Turismo Cultural e Economia do Património. Cultural Tourism and Economy of the Heritage



[ ANTÓNIO DOS SANTOS QUEIRÓS ] 


Resumo
No âmbito da economia do turismo cultural e de natureza, procuramos centrar a nossa análise no processo de geração do valor e a produção de mais-valias, questionando a sua gestação e o modo como emergem nas Cadeias de Valor da atividade turística, a partir da reflexão hermenêutica sobre três questões: Forma e essência do recurso turístico. Valor acrescentado, criação da mercadoria (produto) turístico. E reprodução do capital turístico.
Para chegar ao conceito das suas “externalidades”, que é fundamental para a compreensão do carácter específico da economia do turismo, da sua produtividade e competitividade.
Sobre esta base, conceptual e metodológica, elaborámos os conceitos de Rota e Circuito Turísticos, assentes numa metodologia científica inter e pluridisciplinar para organizar e guiar a visita ao destino turístico, que permite ler, interpretar e usufruir as suas paisagens culturais.
Finalmente, procuramos estabelecer critérios concetuais uniformes e coerentes para identificar e distinguir as diferentes categorias tipológicas do turismo, confrontando-as com a matriz da TSA, num contexto internacional onde emergem diferentes paradigmas, com a ascensão do turismo cultural e de natureza (turismo ambiental).
Palavras-chave: Valor. Capital turístico. Externalidades. Rota e Circuitos. Tipos de Turismo

Abstract
In the context of the economy of cultural tourism and the tourism of nature, we focused our analysis in the process of value generation  and   how capital gains are produced , questioning their gestation and the way how  they emerge in the value chains of tourist activity, supporting  that hermeneutic reflection on three issues: The form and essence of tourist resource. Value added and creation of commodities (products). The reproduction of capital invested in tourism.
To attempted the concept of their externalities, which is fundamental to understanding the specific character of the tourism economy, productivity and competitiveness. On this basis, conceptual and methodological, we have drawn up the Route and Tourist Circuit concepts, based on a scientific methodology inter-and multidisciplinary, to organize and guide the visit to tourism destinations, which allows  to read, interpret and enjoy their cultural landscapes.
Finally, we seek to establish uniform and consistent conceptual criteria to identify and distinguish the different typological categories of tourism, confronting them with the matrix of TSA, in an international context where different paradigms emerge, namely the rising of the cultural tourism  and  tourism of nature (environmental tourism).
Keywords: Value. Tourism Capital. Externalities. Route and Circuits. Typological categories

1.     Metodologia e objeto do trabalho

Toda a teoria científica tem como suporte um conjunto de axiomas. A metodologia do trabalho científico consiste no desenvolvimento desses axiomas para deles retirar consequências “físicas”, isto é, no caso do turismo, para analisar a sua fenomologia. Tal significa, no estudo da evolução prática da atividade turística, explicar e prever os seus resultados, através da prática da observação dos seus fenómenos ou da experimentação dos seus processos.
Para que a concetualização formal do turismo se conforme com a construção de uma hermenêutica científica, ela deve ser capaz de estabelecer uma relação dialógica entre a observação e os conceitos matemáticos (em sentido amplo) e esforçar-se por identificar os fenómenos que correspondem aos conceitos abstratos elaborados pela investigação na área do turismo.
É óbvio que neste texto a dimensão da pesquisa se deve confinar quer à sua natureza quer aos seus limites de artigo. Pelo que o autor optou por circunscrever o número de axiomas e dirigir o desenvolvimento teórico do artigo em duas direções, para a comunidade académica, mas também para os decisores políticos e conómicos, procurando demonstrar a estes que estamos em presença de questões teóricas de vital importância para o bom andamento da sua governação e dos seus negócios. São também dois os axiomas:
_ Existem atualmente no mercado turístico “estranhos fenómenos” não explicáveis pelas leis tradicionais do mercado!?
_ E assim sendo, estes fenómenos novos afetam (em que medida?) a fiabilidade da Conta Satélite do Turismo e conduzem-nos a conceptualizar novos tipos de turismo!?
Em nome da economia do espaço-tempo de um artigo e na convição de que os leitores estarão familiarizados com a literatura sobre o capital e os recursos turísticos e as suas Cadeias de Valor, passamos de imediato à análise e discussão.

2.      Uma estranha economia!?

A composição dos produtos do Turismo Cultural com base no património construído, nos espetáculos, descoberta dos estilos de vida, eventos e acontecimentos de índole cultural, proposta por Swarbrooke (2002), transmite-nos uma visão aproximada da diversidade dos contextos e produtos de turismo cultural, mas deve estar conectada com o funcionamento específico de economia do turismo e, neste quadro, levar-nos a estudar como hoje se constitui e ser reproduz o capital turístico na sua relação com o património e a denominada “indústria de cultura”, mas também a reconhecer a extensão de penetração cultural na atividade turística, que pode ter levado a mudanças profundas no paradigma tradicional de turismo.
O conceito de indústria turística conduziu a olhar os recursos locais_ biológicos e geológicos, agropecuários e silvícolas, etc. como as suas matérias-primas. Na verdade os primeiros são utilizados e transformados por outras indústrias, e, em muitos casos, a atratividade do turismo exige sobretudo a sua conservação. Quanto aos segundos, o seu consumo é partilhado entre residentes e viajantes.
O que constitui recurso turístico é a paisagem cultural ( ou selvagem, onde a influência antrópica é menos evidente), paisagem humanizada, que investigaremos a seguir. A sua leitura e interpretação é a base da criação do produto turístico e da sua primeira metamorfose de valor. É a “ecologia da paisagem” e a sua “metafísica”, que constituem a essência do recurso turístico, mas só a sua interpretação e leitura lhe confere um novo acréscimo de valor cultural e económico. A paisagem não é um livro aberto, inteligível empiricamente. A sua transformação em produto turístico passa pela sua legibilidade, que lhe confere valor de uso; é uma metamorfose que, no plano da economia gera valor, e é também um processo de literacia cultural, mediado pela construção da linguagem de comunicação turística; o resultado deste processo altera a forma e a essência dos conceitos tradicionais de recurso e de produto turístico.
A História Natural, servida pelas Ciências da Terra, pela Geologia e a Geomorfologia em particular, revela-nos a diversidade do património geológico e aos seus monumentos naturais. O Prof. Galopim de Carvalho propõe, nesta matéria, a classificação de três tipos de Geomonumentos: Afloramentos, sítios e paisagens, de dimensão física crescente.(Carvalho, 1999)
As Ciências da Vida informam-nos das dimensões e do valor da biodiversidade, sobretudo a Biologia e a Botânica, tal como sobre o valor dos novos biótopos resultado da humanização da paisagem. A História Social, nas suas valências, arqueológicas, monumentais, artísticas e etnográficas, permite-nos usufruir do património construído, das obras de arte e literatura, e dos objetos e peças etnográficas.
E quando abordamos estas “matérias-primas”, não nos esquecemos da sua dimensão imaterial, traduzida no imaginário erudito e popular e nas suas expressões criativas, na literatura, na dança, no filosofar, na música… mas sobretudo na Estética da paisagem e dos seus valores imateriais e éticos.
A expansão da espécie humana por todas as regiões do globo e sua adaptação à diversidade dos habitats gerou na Idade Moderna uma nova relação da Humanidade com a Natureza: deixaram de existir os grandes quadros naturais puros, toda a paisagem se transforma, direta ou indiretamente, pela atividade humana, produzindo ora inomináveis destruições ora novas paisagens culturais.
Neste quadro concetual, o capital turístico não se constitui apenas com o investimento imobiliário e em equipamentos de turismo (capital fixos), e em capital variável ( quadros e trabalhadores especializados, planeamento, gestão e marketing), mas cada vez mais com a adição de investimento intelectual, científico, cultural na criação de produtos turísticos, como são hoje os do turismo cultural e os de turismo da natureza ( ou ecoturismo).

3.     Mercado de concorrência ou mercado cooperativo?


Estes novos produtos turísticos, como mercadorias que são, possuindo embora um valor acrescentado e de troca comparável às mercadorias comuns, comportam-se face à concorrência de um modo peculiar, que importa pôr em evidência. Cada novo turista ganho para o “gosto” (aqui considerado como categoria) por um determinado produto do turismo cultural ou de natureza, tenderá a procurar e consumir todos os produtos afins, isto é, visitar todos os outros museus, monumentos, parques naturais, etc.. Esta concorrência, pela diferenciação, gera complementaridade e redes de cooperação, em vez de exclusão do concorrente.
Assim, os pequenos municípios que concorrem entre si pela primazia dos fluxos turísticos e que não têm escala de competição e as entidades regionais de turismo assentes na promoção baseada na diferenciação administrativa municipal, podem ganhar essa escala de competição através da constituição de “unidades territoriais de turismo ambiental” (turismo de cultural e de natureza), organizadas como Circuitos ( intermunicipais e transmunicipais) integradores de todo o património, oferecido sob a forma de grandes Rotas que integram os diversos Circuitos, com itinerários e percursos que atravessam sucessivas vezes o seu concelho, atraindo os turistas pelos valores do património material e imaterial e transformando exursionistas em turistas.
A ênfase no património e não no paradigma do “sol e praia” mais “alojamento e restauração”, a ênfase nos patrimónios e não no “produto município X”,  está associada ao crecimento de uma nova classe média instruída e culta, com um “gosto” diferente (categoria que é preciso introduzir e associar ao conceito de “motivação), composta de forma equilibrada por homens e mulheres emancipadas pelo trabalho social, por jovens infoinstruidos e um número crescente de reformados em idade ativa, dotados de grande mobilidade permitida pela revolução científica e tecnológica nos transportes, sobretudo os aéreos e na comunicação nultimédia e pela internet.
Esse esquema de Rota e Circuitos assenta numa base científica e técnica, estável e duradoura, que adiante explicitaremos e não na divisão administrativa, pois esta resulta da arbitrariedade política e sofre vicissitudes cíclicas, resultantes do desenvolvimento desigual e assimético e das crises periódicas da economia de mercado. A criação das Rotas e Circuitos, que resultam do inventário do património (s), material e imaterial,  permite igualmente elaborar um número elevado de Guias locais e temáticos, multiplicando e diversificando a oferta de produtos turísticos.
A esta luz também as noções de competitividade ganham aqui um significado próprio e o desenvolvimento económico das novas formas de turismo cria uma dinâmica singular e aglutinadora que determina a evolução de outras áreas económicas a montante e a jusante, como seja, a necessidade de promover uma economia de conservação da natureza e dos patrimónios culturais, e, em paralelo, a promoção da agricultura sustentável e da reforma da construção civil em favor da reabilitação arquitetónica e dos conjuntos urbanos ou a disseminação das infotecnologias e da cultura cibernética.

4.     Externalidades. Uma revolução silenciosa na relação alojamento-património: A nova função a = f(p)

Durante longos anos os hotéis e afins corporizaram os principais polos de atração turística. O que mudou deste então?
Seja “a” a variável do alojamento e “p” a variável que representa o conjunto do património natural e cultural. A lei matemática assenta na correspondência entre a e p, correspondência unívoca no sentido a→p. Anteriormente, dizíamos que a variável p é uma função variável de a e escrevemos simbolicamente p=f(a), sendo que a (alojamento) era a variável independente e p (património) a variável dependente. Ora, o que resulta do emergir de uma nova classe média culta, da emancipação da mulher contemporânea pelo trabalho, de uma juventude cada vez mais instruída e da antecipação da reforma ativa em segmentos da classe média, é uma mudança de gosto e de motivação nas viagens, provocando uma inversão funcional. Atualmente a=f(p), isto é, a generalidade das unidades hoteleiras, na sua uniformidade construtiva e de serviços, deixou de ser o polo de atração, tendendo a tornar-se dependente da existência na sua área funcional de mercado de valores patrimoniais conservados e acessíveis ao público. Esta nova relação unívoca tornou o alojamento uma variável económica dependente do património. No campo da matemática, em rigor, a um valor de “p“corresponde um só valor de “a” e, no mercado turístico, o mesmo monumento, sítio ou paisagem é visitável a partir da existência de várias unidades hoteleiras, relativamente próximas. E, ao alterar a relação funcional, põe em causa a própria natureza do alojamento tradicional, pelo menos em quatro dimensões:
1ª: A exigência de qualidade construtiva no que concerne ao valor arquitetónico da obra, correta inserção paisagística e gestão ambiental.
2ª A necessidade de conformar os seus serviços com os valores patrimoniais da paisagem cultural onde se insere, oferecendo os seus produtos mais genuínos na construção, restauração e no merchandising.
3ª A diversificação da oferta, complementando o serviço de alojamento, restauração e merchandising, com o de animação, e em especial com a proposta de Rotas e Circuitos de Turismo Cultural e de Natureza.
4ª A eliminação das barreiras arquitetónicas, de modo a acolher todos os hóspedes com necessidades especiais e a criação de estruturas paramédicas e de lazer adequadas, sobretudo aos turistas seniores: desde o acesso rápido a serviços de saúde aos parques gerontológicos.

5.      Os conceitos de Rota e Circuito

Adotamos aqui o quadro concetual proposto por Queirós (2010). Os conceitos de Rota e Circuito Turísticos baseiam-se na necessidade de utilizar uma metodologia científica inter e pluridisciplinar para interpretar e organizar a visita ao território, que permite ler, interpretar  e usufruir as suas paisagens culturais. E representam um conceito estratégico de planeamento e gestão da economia do turismo conforme as singularidades do seu mercado, que enfatiza a cooperação sobre a concorrência.
A primeira chave dessa leitura e interpretação é a História Natural, as Ciências da Terra, a Geologia. Logo seguida pelas Ciências da Vida, reveladoras do resplendor da biodiversidade. E a História moderna, social, artística, associada à Etnografia, à Antropologia.
Mas a Geografia é, provavelmente, a ciência que, na sua metodologia de trabalho científico, mais próxima fica das «Ciências do Turismo».
Tal como nesta ciência, a essência da metodologia do trabalho científico de informação e guionamento turísticos consiste em «descrever e interpretar» a Terra e os homens que vivem no seu seio, mas de forma acessível aos diferentes segmentos de público e, por aqui, passa a separação entre o objeto científico da Geografia e o objeto e o produto turísticos.
Esta conceção científica ao conduzir a uma Filosofia nascida da observação e da leitura da paisagem e da síntese da Terra e do Homem que a habita e transforma (que designamos como «paisagem cultural»), mas ao mesmo tempo a ameaça degradar ou destruir, fundamenta a necessidade de uma ética do turismo, construída, tal como as novas Éticas Ambientais, pela crítica ao antropocentrismo e ao etnocentrismo.
Entendemos por Rota Turística um conjunto organizado de Circuitos de descoberta e usufruto de todos os patrimónios, com uma identidade própria e única, fundada na ecologia e na metafísica da paisagem, acessível a todos os públicos mas com produtos diferenciados segundo os seus segmentos, potenciador da organização e desenvolvimento das Cadeias de Valor da atividade turística.[1]
Definimos Circuito Turístico como um percurso integrador de todos os patrimónios, de curta duração (não deve superior a uma jornada/um dia), acessível a todos os públicos mas segmentado, com uma identidade autónoma e inconfundível, organizado na perspetiva de descoberta e usufruto da ecologia da paisagem (num sentido do contributo científico interdisciplinar para a sua leitura ) e da metafísica da paisagem (património imaterial, imaginário erudito e popular), e segundo o princípio comunicacional/emocional da “montagem de atrações”, capaz de sustentar e desenvolver as Cadeias de Valor da atividade turística. (Queirós, 2010).
Embora existam elementos comuns entre os Circuitos_ por exemplo, igrejas da mesma época, pratos gastronómicos comuns, a mesma flora…a soma dos seus patrimónios deverá produzir dialeticamente uma oferta única e identitária. E é também por aqui que a atividade do turismo se diferencia dos outros domínios científicos, pois a seleção e a valoração é determinada pela diferenciação do produto turístico.
Este conceito novo constrói-se com os contributos conceptuais da Geografia, observação seletiva e descrição significativa da paisagem cultural, isto é, dos seus patrimónios histórico, natural, etnográfico; da Filosofia da Natureza e do Ambiente, “ecologia e metafísica da paisagem”; das ciências da comunicação, envolvendo a psicologia dos afetos e o cinema (a montagem das atrações é um conceito eisensteiniano); da economia, Cadeias de Valor…E a sua construção metodológica consiste na reapropriação, para um novo objeto de estudo, de conceitos tradicionalmente usados noutros domínios científicos.

6.     Reestruturar o Turismo para aumentar a produtividade e competitividade (e sustentabilidade). A paisagem cultural oferecida sob a forma de Rota e Circuitos.


São as Rotas e Circuitos, integradas nas paisagens culturais e nos seus Destinos Turísticos, que geram as principais mais-valias, mas não são as estruturas que organizam essas Rotas e Circuitos, os museus, monumentos e parques, a recolher os maiores valores; a renda do turismo é recolhida externamente nas já referidas Cadeias de Valor.
Com as Rotas e Circuitos promove-se a passagem do estatuto económico de excursionista a turista, aumenta-se o seu tempo de permanência e a vontade/necessidade de regresso, ultrapassa-se a sazonalidade e fomenta-se o consumo de qualidade, isto é, no seu conjunto, o incremento da produtividade.
O crescimento da competitividade da economia do turismo resultará sobretudo capacidade de organizar as Rotas e Circuitos integradoras de todos os patrimónios, que, progressivamente integrarão os atuais polos de atração urbanos, conferindo-lhe uma dinâmica de visita regional, inter-regional e mesmo transfronteiriça.
Mas a ecologia e a estética da paisagem dependem hoje ainda mais dos agricultores e camponeses, porque não há uma conservação plena da ecologia da paisagem, nem se preserva a sua estética com o ermamento e abandono do mundo rural, onde persistem hoje inumeráveis biótopos que resultam da interação da ação antrópica com a biodiversidade inicial. Com a sua ruína e emigração, correm risco de desaparecer muitas paisagens culturais.
Noutro plano, ocorre igualmente um processo de destruição e despovoamento dos denominados centros-históricos urbanos.
Eis como a reabilitação dos patrimónios e a conservação da natureza e dos objetos culturais se tornou uma questão vital para a atividade do Turismo e para a rentabilização das suas Cadeias de Valor tradicionais.[2]
7.     A elaboração concetual em ciência

A concetualização formal do turismo tem-se desenvolvido através da aquisição de vocábulos de outras áreas, processo que é comum aos diversos domínios científicos e à sua dinâmica interdisciplinar, mas, e no caso vertente, de uma forma pragmática, sem um debate unificador e crítico de muitos dos conceitos mais vulgarizados. Ora, toda a construção concetual, em ciência, necessita de obedecer ao imperativo da unidade interna dos seus critérios unificadores e diferenciadores, sob pena de confusão, sobreposição, perda de coerência e desfuncionalidade.
Por exemplo, o “turismo ativo” surge frequentemente caraterizado como uma categoria autónoma, quando as suas estruturas orgânicas, atividades e produtos são comuns a diversos tipos de turismo_ como seja o turismo cultural, o turismo de natureza, o turismo em espaço rural, o turismo desportivo… Do mesmo modo, o “turismo sénior”, quando analisado a partir das suas estruturas orgânicas e produtos, não é suscetível de constituir uma categoria autónoma, pois as atividades e produtos que que lhe correspondem são as oferecidas pelo turismo cultural, pelo turismo de natureza, pelo turismo enológico e gastronómico, etc., não possuindo estruturas orgânicas autónomas, embora necessite de associar às estruturas desses tipos de turismo o princípio e os meios da “acessibilidade”. Pelo que julgo preferível o uso, nesses dois casos e sem o peso categorial, das expressões “turismo com atividades físicas” e “turismo dos séniores”, como “atributos” e não categorias.
É nesta dupla linha de pesquisa_ efetiva adequação dos conceitos à nova fenomelogia do turismo contemporâneo, onde parecem emergir novos paradigmas e procura do rigor científico na elaboração concetual, que dirigimos agora a nossa reflexão para a TSA, que, pela sua natureza, deveria representar todo o quadro fenomenológico do turismo contemporâneo.

8.      Validade e limitações do conceito da “Tourism Satellite Account”

O turismo tem sido estudado como uma atividade económica, a partir dos seus produtos e das suas empresas. Mas recoloquemos a questão primordial, porque viajam as pessoas e para quê? E partamos da matriz criada pela OMT, a partir de um modelo conceptual que assenta nos serviços e produtos oferecidos pelo mercado e no que parece ser a motivação e finalidade dos diversos segmentos turísticos, composto pelas categorias e atividades seguintes:

Quadro 1. “List of categories of tourism characteristic consumption products and tourism characteristic activities 2008 Tourism Satellite Account: Recommended Methodological Framework (TSA: RMF 2008). Jointly presented by the United Nations Statistics Division (UNSD), the Statistical Office of the European Communities (EUROSTAT), the Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD) and the World Tourism Organization (UNWTO)”

Esta conceptualização, se adequada para distinguir entre si os serviços turísticos, não permite no entanto separar os produtos que são especificamente turísticos do que são serviços prestados à sociedade em geral, seja nos transportes ou na oferta cultural, como exemplos.
Mas sobretudo, tão pouco engloba todas as categorias de produtos e atividades que configuram a oferta e a procura turística contemporâneas_ os diversos Tipos de Turismo. Como seja, além do Turismo Cultural, o Turismo de Natureza ( ou ecológico), o Turismo em Espaço Rural, o Turismo de Idioma, o Turismo Itinerante, o Turismo Residencial de Longa Duração, o Turismo de Mar e de Rio, o Turismo Escolar e Científico, o Turismo Desportivo e de Desporto.
Podemos identificar e caracterizar doze tipos de turismo, diferenciados concetualmente pelas estruturas que organizam a oferta e pelo produto que oferecem e, nelas incluindo as dimensões física e metafísica, material e imaterial dos seus produtos turísticos específicos. Enunciamos esses doze tipos de turismo, enfatizando as suas estruturas orgânicas diferenciadoras:
1. O Turismo Cultural, nele incluindo os museus, monumentos e sítios históricos e arqueológicos, galerias de arte, nomeadamente os que são Património da Humanidade, festas e celebrações. Integrando o Turismo Religioso.
2. O Turismo de Natureza ou Ecológico, estruturado com a Rede de Parques e Reservas Naturais, Sítios Paleontológicos, e os Centros de Interpretação da Natureza, alguns dos quais também recebem o estatuto de Património da Humanidade, enquadrado pelos grandes quadros paisagísticos. Onde se insere o Turismo de Saúde, assente na oferta termal, mas também nos prazeres da água, alimentação funcional, passeios e itinerários/percursos oferecidos pelos circuitos. E se articulam ainda os Desportos de Natureza.
3. O Turismo (em Espaço) Rural, organizado a partir do alojamento em pleno campo, de descoberta das paisagens humanizadas (culturais) e dos ciclos de trabalho, associado ao turismo ativo entendido como um conjunto de atividades físicas, ao turismo de golfe, ao turismo cinegético e à pesca amadora, com elementos do turismo de saúde, tais são as atividades de ar livre e a alimentação tradicional (funcional).
4. O Turismo de idioma, promovido sobretudo pelas universidades e institutos do ensino superior, dirigido à promoção do conhecimento da língua e da cultura entre os estrangeiros.
5. O Turismo de Congressos e Negócios. Que necessita de uma rede de centros de congressos e recintos de feiras.
6. O Turismo Gastronómico e Enológico, organizado a partir dos estabelecimentos de restauração e adegas, com relevo particular para a valorização do vinho, dos enchidos, dos queijos e das receitas gastronómicas, com valor de ícones.
7. O Turismo de mar e de rio, que inclui portos e marinas, praias fluviais e albufeiras, com as suas atividades de lazer e os seus desportos característicos.
8. O Turismo Residencial de longa duração, assente na compra de habitação própria,  que se expande do litoral para o interior.
9. O Turismo Itinerante, que corresponde ao emergir de uma nova classe de utilizadores das modernas autocaravanas e utiliza as infraestruturas disponíveis para o turismo cultural e de natureza, embora necessite igualmente de um novo tipo de parques para autocaravanas.
10. O Turismo escolar e científico, partindo das escolas, universidades centros de investigação e associações, que corresponde aos modelos das visitas de estudo ou dos passeios intercalares ou de finalistas, que se prolongam para além de uma jornada, mas também a percursos ou a expedições de carácter e objetivos marcadamente científicos e culturais, ampliado pelo emergir dos museus (e centros de ciência) e parques temáticos de 3ª geração e pela musealização da arqueologia industrial.
11. O turismo desportivo e de desporto, servido pela rede multifacetada dos desportos modernos, entendendo o primeiro como o que se refere à deslocação dos atletas profissionais e amdores e das suas equipas e o segundo relativo aos adeptos e espectadores.
12. O turismo de jogo e diversão, organizado a partir dos casinos e dos parques temáticos, com a sua animação própria.
É óbvio que esta tipificação do turismo não coincide, nem com as categorias usadas na TSA_ Tourism Satellite Account nem com os produtos e tipologia adotados pelo PENT_ Plano Estratégico Nacional do Turismo.
Enfim, julgamos que a tabela classificativa apresentada, dos doze tipos de turismo tem pelo menos o mérito de configurar a atividade turística no quadro conceptual da autonomia e diferenciação da sua atividade económica, sem se restringir a esta dimensão, com com base em dois critérios estruturantes das suas categorias comuns a todos os tipos: a sua estrutura orgânica produtiva e os seus diferentes produtos, que adiante desenvolveremos apenas na categoria “Turismo Cultural”, por respeito à dimensão de um artigo.
Nesta base categorial contem-se a proliferação de conceitos vagos, impossíveis de configurar autonomamente: como seja, turismo ativo, turismo sénior, turismo de experiências, acessível….pois toda atividade turística pressupõe vivenciar experiências, alguma atividade participativa e os seniores  consomem produtos equivalentes aos jovens e a acessibilidade é um imperativo funcional e ético aplicável a deficiências sem idade, disfuncionalidades,  etc…
Assim sendo, colocamo-nos na perspetiva de Licínio Cunha, quando escreve: “Se não é correto designá-lo como sector, em razão da sua heterogeneidade, seria redutor designá-lo por indústria…” (Cunha, 2006)
Seria redutor também, na nossa opinião, porque a moderna abordagem conceptual da fenomenologia do turismo inclui uma economia própria, uma perspetiva histórico-política, uma dimensão sociocultural e uma dimensão antropológica ( que já enforma o documento final do Código Mundial de Ética do Turismo).

9.     Turismo Cultural: do conceito ao produto

Nesta linha de pensamento crítico, exemplificamos a sua validade para a hermenêutica do turismo aplicando-o na resposta à questão de como conceptualizar o turismo cultural, abarcando toda sua diversidade teórica, as estruturas orgânicas e produtos!?
Propomos a seguinte definição:  É uma actividade produtiva  orgânica do turismo constituída por uma gama de  produtos turísticos que incorporam, ao nível da concepção, organização, promoção e consumo, conteúdos e matérias dos domínios da cultura e da cultura científica, em particular, da museologia e das ciências do património, mas ajustados à dinâmica e aos objectivos da economia do turismo, no quadro da gestão das suas Cadeias de Valor.
Esta definição deve ser complementada com a indentificação clara das suas estruturas orgânicas e dos seus produtos específicos.
Exemplifiquemos: os museus, na ampla definição do ICOM ( incluindo jardins botânicos, centros de ciência, monumentos... ), que inclui as três gerações de museus, constituem as suas principais estruturas orgânicas, podendo mesmo afirmar-se que sem a sua rede não se estrutura um destino de turismo cultural; mas o museu oferece inúmeros produtos, que vão desde as visitas às suas exposições permanentes, passando pelas suas galerias de exposições temporárias, com diversos percursos, até à valorização da sua arquitectura, jardins e paisagens envolventes,  espectáculos  ligados aos seus contextos museográficos, ateliers, conferências e por aí adiante. Ora é a capacidade dos museus desdobrarem os seus conteúdos em múltiplos e variados produtos, que explica e garante o afluxo de milhões de visitantes aos mais importantes e o seu regular retorno. O Louvre é um bom exemplo desta potencialidade turística, com os seus 8,3 milhões de visitantes em 2007, 8,5 milhões em 2008...e a ultrapassar os 10  milhões em 2012 (Musée du Louvre, 2011). Ao mesmo tempo que que a Tate Modern (Museu-Galeria de Arte), em Londres ultrapasava a barreira dos 5 milhões(Blouin Artinfo UK, 2013)  e em Espanha o palácio da Alhambra, com os seus jardins árabes do Generalif, símbolo do esplendor da cultura hispano-árabe no século XVI, resistia bem à crise (-2,8% de visitantes) conservando o lugar de monumento mais visitado deste país ( uma verdadeira Meca do turismo mundial) com 2.260.299 visitantes.
E, portanto, o turismo cultural transformou-se em “turismo de massas”, sendo estas massas sobretudo classe média; e “o gosto” desta classe, que é um conceito que é preciso adicionar ao de “motivação” da viagem, identifica-se cada vez mais com os produtos da cultura na sua dupla dimensão, estética e ética.

10.   Conclusões

O capital turístico não se constitui apenas com o investimento imobiliário e em equipamentos de turismo (capital fixos), e em capital variável ( quadros e trabalhadores especializados, planeamento, gestão e marketing), mas cada vez mais com a adição de investimento intelectual, científico, cultural na criação de produtos turísticos, como são hoje os do turismo cultural e os de turismo da natureza ( ou ecoturismo).
Procurámos demonstrar que o que constitui recurso turístico é a paisagem cultural ( ou “selvagem”, onde a influência antrópica é menos evidente), lá onde “existem” todos os patrimónios  da paisagem urbana e rural humanizadas.
A importância do (s) património (s) para o sucesso da nova economia do turismo é crucial. A transferência de conhecimento e saberes das áreas das ciências do património e das ciências ambientais para a área do turismo, permite reestruturar os destinos e os seus produtos de turismo, em conformidade com a mudança nas motivações e no gosto da classe média-média e média alta, que constitui o público-alvo da sua oferta, consolidação e renovação.
Estes novos produtos turísticos, como mercadorias que são, possuindo embora um valor acrescentado e de troca comparável às mercadorias comuns, comportam-se face à concorrência de um modo peculiar, complementando-se.
Atualmente a=f(p), isto é, a generalidade das unidades hoteleiras, na sua uniformidade construtiva e de serviços, deixou de ser o polo de atração, tendendo a tornar-se dependente da existência na sua área funcional de mercado de valores patrimoniais conservados e acessíveis ao público.
A hermenêutica da paisagem cultural na sua aplicação ao estudo do Corpus do Turismo e da atividade turística integra os conceitos de “ecologia da paisagem” e “metafísica da paisagem”, pois são os que melhor se adequam à sua operação.
Os conceitos de Rota e Circuito Turísticos baseiam-se na necessidade de utilizar uma metodologia científica inter e pluridisciplinar para organizar e guiar a visita ao território, que permite ler e interpretar as suas paisagens culturais, o património material e imaterial da paisagem humanizada.
São as Rotas e Circuitos, integradas nas paisagens culturais e nos seus Destinos Turísticos, que geram as principais mais-valias, mas não são as estruturas que organizam essas Rotas e Circuitos, os museus, monumentos e parques, a recolher os maiores valores; a renda do turismo é recolhida externamente nas já referidas Cadeias de Valor.
A matriz da Conta Satélite do Turismo, criada pela OMT, a partir de um modelo conceptual que assenta nos serviços e produtos oferecidos pelo mercado e no que parece ser a motivação e finalidade dos diversos segmentos turísticos, não permite no entanto separar os produtos que são especificamente turísticos do que são serviços prestados à sociedade em geral.
Mas sobretudo, tão pouco engloba todas as novas categorias de produtos e atividades que configuram a oferta e a procura turística contemporâneas_ os diversos Tipos de Turismo, abrindo assim um novo desafio à investigação em turismo, para a sua reformulação..

11.  Bibliografia

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[1] Na bibliografia apresentamos diversos Roteiros construídos de acordo com esta metodologia.
[2] Na bibliografia indicamos algumas obras que medem o impacte económico do património na economia.

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