Resumo
Este é um ensaio no domínio da
filosofia política. Ele pretende analisar, numa perspetiva diacrónica e
ideológica, as raízes das conceções políticas centralistas, já predominantes no advento do liberalismo
oitocentista e que se perpetuaram no Portugal democrático e europeísta do século XXI. Nessa perspetiva, a filosofia apoia-se na
contribuição da antropologia portuguesa, que, de forma vanguardista, equacionou
o problema da predominância na cultura contemporânea do elemento dinâmico representado
pela cultura urbana, como um fator concorrente e desagregador da cultura do
mundo rural.
Aquele pré-conceito, e aqui
regressamos à filosofia política, é fruto das condições de desenvolvimento
desigual do nosso modelo atual de sociedade_ capitalismo em democracia liberal,
globalizado e do seu preconceito moral de supremacia da vida urbana sobre as formas de vida rural, princípio que
a filosofia ambiental e particularmente a sua filosofia da paisagem criticam,
como um princípio etnocêntrico, sem fundamento na ciência, e de duvidoso valor
ético.
O percurso investigativo focaliza-se
na análise da crise ambiental no mundo rural e no contributo potencial da regionalização,
fundada no texto constitucional, para a enfrentar, no caminho da transição ecológica
para o desenvolvimento sustentável.
Conclui, em consonância com esta opção filosófico-política, no enunciado de um modelo de regionalização com características singulares, que valoriza a tradição municipalista do país, concretiza e aprofunda a democracia constitucional, orientado pelo princípio da dupla representação, uma Câmara Alta ou Senado, onde teriam assento os presidentes dos municípios e uma Assembleia Regional, eleita por sufrágio universal. E procura estabelecer a sua missão histórica: O Renascimento do mundo rural, como uma questão nacional, de segurança, defesa e coesão social, equacionando algumas das estratégias e aporias do progresso contemporâneo.
Palavras-Chave: Crise ambiental. Antropologia. Etnocentrismo. Ecologia e desenvolvimento sustentável. Filosofia e Éticas Ambientais.
Abstract
This is an essay in the field of political philosophy.
He intends to analyze, in a diachronic and ideological perspective, the roof of
centralist political conceptions, already prevalent in the advent of
nineteenth-century liberalism and which were perpetuated in the democratic and
Europeanist Portugal of the twentieth one century. From that perspective,
philosophy calls the contribution of Portuguese anthropology, which, in an avant-garde
way, equated the problem of predominance in contemporary culture of the dynamic
element represented by urban culture, as a concurrent and disaggregating factor
of the culture of the rural world.
That pre-concept, and here we return to political
philosophy, is the result of the conditions of unequal development of our
current model of society _ liberal capitalism, globalized capitalism and
its moral prejudice of supremacy of urban life over all forms of rural life, a
principle that environmental philosophy and particularly its landscape
philosophy criticize, as an ethnocentric principle, unfounded in science,
and of dubious ethical value.
The focus of the research pathway is the analysis of
the environmental crisis in the rural world and the potential
contribution of regionalization, based on the constitutional text, to face it,
on the path of ecological transition to sustainable development.
On the line with that philosophical-political option, the research conduces to the statement of a regionalization model with singular characteristics, which values the country's Municipalism tradition, concretizes and deepens constitutional democracy, guided by the principle of double representation, an Upper House or Senate, where the presidents of the municipalities would sit. and a Regional Assembly, elected by universal suffrage. And it seeks to establish its historical mission: The Renaissance of the rural world, as a national issue of security, defense, and social cohesion, equating some of strategies and aporias of contemporary progress.
Keywords: Environmental crisis. Anthropology. Ecology and sustainable development. Ethnocentrism. Environmental Philosophy and Ethiccs.
O menosprezo pelo mundo rural, à luz da
antropologia social
Em meados
do século passado, os antropólogos portugueses deram um contributo essencial,
no congresso mundial deste domínio científico, para a sua transformação numa
ciência que investiga e estuda não apenas as culturas primitivas, mas o devir
da cultura humana nas sociedades modernas.
Num
trabalho intitulado “A Etnografia Como Ciência”, Jorge Dias equaciona os riscos
de rotura cultural e do desaparecimento do património do mundo rural face à predominância na cultura contemporânea do elemento dinâmico,
como produto da revolução técnico-científica e da comunicação, em paralelo com
uma atitude de menosprezo das elites dos países essencialmente agrícolas "pelas
formas de visa rústica".[1]
A proposta da Comissão
Independente para a Descentralização
“A Comissão
Independente para a Descentralização foi criada pela Lei n.º 58/2018, de 21 de
agosto, com a seguinte missão:
a) Promover
um estudo aprofundado sobre a organização e funções do Estado, aos níveis
regional, metropolitano e intermunicipal, sobre a forma de organização
intraestadual;
b) Desenvolver um programa de desconcentração da localização de entidades e serviços públicos, assegurando coerência na presença do Estado no território”. (Cravinho [et al.] , 2018)[2]
Em 2019,
a Comissão Independente para a Descentralização defendeu
a criação de regiões administrativas em Portugal e a realização de um novo
referendo à regionalização, segundo um relatório entregue na Assembleia da
República. Esta comissão propôs a promoção de “um estudo aprofundado sobre a
organização e funções do Estado aos níveis regional, metropolitano e
intermunicipal” em Portugal continental e centrou a sua análise “nos níveis
compreendidos entre a administração central e os municípios e freguesias”,
concluindo que, “nos últimos anos, o grau de centralismo das decisões públicas
em Portugal acentuou-se de forma significativa, com a crescente debilitação das
entidades da administração central presentes nas regiões”. [3]
Caracterizemos
a dimensão da crise social e ambiental que a agonia do mundo rural traz consigo:
a devastação de eucaliptais, pinhais e matos, provocada pelos incêndios e
agravados pela instabilidade climática, a progressiva improdutividade dos solos
agrícolas industrializados, o avanço do
deserto, a sul, o desaparecimento das
florestas endógenas, sumidouros de carbono, a redução dos lençóis de água
potável, o ermamento…
Aquele
verniz urbano, a que Jorge Dias alude, e que nos últimos decénios conduziu as
elites políticas a disfarçar a sua ascendência rural, foi finalmente estalado
pela proliferação dos danos ambientais e pelas pandemias nos espaços urbanos e graças ao
elevar da consciência ambiental nas novas gerações.
Mas tal acontece, provavelmente
tarde demais para uma parte significativa do património material e imaterial do
nosso país: os autores e interpretes da chamada “música popular”, desconhecem a
nossa verdadeira tradição musical, que Giacometti e Lopes Graça. Zeca Afonso e
Amália Rodrigues, salvaram do esquecimento e valorizaram; aqueles compositores
e interpretes romperam com ela, com a aprovação das administrações televisivas.
A Assembleia da República tem as suas comissões da agricultura e do ambiente,
mas os seus membros, urbanizados, já não
distinguem o verde da floresta multissecular e bio diversa, das monoculturas
industriais sinistramente silenciosas e cobertas pelo verde estéril dos fetos.
Os presidentes da câmara mudam as suas residências familiares para a cidade
universitária para onde partirão os filhos. Os empregados e trabalhadores
deixam ruir as residências dos avós, enquanto o mato invade os quintais e
belgas e trocam as casas de pedra dos pais pela caixa de cimento armado da
cidade mais próxima...
Primeiro encerraram
as escolas primárias. Depois os postos médicos e os lares nas freguesias. Mas
ninguém se importou com isso no Terreiro do Paço e nas Comissões de Coordenação
Regionais, aliás, sem poder suficiente para suster cada ciclo de derrocadas.
Depois fecharam bancos, consultórios de advogados e médicos. Os centros
comerciais chegaram a cada sede de concelho, e fecharam mais lojas do comércio
local. Entretanto, as grandes empresas da celulose vieram em força, compraram
terrenos baratos, alugaram os que quiseram, colocaram entre si e os pequenos
proprietários, uma nova classe de empreiteiros, e impuseram a todos os seus
preços congelados, tal como fizeram outras, vendedoras de paletes…concentraram
a propriedade e criaram um cartel tão vasto como nunca existira no país.
E vieram
os empresários e empresas estrangeiras para comprar quintas no Douro,
constituir novos latifúndios no Alentejo, consumindo hoje o solo e a água que
faltará manhã, talvez em menos tempo do que uma geração. E contrataram novos
proletários rurais, vindos dos confins da Ásia, sobre explorados e não só a
Sul….Mais de 65% da terra alentejana
caiu em mãos de empresas estrangeiras, que vêm sendo substituídas por
obscuros Fundos Financeiros, cobrindo a paisagem de extensos olivais e amendoais,
mecanizados, sujeitos aos agentes
químicos, num ciclo crescente de poluição
que se estendeu às produções agrícolas
vizinhas e aos lençóis freáticos, empobreceram e reduziram ainda mais a profundidade
do solo…Fenómeno a que o Douro já assistia, nas suas quintas seculares…
Os
excursionistas estrangeiros, de passagem pelas regiões rurais, foram
confundidos com turistas, mas à noite continuaram a regressar às cidades e às
regiões onde aterraram. E vieram pequenos grupos de estrangeiros, por sua
conta, sem qualquer programa de apoio e incentivo à sua imigração cultural e
profissional
Foi então
que se intensificaram os incêndios trágicos, e os seus ciclos de destruição e
morte, prevalecendo o mito de que tudo seria resolvido com a limpeza e boa
gestão de eucaliptais e pinhais…eucaliptais das celuloses que arderam também, e
em grande, se o termo de comparação for feito entre plantações de eucaliptos
sob sua gestão e as outras, e não usando
a comparação falaciosa com as áreas globais ardidas, matos, maioritariamente.
Esta agonia, este progresso efémero_ à luz do tempo histórico e não da espuma dos dias, cria emprego e rendimentos, para os homens e mulheres que continuam a viver no mundo rural e não têm outra escolha. Mas compromete o presente e o futuro.
Recorrendo
à história ibérica: A ascensão de Madrid
Que
factores históricos permitiram transformar a atalaia moirisca, terra erma nos
campos de Castela, cercada de montanhas, na capital do reino da Espanha? Madrid ganhou foral de município no início do
séc. XIII e no séc. XIV estatuto autonómico, em que só os regedores locais
governavam. No séc. XVI, passou a ser uma vila de apoio aos coutos de caça da
realeza, onde temporariamente assentava arraial. Filipe II de Espanha e I de
Portugal, instalou ali a sua corte, recentrando a geografia do poder real sob
todas as nações da antiga Hispânia. Mas Madrid tinha-se tornado num local
escuro, triste, sujo, doentio e pestilento: a construção do seu Alcazar Real e
depois dos seus Palácios e Jardins modelados por Versalhes elevaram-na à
condição de cidade real europeia, mais tarde, centro industrial e da rede dos
caminhos de ferro que trouxeram consigo a idade moderna E na Espanha
democrática, tornou-se uma Região Autónoma entre as autonomias. Tiremos as
lições:
Autonomia,
sustentada com todos os recursos políticos e económicos necessários.
O plano
de desenvolvimento traçado e suportado pelo poder central, participado, mas não
cometido aos locais.
O
comboio, que regressa hoje por razões ambientais, como motor do progresso, mas
que agora carece da companhia dos
aeroportos internacionais de proximidade às Regiões. O mercado já não é Espanha,
mas a União Europeia e mais longe. E o espaço, é espaço-tempo de menos de uma
hora, entre o aeroporto e o destino.
Autonomia, que não quer dizer apenas reforço da descentralização e da municipalização, mas também regionalização.
As Regiões Plano. Estratégia para aprofundar a
democracia política e promover o desenvolvimento harmonioso e sustentável do
país
Um clamor
violento de sofismas antirregionalização ecoa ainda na nossa consciência
coletiva e nos meios de comunicação e redes sociais: A regionalização criaria mais
uma camada de burocratas gastadores. Não é possível estabelecer critérios para
definir a geografia regional. A criação de novos órgãos de representação democrática seria uma duplicação que iria retirar poder às autarquias…
Associar
a regionalização a uma estratégia para aprofundar a democracia política e
promover o desenvolvimento harmonioso e sustentável do país, através da criação
das Regiões Plano, pode evitar e ultrapassar esses riscos, com base em 8
princípios
1.
A criação das Regiões é um imperativo
constitucional, há demasiado tempo adiado. A responsabilidade, partilhada, pela
sua concretização, pertence ao Presidente da República e ao Governo da
República e à Assembleia da República, que dela emana.
2.
O consenso estabelecido em torno da constituição
das entidades regionais de turismo, resolveu o problema da geografia das
regiões.
3.
A história da democracia e do municipalismo
nacional conferem à Regionalização em Portugal uma natureza específica, que
torna imperativo que a estrutura legal da Região seja original, com
características portuguesas: os municípios devem estar diretamente
representados, pelos seus presidentes, na sua Câmara Alta, ou Senado Regional,
enquanto a Câmara Baixa, ou Assembleia Regional, deve ser eleita diretamente
por todos os cidadãos eleitores, a partir de uma lista nominal de candidatos.
4.
O Presidente do Governo Regional e os seus
Secretários políticos, serão eleitos por maioria simples na Assembleia
Regional.
5.
O Senado Regional terá poder de aprovação e veto
sobre o Orçamento e Plano de Desenvolvimento Regional, proposto pelo Governo
Regional à Assembleia Regional.
6.
Os membros do Senado não serão remunerados, por
desnecessário, já que possuem vencimento e ajudas de custo próprias do
exercício do seu mandato municipal.
7.
Os membros do Governo Regional poderão optar por
receber um vencimento em exclusividade que não pode exceder o salário médio
regional, ou manter a sua atividade profissional, devendo ser criado um Código
de Érica que proíba conflitos de interesses e incompatibilidades. Os membros
das Assembleias Regionais terão apenas direito às ajudas de custo equivalentes
ao exercício de funções de representação, ao nível das Assembleias Municipais.
8.
O Governo da República assegura o orçamento
autónomo através do orçamento nacional e das fontes em uso na gestão pública,
tal é o caso dos fundos comunitários.
Os custos de lançamento deste projeto devem ser estruturados,
ao longo dos anos, numa verba prevista pelo PRR - Plano de Recuperação e
Resiliência.
A criação das Regiões plano como imperativo constitucional e
ferramenta do PRR
A criação das Regiões Plano, constitui um imperativo
constitucional e uma resposta estratégica ao impacto da crise sanitária,
económica e social, à escala regional. Esta
é de facto uma reforma estrutural, de natureza democrática.
Em forma de tese:
1. Todo o dispositivo de estruturação do -
Plano de Recuperação e Resiliência PRR se foca no sectorial e não nos
territórios locais e/ou regionais, dando continuidade a uma política muito
sectorizada, compartimentalizada, que corresponde à visão própria do
centralismo administrativo. Claro que há aspetos de pragmatismo a observar pela
necessidade de avaliação e cabimentação das propostas, mas sem uma estratégia
regional o resultado será de efêmero alívio da agonia do mundo rural, a ausência
de uma economia de escala, a falta de produtividade dos investimentos, o
desenvolvimento desigual e a subordinação do mercado rural aos mercados
urbanos.
2. Qualquer estratégia que se apresente para
a recuperação e resiliência paisagística, ambiental e produtiva dos territórios
rurais, cada vez mais ameaçados pelos fenómenos extremos da crise ambiental,
terá que recorrer não só à componente florestal de produção e proteção, mas
também à agrícola e pecuária extensiva ou semiextensiva, componentes essenciais
para a sustentabilidade económica e ecológica do mundo rural e a contenção dos
incêndios rurais que tendem a atingir dimensões dantescas em ciclos de
repetição extensiva, cada vez mais próximos.
3. A maioria esmagadora dos nossos emigrantes
do final do século XX e do século XXI, não foram “torna viagem” e a sua
instrução e qualificação superior potenciou a sua .integração plena nos países
de destino. A política que estabeleceu a rede de autoestradas, promoveu dois
tipos de mobilidade negativa: fez das regiões rurais do interior, regiões de
passagem de turistas e mercadorias; despovoou as aldeias e as pequenas vilas,
os seus habitantes atraídos à capital distrital e às cidades de serviços
(educação, saúde, grandes superfícies comerciais). Construiu um rede descomunal
de vias rodoviárias de elevado custo e conservação, economicamente
insustentável e ambientalmente obsoleta_ porque assente no consumo intensivo de
combustíveis fósseis, em vez de modernizar e recuperar o transporte
ferroviário, continuando a manter internacionalmente isolada a Região Centro de
Portugal, quer do corredor ferroviário europeu (e da Rota da Sede Ferroviária
da Eurásia), das novas Rotas marítimas proporcionadas pelo alargamento do Canal
do Panamá (e o emergir da Nova Rota Marítima da Seda) e de uma ligação direta
ao transporte aéreo internacional.
O
Renascimento do mundo rural: Uma questão nacional, de segurança, defesa e coesão
social
O Renascimento deste mundo rural, em todos os
domínios da sustentabilidade terá de ser feito ou apoiada por um plano nacional
de repovoamento. Por medidas fiscais e económicas que nunca foram
experimentadas, investimentos que inovem para além do futuro imediato, de risco
calculado e um novo quadro político, que tenha como arquitetura uma Plano
Nacional orientado e financiado pelo Governo da República, e o emergir de um
poder Regional eleito democraticamente, que assuma a gestão direta desse Plano
de Renascimento Sustentável do Mundo Rural.
Esse plano, que terá de ser uma obra
coletiva, não dispensa medidas de urgência para conter a agonia do mundo rural,
mas também promover o novo paradigma de Turismo Ambiental, que potencie o seu
desenvolvimento em contexto de crise geral. Esbocemos o seu conteúdo apenas em
síntese titular:
Constituição de Faixas de Proteção e de
Produções Agrárias Diversificadas, Plurifuncionais, para Permitir Estancar a
Progressão dos Grandes Fogos_ “As Linhas
de Torres” de Defesa da Floresta
Uma estratégia de desenvolvimento qualificado
destes territórios, incluindo o aumento da população jovem, qualificada, embora
em baixa densidade, não pode ser suportada senão por um Plano Nacional de
Renascimento do Mundo Rural, para o século XXI, partilhado e gerido com as
forças locais, mas lançado, orientado e financiado pelo governo da República.
E, não menos importante, partilhado também com os cidadãos da União Europeia e
de outros países, sem limitação de idade, que queiram tornar-se os Novos
Rurais.
A crise pandémica e a valorização
do espaço rural
A crise pandémica, depois económica e social,
tem como primeira causa a crise ambiental, e resulta da invasão e destruição
dos habitats que nos protegiam do risco de transmissão dos vírus naturais, com
que convivemos desde há milhares de anos.
O
desaparecimento das florestas selvagens, e dos predadores desses vírus que
nelas viviam, mas que não visualizamos nem sabíamos que existiam_ para além de
uma pequena comunidade científica, aumentaram o perigo de infeção de animais e
aves domésticos ou vizinhos das nossas comunidades urbanas, que se integraram
no processo de globalização e emergiram na Hong Kong colonial (1968, SARS)),
nos EUA (HIV/SIDA), agora na China (COVID 19). O cientista português Jorge
Paiva, no seu singular postal natalício, explica que quando destruímos o ecossistema
florestal, estamos a libertar do controlo milhões de bactérias e vírus que
podem provocar novas doenças, como, por exemplo, aconteceu com a HIV, que está
na origem da SIDA, que surgiu na região florestal da África Tropical, causada
por duas espécies do género Lentivirus, que infetaram os símios portadores do
HIV e do Ébola.
É ainda o professor Jorge Paiva que nos
revela a existência anterior nessas florestas de uns estranhos seres
denominados mixomicete, que não são plantas, porque não têm clorofila; não são
animais, porque se reproduzem por esporos; e também não são fungos, pois
ingerem e digerem microrganismos. São protistas e constituem um subfilo com
cerca de 1000 espécies, alimentam-se de microrganismos, como leveduras, fungos,
bactérias e, também de vírus, sendo, pois, controladores desses organismos. A
destruição das florestas milenarias, com a crescente perda da biodiversidade e
extinção destes predadores, estão também na origem da proliferação dos novos
vírus.
O aparecimento de um vírus violento e de
grande morbidade, no final da I Guerra Mundial, voltou a acontecer em 1968, com a Gripe de
Hong Kong, na altura uma colónia inglesa, onde teve origem o vírus Influenza A
subtipo H3N2, uma das gripes com origem nas aves, que causou mais de um milhão
de mortes à escala mundial. Foi assim com o VIH - vírus da imunodeficiência
humana, causador da sida. Detetado em
1981 nos EUA, tornando-se então a principal causa de morte de cidadãos
americanos adultos entre os 25 aos 44
anos, que já matou 32 milhões de pessoas em todos os países. Em África, com o
Ébola (1976), na China com o Corona/COVID de 2003 , no México e nos EUA em
2009, com o H1N1, com o novo Corona/COVID que em 2012 surgiu na Arábia Saudita e depois nos países do Médio
Oriente, agora na China, com o COVID19.
Estas novas pandemias, paradoxalmente,
trouxeram consigo um novo potencial de valorização do mundo rural,
espontaneamente percecionado pelos cidadãos e agentes sociais: a compreensão
social dos habitantes das cidades, em especial dos centros metropolitanos mais
congestionados, para algumas das vantagens que podem oferecer as áreas rurais e
naturais, em especial no âmbito das doenças infeciosas e da saúde mental, se
forem ultrapassados os factores recessivos de despovoamento e de abandono das
atividades rurais, que a manutenção dos recursos naturais e a animação das
paisagens também exigem.
A digitalização da sociedade oferecendo novos
meios de comunicação de muito maior qualidade para se usufruir de vantagens
antes só existentes em meios urbanos classificados, a inteligência artificial
permitindo a substituição de muito trabalho rotineiro incluindo em atividades
agrárias, vem diminuir ou ultrapassar algumas das desvantagens que levavam as
pessoas a migrar para as cidades. Mas haverá que constituir paisagens mais
resilientes e mais valorizadas não só do ponto de vista estético como em
biodiversidade, bio diversas para criar um fator de maior resiliência, nos
nossos territórios rurais mais frágeis aos incêndios rurais.
O turismo de natureza, o turismo em espaço rural, que com o turismo cultural, constituem
a coluna dorsal de um novo paradigma de Turismo Ambiental, dão estrutura
orgânica às mudanças do gosto e de valores estéticos e éticos da classe média.
sobretudo dos seus jovens, e vieram potenciar as mais valias estratégicas do
mundo rural, e repor os seus valores únicos e intrínsecos, na produção de
alimentos, fonte de toda a água potável e de oxigénio, sumidouro do carbono. O
lazer rural e de natureza, a atração do interior como residência de vida e
trabalho à distância, ou de regresso às origens na reforma, a comunhão com a
natureza e a sua conservação, são igualmente imperativos e benefícios deste
conjunto de visões.
Dadas as valências destas medidas, elas devem
merecer a maior atenção dos municípios e agrupamentos de freguesia. Não haverá
forma de acabar com os terrenos de matos e eucaliptais abandonados sem a
atração de novas populações com novas produções primárias. É deste quadro
geral, que derivam as duas propostas, os 8 Princípios para a Regionalização, já
expostos anteriormente neste texto, e o Aeroporto Internacional de proximidade, no
caso, à Região Centro de Portugal.
A direção
do golpe estratégico principal: Do comboio ao avião
O número de turistas internacionais (não
confundir com os que se alojam em Lisboa e Porto e visitam a região como se
fossem excursionistas, pois regressam ao hotel no mesmo dia) que demandava a Região
Centro antes da pandemia, é residual. Não há registo de nenhuma região destino,
sem aeroporto internacional de proximidade; o Algarve e a Madeira comprovam-no
pela positiva. A sua localização e raio de ação, que não deve exceder uma hora
de espaço-tempo, entre o aeroporto e o alojamento, deverá ser determinada pelo
critério da máxima rentabilidade_ a capacidade de operar em simultâneo e
durante todo o ano, simultaneamente, as operações de aterrissagem e take off,
o que significa que a decisão política deve ser condicionada pelo parecer
técnico…das entidades que representam os pilotos.
Esse aeroporto, é igualmente indispensável
para a mobilidade internacional dos investidores, empresários, quadros
empresariais e outros quadros superiores, cientistas, médicos, professores…e de
todos os agentes de negócios. E é também necessário para transportar as
mercadorias de maior-valor acrescentado ou que precisam de circular com maior
rapidez.
Ele irá valorizar a rede municipal de
pequenos aeroportos, que ligam Bragança, o mais desenvolvido, a Portimão, com
escalas em Tires, Viseu e Vila Real, cujo movimento de passageiros vem
crescendo até á escala de dezenas de nilhar/ano.
E revolucionar a circulação entre as
comunidades portuguesas da emigração e espanholas, da raia fronteiriça, com o
seu país de origem.
O seu custo de construção, numa dimensão que
permita operar sobretudo com os aparelhos as companhias de baixo custo, que
devem á partida ser envolvidas no projeto, pode variar entre 30 a 50 milhões de
euros_ por comparação com empreendimentos semelhantes e os seus prejuízos de
gestão direta serão largamente compensados pelos resultados obtidos nas suas
externalidades. [4]
Além do aeroporto, é suposto que através da
modernização das linhas de caminho de ferro, a ligação ao porto de Matosinhos
seja realizada e o acesso à bitola europeia introduzida a partir da fronteira
de Vilar Formoso.
E, obviamente, um aeroporto rodeado de uma
imensa floresta de folhosas endógenas, campos e pastagens, para proteção do
fogo, sumidouro do carbono e das milhões de partículas finas, que o rasto
destes monstruosos pássaros de metal descarregam invisivelmente sobre os
indefesos cidadãos urbanos e todas as formas de vida! ( como acontece hoje, na ultra
poluída cidade de Lisboa e na sua área urbana, perante o silêncio cúmplice dos
líderes políticos, económicos e da comunicação social…apesar dos avisos dos
nossos investigadores).[5]
Margarida Lopes, investigadora da Universidade
Nova de Lisboa, tem vindo a realizar uma
série de medições em vários locais da capital para aferir a real concentração
de “partículas ultrafinas associadas a diferentes modos de tráfego,
designadamente o aéreo, rodoviário e fluvial”. Se é verdade que os valores mais
elevados de emissões no transporte automóvel foram registados na Avenida da
Liberdade, onde ultrapassam “sistematicamente” os limites legais, é no
Aeroporto Humberto Delgado que os valores surpreendem – são cerca de dez vezes
superiores aos recolhidos no centro. O cenário é particularmente preocupante
pela proximidade a diversas zonas habitacionais em redor do aeroporto, um local
de excelência para a libertação de partículas ultrafinas. Invisíveis a olho nu
e indetetáveis pelas estações de medição da Agência Portuguesa do Ambiente
(APA). Podem atingir rapidamente a corrente sanguínea e, através dela, qualquer
órgão do corpo humano, sendo capazes de provocar doenças respiratórias, como a
asma ou o cancro do pulmão, mas também danos neurológicos. Lisboa está a respirar um veneno invisível, eis
a conclusão. Os carros pagavam a fatura quase toda e os transatlânticos estavam
protegidos por um manto de esquecimento.
Mas a cortina da nossa irresponsabilidade desceu de novo e continua a cobrir os
danos mortais potenciados pela centralidade urbana do aeroporto de Lisboa, que
se pretende perpetuar.
Conclusões
Francisco Caldeira Cabral, o pai da
arquitetura paisagista em Portugal, proferiu há quase sessenta anos, na altura
em que foi eleito presidente da Federação Internacional de Arquitetos
Paisagistas, estas palavras proféticas:
“É
tempo de afirmar que se a cidade é indispensável à organização da sociedade e
ao progresso da humanidade, se a indústria muito tem contribuído para facilitar
a vida e lhe dar conforto, é da paisagem rural que depende a sobrevivência da
humanidade, porque é ela com o mar, a única fonte de alimentos, a única fonte
de água potável, e o último suporte de atividade biológica autónoma e
equilibrada, indispensável à continuação da vida na terra. Por isso a atividade
da Sociedade Rural é a única que continua a ser obrigatória, sendo todas as
outras facultativas, quer a sociedade urbana-industrial se aperceba ou não
desse facto.”[6]
Fazemos nossas, as suas palavras.
Bibliografia
Cravinho J., A., [et al.]. Avaliação independente sobre a organização e funções
do Estado. Relatório da Comissão Independente para a Descentralização. Ed. Assembleia
da República. Lisboa, 2019.
https://www.parlamento.pt/Documents/2019/julho/descentralizacao/Relatorio-Final-descentralizacao.pdf
DIAS,
J. “A Etnografia Como Ciência”, in Estudos de Antropologia. Lisboa: Imprensa
Nacional Casa da Moeda, vol. I, p. 37-47, 1990. A edição original deste texto é
de 1963.
LOPES,
M. “Monitoring
of ultrafine particles in the surrounding urban area of a civilian airport.” In Atmospheric Pollution Research Volume 10, Issue 5, September 2019,
Pages 1454-1463
[1]
DIAS, J. “A Etnografia Como Ciência”, in Estudos
de Antropologia. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, vol. I, p. 37-47,
1990. A edição original deste texto é de 1963.
[2]
Comissão Independente para a Descentralização, CRAVINHO J., FERRÃO J., PIMPÃO
A., JOÃO JARDIM A., Moura P.H.,
CARMONA-RODRIGUES A., FONTAINHAS-FERNANDES A.
[3]
CRAVINHO J., A., [et al.]. Avaliação independente sobre a organização e funções
do Estado. Relatório da Comissão Independente para a Descentralização. Ed.
Assembleia da República. Lisboa, 2019.
[4]
.Tomando como referência o modelo inicial do aeroporto de Beauvais, arredores
de Paris_ Possui atualmente duas pistas: uma pista 12- 30 de 2.430 mx 45 m, e uma
pista 04-22 de 708 mx 18 m.
[5]
O estudo, da investigadora Margarida Lopes, publicado na
revista científica Atmospheric Pollution Research, foi desenvolvido no
departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente da Faculdade de Ciências e
Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e no Centro de Investigação em
Ambiente e Sustentabilidade.
[6]
Citação recolhida diretamente junto seu filho e colaborador mais próximo, Engº
João Caldeira Carvalho”.
Very interesting thoughts.
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