Fonte: CMG Publicado: 2023-04-12 09:25:44 Ver original, aqui!
O presidente francês
convidou a presidente da Comissão Europeia para o acompanhar na sua visita de estado à China. O discurso que a Srª
Von der Leyen proferiu antecipadamente, perante dois think-tanks europeus e a
Declaração conjunta entre a República Francesa e a República Popular da China,
revelam as divergências latentes entre os líderes europeus: a deriva da
Comissão Europeia para a perda de autonomia estratégica, é agora problematizada
pelo discurso ambíguo da própria líder; a
posição da França, de “relançar a dinâmica das relações franco-chinesas em
todos os domínios”, parece traduzir a vontade da maioria dos governos europeus, de reavivar os laços
comerciais e diplomáticos com a China.
O discurso da Presidente
da Comissão Europeia, ao propor uma “estratégia de redução dos riscos
económicos”, afirma que a União Europeia precisa definir o seu futuro
relacionamento com” a China e outros países em áreas sensíveis de alta
tecnologia, como microeletrônica, computação quântica, robótica, inteligência
artificial, biotecnologia”, mas omite quais são esses outros países e
sobretudo, oculta a crítica à lei/plano dos EUA “contra a inflação” que visa subsidiar a produção em território americano
de tecnologias limpas com 370 mil milhões de dólares, que a própria UE
considera discriminatória, e contrário às regras da Organização Mundial do
Comércio e que, em paralelo com a escalada inflacionária, ameaça levar as
empresas europeias a abandonar o seu continente.
Hoje há sinais claros de
que os partidos e políticos conservadores e neoliberais que dominam o
parlamento europeu e escolhem os líderes da Comissão, já não representam nem os
interesses do seu sector empresarial, nem da maioria dos seus cidadãos, abrindo
um largo campo político para o crescimento da extrema-direita chauvinista. A
presidente de Comissão Europeia que negociou com a China durante sete anos o
CAI_ Iniciativa Global de Investimento e celebrou a sua importância para a
recuperação económica e a prosperidade comum, afirma no seu discurso que este
acordo deve ser revisto porque pode pôr em causa a segurança europeia! Acusa a
política chinesa de sobrepor o
imperativo de segurança e controle à
lógica dos mercados livres e do comércio aberto, mas propõe aos governos
europeus fazer exatamente aquilo de que a China é acusada, servindo-se dos
regulamentos e das sanções!?
Contudo, nem a burocracia
de Bruxelas pode negar os contributos decisivos da China para a erradicação da
pobreza e a diplomacia da paz, que constituem a essência da Declaração
Universal dos Direitos do Homem e, não
menos importante, o seu papel na transição ecológica e do desenvolvimento
sustentável. “Em menos de 50 anos, a China saiu da pobreza generalizada e do
isolamento econômico para se tornar a segunda maior economia do mundo e líder
em muitas tecnologias de ponta. Desde 1978, o crescimento médio foi de mais de
9% ao ano e mais de 800 milhões de pessoas saíram da pobreza. Esta é uma das
maiores realizações do último meio século”… Existem algumas ilhas de
oportunidade nas quais podemos construir. Vejam as mudanças climáticas e a
proteção da natureza. Congratulo-me com o papel de liderança que a China
desempenhou na garantia do histórico acordo Kunming-Montreal sobre
Biodiversidade Global. E algumas semanas atrás, a China também foi um
participante ativo no acordo global para proteger a biodiversidade em águas
internacionais. Num momento de conflito e tensão global, essas são conquistas
diplomáticas notáveis – nas quais a China e a União Europeia trabalharam
juntas.” _ Afirmou a Srª Von Leyen. Para concluir: “Existem algumas ilhas de
oportunidade nas quais podemos construir… a diplomacia ainda pode funcionar –
seja na preparação para uma pandemia, na não proliferação nuclear ou na
estabilidade financeira global… A China é um parceiro comercial vital –
respondendo por 9% de nossas exportações de mercadorias e mais de 20% de nossas
importações de mercadorias. Enquanto os desequilíbrios estão crescendo, a maior
parte do nosso comércio de bens e serviços permanece mutuamente benéfico e 'sem
riscos'!
A presidente da Comissão
Europeia, logo se contradiz ao postular como “a quarta parte da estratégia de
redução de riscos econômicos o alinhamento com os parceiros do G7 e do G20”,
orientados para acordos de livre
comércio onde ainda não os temos – como com a Nova Zelândia, Austrália, Índia,
os nossos parceiros da ASEAN e do Mercosul”, e o Japão, através da iniciativa
estratégica Global Gateway, que procura mimetizar a nova Rota da Seda.
Enfim, a Comissão
Europeia pretende traçar a sua política internacional, como se a ONU não
existisse e ignorando que, sob a batuta dos EUA, seguindo a estratégia dos
teóricos “da Velha e da Nova Europa”, o próprio presidente dos EUA criou na
prática um novo bloco político-militar, a pretexto da guerra na Ucrânia, que
congrega a maioria das antigas repúblicas socialistas, tendo o governo da
Polónia como cabeça política e quartel-general da sua geoestratégia.
No
caminho da parceria estratégica, pela paz e pelo desenvolvimento sustentável
A política internacional da
França, apesar de enfraquecida pela crise social que nela alastra, tem na
Declaração Conjunta um projeto de cooperação
que serve, em primeiro lugar, o objetivo de recuperar a autonomia da UE,
no advento de uma nova ordem internacional. São os governos da França e da
Alemanha, quem realmente decide da polícia da UE. Citemos a sua linha geral:
A França e a China,
membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, acreditam que as diferenças e disputas entre
os Estados devem ser resolvidas pacificamente por meio do diálogo e da
consulta. Procuram fortalecer o sistema internacional multilateral sob a égide
das Nações Unidas, num mundo multipolar
A França e a China
reafirmam o seu compromisso de promover de forma equilibrada os três pilares do
Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares… uma guerra nuclear não pode ser
vencida e nunca deve ser travada.
Ambas as partes apoiam
todos os esforços para restabelecer a paz na Ucrânia com base no direito
internacional e nos propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas. A França
reafirma o seu apego à política de Uma Só China.
A França e a China
comprometem-se a conceder condições de concorrência justas e não
discriminatórias às empresas. A China e a França saúdam os resultados obtidos
pelo acordo intergovernamental de 2015 sobre parcerias em terceiros mercados.
As duas partes reafirmam
o desejo de fortalecer a cooperação no campo das indústrias culturais e
criativas, a cooperação no ensino recíproco da língua, a cooperação no ensino
superior e na formação profissional.
A França e a China
concordaram com a importância de aumentar o apoio prestado aos países mais
afetados pela crise alimentar, incluindo os seus parceiros africanos,
nomeadamente através da Organização das Nações Unidas.
A França e a China
reforçam o seu apoio ao sistema multilateral de comércio centrado na OMC e na
sua reforma. Pretendem cooperar para remediar as dificuldades de acesso ao
financiamento das economias em desenvolvimento e emergentes, nomeadamente
com a implementação do Quadro Comum para
o Tratamento da Dívida adotado pelo G20 e pelo Clube de Paris e incentivar uma
aceleração de sua transição energética e climática, apoiando o seu
desenvolvimento sustentável. A China participará da Cúpula para um Novo Pacto
Financeiro Global em Paris em junho de 2023. A França participará do Terceiro
Fórum do Cinturão e Rota para Cooperação Internacional.
A França e a China
reafirmam os seus respetivos compromissos de neutralidade
climática/neutralidade de carbono e efetiva implementação do Quadro
Kunming-Montreal, apoiam a promoção e o desenvolvimento de financiamentos que
contribuam para a transição ecológica. Os dois países saúdam o acordo
Conferência Intergovernamental sobre Biodiversidade Marinha de Áreas Além da
Jurisdição Nacional (BBNJ).
A França e a China
enfatizam a importância, para o desenvolvimento de cada país, da promoção e
proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais de acordo com os
propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas.
Lisboa, 09.04.2023
António dos Santos
Queirós. Professor e Investigador. Universidade de Lisboa
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