceito da superioridade da espécie humana,
que comparam ao racismo, por violar aquele princípio, censurando à maioria dos
humanos o não reconhecimento da capacidade de sentir e sofrer dos animais. Nas
suas obras afirmam que os animais são sujeitos de interesse em não sofrer e
também, acrescenta Regan, são sujeitos de direito, por que são sujeitos de uma
experiência de vida que possui valor intrínseco
Partindo da tese de que “…alguns animais
não humanos parecem ser racionais e conscientes de si, concebendo-se como seres
distintos que possuem um passado e um futuro…”, propõe-nos uma ética
gradualista contra o assassinato de animais, que no seu patamar superior
estende aos chimpanzés, gorilas e orangotangos a mesma proteção devida aos
seres humanos.
Propõe-se alargar o conceito o uso de
«pessoa», no sentido de um ser racional e auto consciente, para incorporar os
elementos do sentido popular de «ser humano» que não são abrangidos por «membro da espécie Homo Sapiens ». [17]
Dito de outro modo: O ecocentrismo ( de
Aldo Leopold) focaliza-se nos deveres que temos face à comunidade biótica de
que fazemos parte. O biocentrismo (d’Earth first !, Greenpeace, Wilderness Society (...) atribui
um valor intrínseco a toda a entidade viva.
Não se trata, em qualquer dos casos, de
aplicar a novos objetos, como a natureza, as teorias morais pré-existentes. A
natureza passa a estar incluída no nosso campo de reflexão moral, os nossos
deveres, antes limitados aos seres humanos, passam a ser extensivos aos outros
entes naturais.
O
imperativo ético da paz perpétua, de Jorge de Sena
Antero de Quental anunciava, o advento
de uma nova arte, mais universal, tendo a musica como paradigma; natural é pois
que a poética literária alimentasse também a nova Filosofia, agora em Jorge de
Sena.
“Na insólita fortuna da desgraça,
[...]
nesta insólita fortuna, à luz que vem
oh
só em poeiras inofensivas, rezo
a
mim mesmo para não perder a memória,
por
vós, para que saibais sempre lembrar-vos
de
que tudo se perde onde se perde a paz,
e
primeiro que tudo se perde a liberdade.” [18]
O estado de guerra, à luz dos
ensinamentos da história das democracias liberais e das democracias
socialistas, é incompatível com a conservação e aprofundamento da democracia e
contribui para criar as condições para a sua limitação e degeneração.
Se recusarmos o imperativo ético da
destruição de todo o arsenal atómico e de guerra biológica e de construção da
sustentabilidade do nosso modo de produção económica e financeira, a guerra moderna
é a continuação da disputa económica por outros meios, então, acharemos a paz
maldita e eterna no holocausto dos filhos dos nossos filhos.
A paz perpétua é assim o primordial
corolário político das Éticas Ambientais. Mas ao “imperativo categórico da paz
perpétua”, Jorge de Sena, engenheiro, poeta
e filósofo, junta um novo ” “imperativo ético da dignidade”.
O
imperativo ético da dignidade, de Jorge de Sena
“Acreditai
que nenhum mundo, que nada nem ninguém
vale
mais que uma vida ou a alegria de tê-la.
É
isto o que mais importa - essa alegria.
Acreditai
que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto
não
é senão essa alegria que vem
de
estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém
está
menos vivo ou sofre ou morre
para
que um só de vós resista um pouco mais
à
morte que é de todos e virá. “ [19]
Depois de escritos estes pensamentos,
que questionam a legitimidade da guerra e a exploração do homem pelo homem, cem
obras de filosofia política, tornaram-se como que desnecessárias e prolixas.
As
Éticas Práticas e a Alienação política
A ética utilitarista, de Jeremy Bentham
e Stuart Mill (séc. XVIII), pressupõe que “não só qualquer ação de um indivíduo
privado, mas todas as medidas do governo”[20] potenciem o bem estar e diminuam o
sofrimento. Afastando-se embora da primazia do dever (eudainomia) aristotélico, fundamenta a moralidade da ação nos
benefícios que trás ao seu sujeito e/ou no princípio do menor sofrimento
causado ao “outro”.
O exemplo clássico da resolução de um
dilema ético com base no princípio do utilitarismo, é a justificação política e
moral do lançamento da primeira bomba atómica sobre Hiroxima e, depois da
segunda sobre Nagasaky, comparando os mais de 200.000 mortos confirmados com a
estimativa superior a um milhão de baixas, estimada pelos estrategas militares,
caso os EUA tivessem que invadir e conquistar o Japão com armas convencionais.
A objeção moral mais comum contra a
resolução deste dilema ético pelo holocausto nuclear do povo Japonês, reside no
valor intrínseco da vida humana, que no imperativo categórico kantiano
constitui um fim em si mesmo e não pode ser usada/aniquilada como um meio para
beneficiar outros indivíduos, mesmo que para obter um benefício superior, neste
caso, diminuindo as baixas.
Colocado assim o problema, a ética
moderna e moral, na sua dimensão prática, parece tornar-se inconsequente e
teoricamente paradoxal.
Mas nas semanas anteriores a Hiroshima,
a maioria dos cientistas que trabalhavam no desenvolvimento da bomba atômica, o
Projeto Manhattan, tentaram impedir o seu lançamento direto sobre as cidades
japonesas, propondo uma estratégia de explosão em espaço aberto, com o fim de
demonstrar o seu poder destrutivo. Perante a hesitação do próprio líder do
projeto, os militares que o dirigiam recorreram à ameaça, chantagem e à
manipulação da informação. Realizado o primeiro lançamento, impuseram o
segundo, invocando o argumento de que os militaristas japoneses não queriam
ceder.
Os documentos militares secretos da
época, que entretanto foram desclassificados, mostram que havia uma intenção
deliberada de experimentar o efeito da bomba sobre os seres humanos e uma segunda finalidade política: meter em
respeito a URSS triunfante e os novos estados socialistas que emergiam a Leste
e na Ásia: começava a guerra fria.
Aqueles cientistas, conscientes dos
perigos do uso militar da energia nuclear, e dos riscos de novos confrontos que
poderiam conduzir à extinção da humanidade, deram corpo ao movimento cívico e político
denominado Movimento dos Cientistas, que chegou a congregar 515 cientistas de
Harvard e MIT em 1945, com base num programa que seria a base de todos os
discursos, livros e artigos posteriores e que tinha como objetivo conduzir o
governo americano para um acordo internacional com a URSS, de forma que tais
armas não fossem mais produzidas. Vejamos o seu argumentário:
1- Other Nations would soon be able to produce
atomic bombs (outras nações, em breve poderão produzir bombas
atômicas).
2- No
effective defence was possible (nenhuma defesa absoluta é possível).
3- Mere
numerical superiority in atomic weaponry offered no security (a mera
superioridade numérica de armas atômicas não garante a segurança).
4-
A future atomic war would destroy a large
fraction of civilization (uma futura guerra nuclear irá destruir uma larga
fração da civilização)
5- Therefore, “International
cooperation of an unprecedented kind is necessary for our survival” (logo, uma nova cooperação
internacional sem precedentes é necessária para a nossa sobrevivência).
A heurística do medo foi a sua
estratégia de propaganda, mas o governo americano conseguiu desmantelá-lo em
1947 e adotou esse discurso exatamente para o fim oposto.
Poderíamos também citar os dilemas
éticos que resultam da circunstância de, em tempo de crise, como o atual, os
orçamentos para a saúde se verem reduzidos, mas os serviços de dívida
financeira, são cumpridos a rigor pelos governos. E, neste contexto, recordar a
recente polémica entre o ministro da Saúde, que considerou «totalmente imoral»
o preço de um novo medicamento para a hepatite C e a presidente da Associação
SOS Hepatites, que afirmou que «imoral»
é doentes morrerem sem novo medicamento. O caso é que uma farmacêutica
americana quer vender em Portugal um novo medicamento, com elevada taxa de
cura, por (48 mil euros). O governo português, considerando o preço
estabelecido para o medicamento sofosbuvir
no Egito (cerca de 700 euros) e o respetivo PIB (5,93 vezes mais baixo que
o PIB da Zona Euro), Portugal propõe a constituição de uma aliança conjunta dos
Estados Membros para a definição de um preço máximo por tratamento com este
medicamento 5,93 vezes superior ao preço proposto no Egito.
Estes dois exemplos servem-nos como
demonstração que a aplicação prática da ética, e as éticas práticas, como é o caso
da bioética, necessitam de ser equacionados em conjunto com a conceptualização
de uma nova ética política global, sem o que a discussão dos dilemas éticos
corre o risco de ser pré-determinada pela força oculta da alienação política.
Uma
ética política global enraizada na Filosofia Ambiental
A dimensão ética do estado moderno e dos
partidos que o governam, avalia-se pelo respeito pelos princípios da ética
política, universais e permanentes, que reconhecem a todos os indivíduos o
estatuto de cidadão com duas pátrias, a sua e a Terra (Conferência das Nações
Unidas para o Ambiente, Estocolmo 1972), a todas as culturas humanas um
estatuto de igualdade (crítica do etnocentrismo) e reintegram a comunidade
humana na pirâmide da vida e da biodiversidade sem nenhum estatuto de domínio
ou privilégio (crítica do antropocentrismo), postos à prova sobretudo em épocas
de crise e que se traduz numa ética política prática com as suas regras:
O princípio da cidadania ou da dignidade,
aplicado em conjunto com o princípio da paz perpétua (Jorge de Sena), com a
subordinação da economia, da finança e da política à ética ambiental,
determina o dever ao Estado de garantir aos seus cidadãos o direito à paz, ao trabalho, à educação,
saúde e assistência na velhice, o acesso à justiça, à conservação da
biodiversidade e à liberdade, sim, a liberdade está colocada nesta ordem, pois
desaparece com a guerra e vale menos sem o trabalho e os outros direitos
sociais e com a destruição da diversidade da vida, as comunidades humanas não
terão futuro.
Tais princípios, que estão vertidos nos
30 artigos da Declaração Universal dos Direitos do Homem, atualmente truncados,
mutilados e reduzidos às liberdades políticas formais, cometem ao Estado
democrático, liberal ou socialista, o dever adicional de combater contra a sua
própria corrupção e decomposição.
Em razão de um mundo onde prevaleça o
primado da ética sobre a moral política
que, atualmente, adota como único princípio válido o de que os meios
justificam os fins; o primado da ética sobre a justiça de classe que anuncia,
como fim da história e ordem natural da sociedade, o triunfo da exclusão
social; e o primado da ética sobre a história, sangrenta, de todas as
civilizações. Tal é o programa de combate cívico ( e ético) que emerge como
imperativo político dos pressupostas filosóficos das novas éticas ambientais.
O século XX foi o século do triunfo do
direito nacional e internacional, dos cidadãos e das nações, agora em risco. A
nossa comum civilização não conhecerá o século XXII se o século XXI não for o
século das Éticas Ambientais.
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http://philoetichal.blogspot.pt/. 31 de Outubro
de 2014
[1] Cristina Beckert, Ética, pág.90.
[2] Descartes percorreu as
cortes do centro e norte da Europa, em plena Guerra dos Trinta Anos, como
professor, cientista e militar; contribuindo para o combate ideológico contra a
escolástica e para o emergir de um nova epistemologia científica, tal como para
o nascimento de um novo regime económico e político. Em 1643, a Universidade de
Utrecht, na sua pátria de refúgio, a Holanda, condenou a sua filosofia como
ateísta Em 1667, a Igreja Católica Romana colocou as suas obras no Índice de
Livros Proibidos.
[3] Em 551 a. C., Confúcio
nasceu em Zouyi do Reino Lu, atual Qufu da província do Shandong, quando a
China estava dividida por vários reinos ou estados que lutavam entre si. A
população levava uma vida difícil e a sociedade conhecia a degeneração moral.
Como se se poderia criar então uma sociedade bem organizada, harmoniosa e
feliz? Esta tornou-se uma questão premente.
Nas três fontes do taoísmo, encontramos
como a mais antiga, o mítico "Imperador Amarelo", que teria vivido
entre 2697 a.C. e 2597 a.C. ; o livro de aforismos místicos Tao Te Ching (Dao De Jing), atribuído a Laozi (Lao Tse), que, segundo a
tradição, foi um contemporâneo mais velho de Confúcio (551 a.C.-479 a.C.); e as
obras do filósofo Zhuangzi (Chuang-Tsé)
(369 a.C.-286 a.C.)
Quase mil anos depois, Santo Agostinho
(nasceu em 354 d.C. em Tagaste, hoje Souk-Ahras, na Argélia; morreu em 28 de
Agosto de 430, em Hipona, hoje Annaba, na Argélia), escreveria De
Civitate Dei, A Cidade de Deus,
entre as ruinas do Império Romano do ocidente, colocando-se no terreno da
filosofia-teologia da Criação e do finalismo cristológico da Cidade Celeste, da
crítica ao neoplatonismo em matéria da natureza da alma... mas também em
polémica política com os que atribuíam ao abandono dos antigos cultos e a
adoção da religião cristã como religião do império, a causa transcendental da
sua decadência e queda.
[4]
Este texto, com sucessivas remodelações ,
foi primeiro apresentado no Colóquio
Internacional Philosophy,
in the twentieth century, organizado
pelo Centro de Filosofia da
Universidade de Lisboa, em 2012 e com o título The dawning of the Environmental Ethics in the 21st century, ao XXIII
World Congress of Philosophy, Athens, em 2013.
[5] Antero, citado por
Leonardo Coimbra, em O Pensamento
Filosófico de Antero de Quental, 1921, in
Antero de Quental, A Filosofia da
Natureza dos Naturalistas in Obras Completas de Antero de Quental, Filosofia,
Organização, Introdução e Notas de Joel Serrão,
pág. 111.
[6]
Aqui regressamos à nossa dissertação de
doutoramento (2003), transcrevendo de forma sintética um longo enxerto
[7] Citado por António Dachin,
na obra Uma aurora de pedras.
[8] Transcrevemos aqui, de
novo e forma sintética, o que escrevemos em 2003, na nossa tese de
Doutoramento.
[9]
Tal significa, que Antero. mas também Gomes Leal
nos seus poemas filosóficos, colocaram a sua comum reflexão sobre a Filosofia
da Natureza ao nível mais avançado de desenvolvimento do pensamento europeu da
época sobre as Ciências da Natureza e a Filosofia.
[10]
Citações da nossa tese de doutoramento.
[11] Jorge Dias, Estudos de
Antropologia, Volume I, Uma introdução histórica etnografia portuguesa,
pág. 219, , 1990
[12] É certo que não se
extinguiram completamente, e os sobreviventes se transformaram em aves…
[13] Jonas, Hans. The
Imperative of Responsibility. In Search of an Ethics for the technological Age.
[14] Hubert. Reeves, Les
Dernières nouvelles du cosmos.
[15] The concept of landscape has had to be
stretched in many directions: from an object to an area, from a visual
experience to a multi-sensory one, from natural scenery to the whole range of
human-made transformations of nature. This expansion of the idea of landscape
is further complicated by the fact that landscapes are never stationary but are
constantly in transition.” (Berleant, 2011)
[16] Water, like
soil, is a part of the energy circuit. Industry, by polluting water or
obstructing it with dams, may exclude the plants and animals necessary to keep
energy in circulation…” “Conservation is a state of harmony between men and
land…” “The image commonly employed in conservation education is «the balance
of nature»...this figure of speech fails to describe accurately what little we
know about the land mechanism. A much true image is the one employed in
ecology: the biotic pyramid.“ (Aldo Leopold, a Sand Count
Almanaque, 1949). Da leitura desta obra partiria a teorização da
Bioética pelo médico oncologista norte-americano Van Ressenlaer Potter.
[17] Peter Singer, Ética Prática, do capítulo Tirar a Vida de
Animais, págs. 98/99..
[18] Poema A Paz.
In Trinta Anos de Poesia.
[19] Carta a meus filhos, sobre os fuzilamentos de Goya. In Trinta Anos de Poesia
[20] J. Bentham, An Introduction to the Principles of Moral and Legislation. Chapter I, 1.3
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