pp. 107-117 | Turismo cultural e economia do património
[ ANTÓNIO DOS SANTOS QUEIRÓS ]
Resumo
No âmbito da economia do turismo
cultural e de natureza, procuramos centrar a nossa análise no processo de
geração do valor e a produção de mais-valias, questionando a sua gestação e o
modo como emergem nas Cadeias de Valor da atividade turística, a partir da
reflexão hermenêutica sobre três questões: Forma e essência do recurso
turístico. Valor acrescentado, criação da mercadoria (produto) turístico. E
reprodução do capital turístico.
Para chegar ao conceito das suas “externalidades”,
que é fundamental para a compreensão do carácter específico da economia do
turismo, da sua produtividade e competitividade.
Sobre esta base, conceptual e
metodológica, elaborámos os conceitos de Rota e Circuito Turísticos, assentes
numa metodologia científica inter e pluridisciplinar para organizar e guiar a
visita ao destino turístico, que permite ler, interpretar e usufruir as suas
paisagens culturais.
Finalmente, procuramos estabelecer
critérios concetuais uniformes e coerentes para identificar e distinguir as
diferentes categorias tipológicas do turismo, confrontando-as com a matriz da
TSA, num contexto internacional onde emergem diferentes paradigmas, com a
ascensão do turismo cultural e de natureza (turismo ambiental).
Palavras-chave:
Valor. Capital turístico. Externalidades. Rota e Circuitos. Tipos de Turismo
Abstract
In
the context of the economy of cultural tourism and the tourism of nature, we
focused our analysis in the process of value generation and
how capital gains are produced , questioning their gestation and the way
how they emerge in the value chains of
tourist activity, supporting that
hermeneutic reflection on three issues: The form and essence of tourist
resource. Value added and creation of commodities (products). The reproduction
of capital invested in tourism.
To
attempted the concept of their externalities, which is fundamental to
understanding the specific character of the tourism economy, productivity and
competitiveness. On this basis, conceptual and methodological, we have drawn up
the Route and Tourist Circuit concepts, based on a scientific methodology
inter-and multidisciplinary, to organize and guide the visit to tourism
destinations, which allows to read,
interpret and enjoy their cultural landscapes.
Finally,
we seek to establish uniform and consistent conceptual criteria to identify and
distinguish the different typological categories of tourism, confronting them
with the matrix of TSA, in an international context where different paradigms emerge,
namely the rising of the cultural tourism
and tourism of nature (environmental
tourism).
Keywords: Value.
Tourism Capital. Externalities. Route and Circuits. Typological categories
1. Metodologia e objeto do trabalho
Toda a teoria científica tem como suporte
um conjunto de axiomas. A metodologia do trabalho científico consiste no
desenvolvimento desses axiomas para deles retirar consequências “físicas”, isto
é, no caso do turismo, para analisar a sua fenomologia. Tal significa, no
estudo da evolução prática da atividade turística, explicar e prever os seus
resultados, através da prática da observação dos seus fenómenos ou da
experimentação dos seus processos.
Para que a concetualização formal do
turismo se conforme com a construção de uma hermenêutica científica, ela deve
ser capaz de estabelecer uma relação dialógica entre a observação e os
conceitos matemáticos (em sentido amplo) e esforçar-se por identificar os
fenómenos que correspondem aos conceitos abstratos elaborados pela investigação
na área do turismo.
É óbvio que neste texto a dimensão da
pesquisa se deve confinar quer à sua natureza quer aos seus limites de artigo.
Pelo que o autor optou por circunscrever o número de axiomas e dirigir o
desenvolvimento teórico do artigo em duas direções, para a comunidade académica,
mas também para os decisores políticos e conómicos, procurando demonstrar a
estes que estamos em presença de questões teóricas de vital importância para o
bom andamento da sua governação e dos seus negócios. São também dois os axiomas:
_ Existem atualmente no mercado
turístico “estranhos fenómenos” não explicáveis pelas leis tradicionais do
mercado!?
_ E assim sendo, estes fenómenos
novos afetam (em que medida?) a fiabilidade da Conta Satélite do Turismo e
conduzem-nos a conceptualizar novos tipos de turismo!?
Em nome da economia do espaço-tempo
de um artigo e na convição de que os leitores estarão familiarizados com a
literatura sobre o capital e os recursos turísticos e as suas Cadeias de Valor,
passamos de imediato à análise e discussão.
2.
Uma
estranha economia!?
A composição dos produtos do Turismo
Cultural com base no património construído, nos espetáculos, descoberta dos estilos
de vida, eventos e acontecimentos de índole cultural, proposta por Swarbrooke
(2002), transmite-nos uma visão aproximada da diversidade dos contextos e
produtos de turismo cultural, mas deve estar conectada com o funcionamento
específico de economia do turismo e, neste quadro, levar-nos a estudar como hoje
se constitui e ser reproduz o capital turístico na sua relação com o património
e a denominada “indústria de cultura”, mas também a reconhecer a extensão de
penetração cultural na atividade turística, que pode ter levado a mudanças
profundas no paradigma tradicional de turismo.
O conceito de indústria turística
conduziu a olhar os recursos locais_ biológicos e geológicos, agropecuários e
silvícolas, etc. como as suas matérias-primas. Na verdade os primeiros são
utilizados e transformados por outras indústrias, e, em muitos casos, a
atratividade do turismo exige sobretudo a sua conservação. Quanto aos segundos,
o seu consumo é partilhado entre residentes e viajantes.
O que constitui recurso turístico é a
paisagem cultural ( ou selvagem, onde a influência antrópica é menos evidente),
paisagem humanizada, que investigaremos a seguir. A sua leitura e interpretação
é a base da criação do produto turístico e da sua primeira metamorfose de
valor. É a “ecologia da paisagem” e a sua “metafísica”, que constituem a
essência do recurso turístico, mas só a sua interpretação e leitura lhe confere
um novo acréscimo de valor cultural e económico. A paisagem não é um livro
aberto, inteligível empiricamente. A sua transformação em produto turístico
passa pela sua legibilidade, que lhe confere valor de uso; é uma metamorfose
que, no plano da economia gera valor, e é também um processo de literacia
cultural, mediado pela construção da linguagem de comunicação turística; o
resultado deste processo altera a forma e a essência dos conceitos tradicionais
de recurso e de produto turístico.
A História Natural, servida pelas
Ciências da Terra, pela Geologia e a Geomorfologia em particular, revela-nos a
diversidade do património geológico e aos seus monumentos naturais. O Prof.
Galopim de Carvalho propõe, nesta matéria, a classificação de três tipos de
Geomonumentos: Afloramentos, sítios e paisagens, de dimensão física crescente.(Carvalho,
1999)
As Ciências da Vida informam-nos das
dimensões e do valor da biodiversidade, sobretudo a Biologia e a Botânica, tal
como sobre o valor dos novos biótopos resultado da humanização da paisagem. A
História Social, nas suas valências, arqueológicas, monumentais, artísticas e
etnográficas, permite-nos usufruir do património construído, das obras de arte
e literatura, e dos objetos e peças etnográficas.
E quando abordamos estas
“matérias-primas”, não nos esquecemos da sua dimensão imaterial, traduzida no
imaginário erudito e popular e nas suas expressões criativas, na literatura, na
dança, no filosofar, na música… mas sobretudo na Estética da paisagem e dos
seus valores imateriais e éticos.
A expansão da espécie humana por
todas as regiões do globo e sua adaptação à diversidade dos habitats gerou na
Idade Moderna uma nova relação da Humanidade com a Natureza: deixaram de
existir os grandes quadros naturais puros, toda a paisagem se transforma,
direta ou indiretamente, pela atividade humana, produzindo ora inomináveis
destruições ora novas paisagens culturais.
Neste quadro concetual, o capital
turístico não se constitui apenas com o investimento imobiliário e em
equipamentos de turismo (capital fixos), e em capital variável ( quadros e
trabalhadores especializados, planeamento, gestão e marketing), mas cada vez
mais com a adição de investimento intelectual, científico, cultural na criação
de produtos turísticos, como são hoje os do turismo cultural e os de turismo da
natureza ( ou ecoturismo).
3. Mercado
de concorrência ou mercado cooperativo?
Estes novos produtos turísticos, como
mercadorias que são, possuindo embora um valor acrescentado e de troca comparável
às mercadorias comuns, comportam-se face à concorrência de um modo peculiar,
que importa pôr em evidência. Cada novo turista ganho para o “gosto” (aqui
considerado como categoria) por um determinado produto do turismo cultural ou
de natureza, tenderá a procurar e consumir todos os produtos afins, isto é, visitar
todos os outros museus, monumentos, parques naturais, etc.. Esta concorrência,
pela diferenciação, gera complementaridade e redes de cooperação, em vez de
exclusão do concorrente.
Assim, os pequenos municípios que
concorrem entre si pela primazia dos fluxos turísticos e que não têm escala de
competição e as entidades regionais de turismo assentes na promoção baseada na
diferenciação administrativa municipal, podem ganhar essa escala de competição
através da constituição de “unidades territoriais de turismo ambiental”
(turismo de cultural e de natureza), organizadas como Circuitos (
intermunicipais e transmunicipais) integradores de todo o património, oferecido
sob a forma de grandes Rotas que integram os diversos Circuitos, com
itinerários e percursos que atravessam sucessivas vezes o seu concelho,
atraindo os turistas pelos valores do património material e imaterial e
transformando exursionistas em turistas.
A ênfase no património e não no
paradigma do “sol e praia” mais “alojamento e restauração”, a ênfase nos
patrimónios e não no “produto município X”, está associada ao crecimento de uma nova
classe média instruída e culta, com um “gosto” diferente (categoria que é
preciso introduzir e associar ao conceito de “motivação), composta de forma
equilibrada por homens e mulheres emancipadas pelo trabalho social, por jovens
infoinstruidos e um número crescente de reformados em idade ativa, dotados de
grande mobilidade permitida pela revolução científica e tecnológica nos
transportes, sobretudo os aéreos e na comunicação nultimédia e pela internet.
Esse esquema de Rota e Circuitos
assenta numa base científica e técnica, estável e duradoura, que adiante
explicitaremos e não na divisão administrativa, pois esta resulta da
arbitrariedade política e sofre vicissitudes cíclicas, resultantes do
desenvolvimento desigual e assimético e das crises periódicas da economia de
mercado. A criação das Rotas e Circuitos, que resultam do inventário do
património (s), material e imaterial,
permite igualmente elaborar um número elevado de Guias locais e
temáticos, multiplicando e diversificando a oferta de produtos turísticos.
A esta luz também as noções de
competitividade ganham aqui um significado próprio e o desenvolvimento
económico das novas formas de turismo cria uma dinâmica singular e aglutinadora
que determina a evolução de outras áreas económicas a montante e a jusante,
como seja, a necessidade de promover uma economia de conservação da natureza e
dos patrimónios culturais, e, em paralelo, a promoção da agricultura
sustentável e da reforma da construção civil em favor da reabilitação arquitetónica
e dos conjuntos urbanos ou a disseminação das infotecnologias e da cultura
cibernética.
4.
Externalidades. Uma revolução silenciosa na relação
alojamento-património: A nova função a = f(p)
Durante longos anos os hotéis e afins corporizaram os principais polos de
atração turística. O que mudou deste então?
Seja “a” a variável do
alojamento e “p” a variável que representa o conjunto do património natural e
cultural. A lei matemática assenta na correspondência entre a e p,
correspondência unívoca no sentido a→p. Anteriormente, dizíamos que a variável
p é uma função variável de a e escrevemos simbolicamente p=f(a), sendo que a (alojamento)
era a variável independente e p (património) a variável dependente. Ora, o que
resulta do emergir de uma nova classe média culta, da emancipação da mulher
contemporânea pelo trabalho, de uma juventude cada vez mais instruída e da
antecipação da reforma ativa em segmentos da classe média, é uma mudança de
gosto e de motivação nas viagens, provocando uma inversão funcional. Atualmente
a=f(p), isto é, a generalidade das
unidades hoteleiras, na sua uniformidade construtiva e de serviços, deixou de
ser o polo de atração, tendendo a tornar-se dependente da existência na sua
área funcional de mercado de valores patrimoniais conservados e acessíveis ao
público. Esta nova relação unívoca tornou o alojamento uma variável económica
dependente do património. No campo da matemática, em rigor, a um valor de “p“corresponde
um só valor de “a” e, no mercado turístico, o mesmo monumento, sítio ou
paisagem é visitável a partir da existência de várias unidades hoteleiras,
relativamente próximas. E, ao alterar a relação funcional, põe em causa a
própria natureza do alojamento tradicional, pelo menos em quatro dimensões:
1ª: A exigência de qualidade construtiva no que concerne ao valor
arquitetónico da obra, correta inserção paisagística e gestão ambiental.
2ª A necessidade de conformar os seus serviços com os valores
patrimoniais da paisagem cultural onde se insere, oferecendo os seus produtos
mais genuínos na construção, restauração e no merchandising.
3ª A diversificação da oferta, complementando o serviço de alojamento,
restauração e merchandising, com o de
animação, e em especial com a proposta de Rotas e Circuitos de Turismo Cultural
e de Natureza.
4ª A eliminação das barreiras arquitetónicas, de modo a acolher todos os
hóspedes com necessidades especiais e a criação de estruturas paramédicas e de
lazer adequadas, sobretudo aos turistas seniores: desde o acesso rápido a
serviços de saúde aos parques gerontológicos.
5.
Os
conceitos de Rota e Circuito
Adotamos aqui o quadro
concetual proposto por Queirós (2010). Os conceitos de Rota e Circuito Turísticos baseiam-se na
necessidade de utilizar uma metodologia científica inter e pluridisciplinar
para interpretar e organizar a visita ao território, que permite ler, interpretar
e usufruir as suas paisagens culturais.
E representam um conceito estratégico de planeamento e gestão da economia do
turismo conforme as singularidades do seu mercado, que enfatiza a cooperação
sobre a concorrência.
A primeira chave dessa leitura e
interpretação é a História Natural, as Ciências da Terra, a Geologia. Logo
seguida pelas Ciências da Vida, reveladoras do resplendor da biodiversidade. E
a História moderna, social, artística, associada à Etnografia, à Antropologia.
Mas a Geografia é, provavelmente, a
ciência que, na sua metodologia de trabalho científico, mais próxima fica das
«Ciências do Turismo».
Tal como nesta ciência, a essência da
metodologia do trabalho científico de informação e guionamento turísticos
consiste em «descrever e interpretar» a Terra e os homens que vivem no seu
seio, mas de forma acessível aos diferentes segmentos de público e, por aqui,
passa a separação entre o objeto científico da Geografia e o objeto e o produto
turísticos.
Esta conceção científica ao conduzir
a uma Filosofia nascida da observação e da leitura da paisagem e da síntese da
Terra e do Homem que a habita e transforma (que designamos como «paisagem
cultural»), mas ao mesmo tempo a ameaça degradar ou destruir, fundamenta a
necessidade de uma ética do turismo, construída, tal como as novas Éticas
Ambientais, pela crítica ao antropocentrismo e ao etnocentrismo.
Entendemos por Rota Turística um
conjunto organizado de Circuitos de descoberta e usufruto de todos os
patrimónios, com uma identidade própria e única, fundada na ecologia e na
metafísica da paisagem, acessível a todos os públicos mas com produtos
diferenciados segundo os seus segmentos, potenciador da organização e
desenvolvimento das Cadeias de Valor da atividade turística.[1]
Definimos Circuito Turístico como um
percurso integrador de todos os patrimónios, de curta duração (não deve
superior a uma jornada/um dia), acessível a todos os públicos mas segmentado,
com uma identidade autónoma e inconfundível, organizado na perspetiva de
descoberta e usufruto da ecologia da paisagem (num sentido do contributo científico
interdisciplinar para a sua leitura ) e da metafísica da paisagem (património
imaterial, imaginário erudito e popular), e segundo o princípio comunicacional/emocional
da “montagem de atrações”, capaz de sustentar e desenvolver as Cadeias de Valor
da atividade turística. (Queirós, 2010).
Embora existam elementos comuns entre
os Circuitos_ por exemplo, igrejas da mesma época, pratos gastronómicos comuns,
a mesma flora…a soma dos seus patrimónios deverá produzir dialeticamente uma
oferta única e identitária. E é também por aqui que a atividade do turismo se
diferencia dos outros domínios científicos, pois a seleção e a valoração é
determinada pela diferenciação do produto turístico.
Este conceito novo constrói-se com os
contributos conceptuais da Geografia, observação seletiva e descrição
significativa da paisagem cultural, isto é, dos seus patrimónios histórico,
natural, etnográfico; da Filosofia da Natureza e do Ambiente, “ecologia e
metafísica da paisagem”; das ciências da comunicação, envolvendo a psicologia
dos afetos e o cinema (a montagem das atrações é um conceito eisensteiniano);
da economia, Cadeias de Valor…E a sua construção metodológica consiste na reapropriação,
para um novo objeto de estudo, de conceitos tradicionalmente usados noutros
domínios científicos.
6.
Reestruturar o Turismo para aumentar a
produtividade e competitividade (e sustentabilidade). A paisagem cultural
oferecida sob a forma de Rota e Circuitos.
São as Rotas e Circuitos, integradas nas
paisagens culturais e nos seus Destinos Turísticos, que geram as principais
mais-valias, mas não são as estruturas que organizam essas Rotas e Circuitos,
os museus, monumentos e parques, a recolher os maiores valores; a renda do
turismo é recolhida externamente nas já referidas Cadeias de Valor.
Com as Rotas e Circuitos promove-se a
passagem do estatuto económico de excursionista a turista, aumenta-se o seu
tempo de permanência e a vontade/necessidade de regresso, ultrapassa-se a
sazonalidade e fomenta-se o consumo de qualidade, isto é, no seu conjunto, o
incremento da produtividade.
O crescimento da competitividade da
economia do turismo resultará sobretudo capacidade de organizar as Rotas e
Circuitos integradoras de todos os patrimónios, que, progressivamente
integrarão os atuais polos de atração urbanos, conferindo-lhe uma dinâmica de
visita regional, inter-regional e mesmo transfronteiriça.
Mas a ecologia e a estética da
paisagem dependem hoje ainda mais dos agricultores e camponeses, porque não há
uma conservação plena da ecologia da paisagem, nem se preserva a sua estética
com o ermamento e abandono do mundo rural, onde persistem hoje inumeráveis
biótopos que resultam da interação da ação antrópica com a biodiversidade
inicial. Com a sua ruína e emigração, correm risco de desaparecer muitas paisagens
culturais.
Noutro plano, ocorre igualmente um
processo de destruição e despovoamento dos denominados centros-históricos
urbanos.
Eis como a reabilitação dos
patrimónios e a conservação da natureza e dos objetos culturais se tornou uma
questão vital para a atividade do Turismo e para a rentabilização das suas
Cadeias de Valor tradicionais.[2]
7. A elaboração concetual em ciência
A concetualização formal do turismo tem-se
desenvolvido através da aquisição de vocábulos de outras áreas, processo que é comum
aos diversos domínios científicos e à sua dinâmica interdisciplinar, mas, e no
caso vertente, de uma forma pragmática, sem um debate unificador e crítico de
muitos dos conceitos mais vulgarizados. Ora, toda a construção concetual, em
ciência, necessita de obedecer ao imperativo da unidade interna dos seus
critérios unificadores e diferenciadores, sob pena de confusão, sobreposição,
perda de coerência e desfuncionalidade.
Por exemplo, o “turismo ativo” surge
frequentemente caraterizado como uma categoria autónoma, quando as suas estruturas
orgânicas, atividades e produtos são comuns a diversos tipos de turismo_ como
seja o turismo cultural, o turismo de natureza, o turismo em espaço rural, o
turismo desportivo… Do mesmo modo, o “turismo sénior”, quando analisado a
partir das suas estruturas orgânicas e produtos, não é suscetível de constituir
uma categoria autónoma, pois as atividades e produtos que que lhe correspondem
são as oferecidas pelo turismo cultural, pelo turismo de natureza, pelo turismo
enológico e gastronómico, etc., não possuindo estruturas orgânicas autónomas,
embora necessite de associar às estruturas desses tipos de turismo o princípio
e os meios da “acessibilidade”. Pelo que julgo preferível o uso, nesses dois
casos e sem o peso categorial, das expressões “turismo com atividades físicas”
e “turismo dos séniores”, como “atributos” e não categorias.
É nesta dupla linha de pesquisa_ efetiva
adequação dos conceitos à nova fenomelogia do turismo contemporâneo, onde
parecem emergir novos paradigmas e procura do rigor científico na elaboração
concetual, que dirigimos agora a nossa reflexão para a TSA, que, pela sua
natureza, deveria representar todo o quadro fenomenológico do turismo
contemporâneo.
8.
Validade
e limitações do conceito da “Tourism Satellite Account”
O turismo tem sido estudado como uma
atividade económica, a partir dos seus produtos e das suas empresas. Mas
recoloquemos a questão primordial, porque viajam as pessoas e para quê? E
partamos da matriz criada pela OMT, a partir de um modelo conceptual que
assenta nos serviços e produtos oferecidos pelo mercado e no que parece ser a
motivação e finalidade dos diversos segmentos turísticos, composto pelas
categorias e atividades seguintes:
Quadro 1. “List of
categories of tourism characteristic consumption products and tourism characteristic activities 2008
Tourism Satellite Account: Recommended Methodological Framework (TSA: RMF 2008). Jointly presented by the United
Nations Statistics Division (UNSD), the Statistical Office of the European
Communities (EUROSTAT), the Organisation for Economic Co-operation and
Development (OECD) and the World Tourism Organization (UNWTO)”
Esta conceptualização, se adequada
para distinguir entre si os serviços turísticos, não permite no entanto separar
os produtos que são especificamente turísticos do que são serviços prestados à
sociedade em geral, seja nos transportes ou na oferta cultural, como exemplos.
Mas sobretudo, tão pouco engloba
todas as categorias de produtos e atividades que configuram a oferta e a procura
turística contemporâneas_ os diversos Tipos de Turismo. Como seja, além do
Turismo Cultural, o Turismo de Natureza ( ou ecológico), o Turismo em Espaço
Rural, o Turismo de Idioma, o Turismo Itinerante, o Turismo Residencial de
Longa Duração, o Turismo de Mar e de Rio, o Turismo Escolar e Científico, o
Turismo Desportivo e de Desporto.
Podemos identificar e caracterizar doze
tipos de turismo, diferenciados concetualmente pelas estruturas que organizam a
oferta e pelo produto que oferecem e, nelas incluindo as dimensões física e
metafísica, material e imaterial dos seus produtos turísticos específicos.
Enunciamos esses doze tipos de turismo, enfatizando as suas estruturas orgânicas
diferenciadoras:
1. O Turismo Cultural, nele incluindo os museus, monumentos e sítios
históricos e arqueológicos, galerias de arte, nomeadamente os que são
Património da Humanidade, festas e celebrações. Integrando o Turismo Religioso.
2. O Turismo de Natureza ou Ecológico, estruturado com a Rede de
Parques e Reservas Naturais, Sítios Paleontológicos, e os Centros de
Interpretação da Natureza, alguns dos quais também recebem o estatuto de
Património da Humanidade, enquadrado pelos grandes quadros paisagísticos. Onde
se insere o Turismo de Saúde, assente na oferta termal, mas também nos prazeres
da água, alimentação funcional, passeios e itinerários/percursos oferecidos
pelos circuitos. E se articulam ainda os Desportos de Natureza.
3. O Turismo (em Espaço) Rural, organizado a partir do alojamento em
pleno campo, de descoberta das
paisagens humanizadas (culturais) e dos ciclos de trabalho, associado ao
turismo ativo entendido como um conjunto de atividades físicas, ao turismo de
golfe, ao turismo cinegético e à pesca amadora, com elementos do turismo de
saúde, tais são as atividades de ar livre e a alimentação tradicional (funcional).
4. O Turismo de idioma, promovido sobretudo pelas universidades e
institutos do ensino superior, dirigido à promoção do conhecimento da língua e
da cultura entre os estrangeiros.
5. O Turismo de Congressos e Negócios. Que necessita de uma rede de centros de congressos e recintos de feiras.
6. O Turismo Gastronómico e Enológico, organizado a partir dos
estabelecimentos de restauração e adegas, com relevo particular para a
valorização do vinho, dos enchidos, dos queijos e das receitas gastronómicas,
com valor de ícones.
7. O Turismo de mar e de rio, que inclui portos e marinas, praias
fluviais e albufeiras, com as suas atividades de lazer e os seus desportos
característicos.
8. O Turismo Residencial de longa duração, assente na compra de
habitação própria, que se expande do
litoral para o interior.
9. O Turismo Itinerante, que corresponde ao emergir de uma nova classe
de utilizadores das modernas autocaravanas e utiliza as infraestruturas
disponíveis para o turismo cultural e de natureza, embora necessite igualmente
de um novo tipo de parques para autocaravanas.
10. O Turismo escolar e científico, partindo das escolas,
universidades centros de investigação e associações, que corresponde aos
modelos das visitas de estudo ou dos passeios intercalares ou de finalistas,
que se prolongam para além de uma jornada, mas também a percursos ou a
expedições de carácter e objetivos marcadamente científicos e culturais,
ampliado pelo emergir dos museus (e centros de ciência) e parques temáticos de
3ª geração e pela musealização da arqueologia industrial.
11. O turismo desportivo e de desporto, servido pela rede multifacetada
dos desportos modernos, entendendo o primeiro como o que se refere à deslocação
dos atletas profissionais e amdores
e das suas equipas e o segundo relativo aos adeptos e espectadores.
12. O turismo de jogo e diversão,
organizado a partir dos casinos e dos parques temáticos, com a sua animação
própria.
É óbvio que esta tipificação do turismo não coincide, nem com as
categorias usadas na TSA_ Tourism
Satellite Account nem com os produtos e tipologia adotados pelo PENT_
Plano Estratégico Nacional do Turismo.
Enfim, julgamos que a tabela classificativa
apresentada, dos doze tipos de turismo tem pelo menos o mérito de configurar a
atividade turística no quadro conceptual da autonomia e diferenciação da sua
atividade económica, sem se restringir a esta dimensão, com com base em dois
critérios estruturantes das suas categorias comuns a todos os tipos: a sua
estrutura orgânica produtiva e os seus diferentes produtos, que adiante
desenvolveremos apenas na categoria “Turismo Cultural”, por respeito à dimensão
de um artigo.
Nesta base categorial contem-se a
proliferação de conceitos vagos, impossíveis de configurar autonomamente: como
seja, turismo ativo, turismo sénior, turismo de experiências, acessível….pois
toda atividade turística pressupõe vivenciar experiências, alguma atividade
participativa e os seniores consomem
produtos equivalentes aos jovens e a acessibilidade é um imperativo funcional e
ético aplicável a deficiências sem idade, disfuncionalidades, etc…
Assim
sendo, colocamo-nos na perspetiva de Licínio Cunha, quando escreve: “Se não é
correto designá-lo como sector, em razão da sua heterogeneidade, seria redutor
designá-lo por indústria…” (Cunha, 2006)
Seria redutor também, na nossa
opinião, porque a moderna abordagem conceptual da fenomenologia do turismo
inclui uma economia própria, uma perspetiva histórico-política, uma dimensão
sociocultural e uma dimensão antropológica ( que já enforma o documento final do
Código Mundial de Ética do Turismo).
9.
Turismo Cultural: do conceito ao produto
Nesta linha de pensamento crítico,
exemplificamos a sua validade para a hermenêutica do turismo aplicando-o na
resposta à questão de como conceptualizar o turismo cultural,
abarcando toda sua diversidade teórica, as estruturas orgânicas e produtos!?
Propomos
a seguinte definição: É uma actividade produtiva orgânica do turismo constituída por uma gama
de produtos turísticos que incorporam,
ao nível da concepção, organização, promoção e consumo, conteúdos e matérias
dos domínios da cultura e da cultura científica, em particular, da museologia e
das ciências do património, mas ajustados à dinâmica e aos objectivos da
economia do turismo, no quadro da gestão das suas Cadeias de Valor.
Esta
definição deve ser complementada com a indentificação clara das suas estruturas
orgânicas e dos seus produtos específicos.
Exemplifiquemos:
os museus, na ampla definição do ICOM ( incluindo jardins botânicos, centros de
ciência, monumentos... ), que inclui as três gerações de museus, constituem as
suas principais estruturas orgânicas, podendo mesmo afirmar-se que sem a sua
rede não se estrutura um destino de turismo cultural; mas o museu oferece
inúmeros produtos, que vão desde as visitas às suas exposições permanentes,
passando pelas suas galerias de exposições temporárias, com diversos percursos,
até à valorização da sua arquitectura, jardins e paisagens envolventes, espectáculos
ligados aos seus contextos museográficos, ateliers, conferências e por
aí adiante. Ora é a capacidade dos museus desdobrarem os seus conteúdos em
múltiplos e variados produtos, que explica e garante o afluxo de milhões de
visitantes aos mais importantes e o seu regular retorno. O Louvre é um bom
exemplo desta potencialidade turística, com os seus 8,3 milhões de visitantes
em 2007, 8,5 milhões em 2008...e a ultrapassar os 10 milhões em 2012 (Musée du Louvre, 2011). Ao
mesmo tempo que que a Tate Modern (Museu-Galeria de Arte), em Londres
ultrapasava a barreira dos 5 milhões(Blouin Artinfo UK, 2013) e em Espanha o palácio da Alhambra, com os
seus jardins árabes do Generalif, símbolo do esplendor da cultura hispano-árabe
no século XVI, resistia bem à crise (-2,8% de visitantes) conservando o lugar
de monumento mais visitado deste país ( uma verdadeira Meca do turismo mundial)
com 2.260.299 visitantes.
E, portanto, o turismo cultural
transformou-se em “turismo de massas”, sendo estas massas sobretudo classe
média; e “o gosto” desta classe, que é um conceito que é preciso adicionar ao
de “motivação” da viagem, identifica-se cada vez mais com os produtos da
cultura na sua dupla dimensão, estética e ética.
10.
Conclusões
O capital turístico não se constitui
apenas com o investimento imobiliário e em equipamentos de turismo (capital
fixos), e em capital variável ( quadros e trabalhadores especializados,
planeamento, gestão e marketing), mas cada vez mais com a adição de
investimento intelectual, científico, cultural na criação de produtos
turísticos, como são hoje os do turismo cultural e os de turismo da natureza (
ou ecoturismo).
Procurámos demonstrar que o que constitui
recurso turístico é a paisagem cultural ( ou “selvagem”, onde a influência
antrópica é menos evidente), lá onde “existem” todos os patrimónios da paisagem urbana e rural humanizadas.
A importância do (s) património (s)
para o sucesso da nova economia do turismo é crucial. A transferência de
conhecimento e saberes das áreas das ciências do património e das ciências
ambientais para a área do turismo, permite reestruturar os destinos e os seus
produtos de turismo, em conformidade com a mudança nas motivações e no gosto da
classe média-média e média alta, que constitui o público-alvo da sua oferta, consolidação
e renovação.
Estes novos produtos turísticos, como
mercadorias que são, possuindo embora um valor acrescentado e de troca
comparável às mercadorias comuns, comportam-se face à concorrência de um modo
peculiar, complementando-se.
Atualmente a=f(p), isto é, a
generalidade das unidades hoteleiras, na sua uniformidade construtiva e de
serviços, deixou de ser o polo de atração, tendendo a tornar-se dependente da
existência na sua área funcional de mercado de valores patrimoniais conservados
e acessíveis ao público.
A hermenêutica da paisagem cultural na sua aplicação ao estudo do
Corpus do Turismo e da atividade turística integra os conceitos de “ecologia da
paisagem” e “metafísica da paisagem”, pois são os que melhor se adequam à sua
operação.
Os conceitos de Rota e Circuito
Turísticos baseiam-se na necessidade de utilizar uma metodologia científica
inter e pluridisciplinar para organizar e guiar a visita ao território, que
permite ler e interpretar as suas paisagens culturais, o património material e
imaterial da paisagem humanizada.
São as Rotas e Circuitos, integradas nas
paisagens culturais e nos seus Destinos Turísticos, que geram as principais
mais-valias, mas não são as estruturas que organizam essas Rotas e Circuitos,
os museus, monumentos e parques, a recolher os maiores valores; a renda do
turismo é recolhida externamente nas já referidas Cadeias de Valor.
A matriz da Conta Satélite do
Turismo, criada pela OMT, a partir de um modelo conceptual que assenta nos
serviços e produtos oferecidos pelo mercado e no que parece ser a motivação e
finalidade dos diversos segmentos turísticos, não permite no entanto separar os
produtos que são especificamente turísticos do que são serviços prestados à
sociedade em geral.
Mas sobretudo, tão pouco engloba todas
as novas categorias de produtos e atividades que configuram a oferta e a procura
turística contemporâneas_ os diversos Tipos de Turismo, abrindo assim um novo
desafio à investigação em turismo, para a sua reformulação..
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