OPINIÃO
A Rússia, que ignoramos
O oligarca que
os políticos ocidentais venderam à opinião pública como o principal líder da oposição, Navalny,
usou a denúncia da corrupção como forma de se tornar popular. Após obter um resultado efémero de 27% nas
eleições municipais de Moscovo (2013, votou apenas 32% da população), associou-se
continuadamente à extrema-direita chauvinista, como o Movimento Contra a
Imigração Ilegal e a Grande Rússia, perdendo então o estatuto de prisioneiro de
consciência concedido pela Amnistia Internacional. As forças políticas que
apoiou nunca foram além de resultados residuais nas eleições. O ocidente publicitou o seu envenenamento
como obra do governo e aceitou sempre
que os seus julgamentos por fraudes
empresariais (como foi o caso dos serviços publicitários fornecidos à União das
Forças da Direita), eram meros atos de perseguição política.
O panorama
político da oposição na Rússia é afinal muito mais vasto e complexo, e pode ser
representado pelos 14 partidos que concorreram à eleição dos 450 deputados da
DUMA (Parlamento), em novembro de 2021.
O sistema eleitoral russo da Duma é dual, uma parte dos lugares de deputados é disputada por listas partidárias e outra parte é eleita em listas nominais.
O Senado é
composto por representantes das entidades administrativas que correspondem aos
círculos eleitorais, e detém o poder de autorizar o Presidente da República a
usar as forças armadas em conflitos no estrangeiro.
O partido do
governo, Rússia Unida manteve a liderança nas eleições parlamentares (Duma,
2021) com 49,82%, mas pela primeira vez perdeu a maioria dos votos; o Partido Comunista da Federação Russa (PCRF)
com cerca de 20%. e 96 deputados, tornou-se a principal força da oposição. A
extrema-direita, que usa a sigla de Partido Liberal Democrata afundou-se,
passando de 39 para 21 deputados, e
7,6%. O partido Rússia Justa - Pela Verdade, filiado na Internacional Socialista,
subiu de 23 para 27 deputados, com 7,5% dos votos. O partido Um Novo Povo, de
tendência liberal-comunitária, cristã (Tolstoyano) , chegou ao parlamento com
5,3% e 13 deputados. Votaram 51% dos eleitores. A oposição de esquerda, com 33%
dos votos em conjunto, tornou-se uma ameaça
real à hegemonia do partido de Putin.
O parlamento
russo (DUMA) apoiou por larga maioria o
reconhecimento e defesa das Repúblicas independentes do Donbass, mas foi
ignorado na decisão de invadir a Ucrânia, como o foi o Senado. Este órgão detém
o poder constitucional de autorizar as forças armadas a intervir no
estrangeiro, e é como o Parlamento, controlado maioritariamente pelo Partido de
Putin: o presidente reuniu-o à porta
fechada e obteve o seu apoio, “para
defender o Donbass da agressão iminente”, manipulando as duas instituições
obteve autorização para lançar as suas tropas no estrangeiro.
Rússia,
os partidos face à guerra e às sanções
Novalty e as
organizações que criou, hoje com uma influência residual na política russa,
apelaram ao protesto contra a guerra, atribuindo a sua causa à loucura de
Putin.
O PCFR, na
véspera da invasão e depois de se
dirigir ao povo ucraniano como povo irmão, publicava na sua imprensa esta
análise da situação: “Os estrategas americanos têm na mira não apenas a Rússia
e a Ucrânia, mas também a Europa. Os EUA estão a incentivar sanções duras
contra o nosso país usando a “cartada ucraniana”. Isso marca uma nova etapa na
luta contra o seu rival econômico, a União Europeia. O nível de comércio dos
EUA com a Rússia é muito baixo. Mas a Europa tem laços comerciais e econômicos
extensos e lucrativos com o nosso país. Um conflito militar com a Rússia
permitiria a Washington expor os países europeus a sanções econômicas ainda
mais prejudiciais.”
Ainda antes da
invasão, tomou a iniciativa no Parlamento do reconhecimento das Repúblicas do Donbass, face à informação do governo,
citando mesmo relatórios da OSCE_ Organização de Segurança Europeia, que
fiscalizava o cessar-fogo, que estava montada uma ofensiva com 150.000
soldados, encabeçada pelo regimento Azov de extrema-direita, na fronteira do
Donbass e ali se tinham concentrado
todos os meios ofensivos e pesados que os acordos de Minsk proibiram. Daí a
necessidade de as reconhecer e defender. O núcleo principal dessas forças
estava concentrado na cidade de Mariupol, que se tornaria no principal objetivo
militar da ofensiva russa a leste.
A posição política do PCFR, face ao desencadear
de uma ofensiva global na Ucrânia, é de apoio à denominada desnazificação, desmilitarização e ao
afastamento da NATO, mas não à conquista da Ucrânia. Afirmando que o povo
ucraniano não tem forças para se opor sozinho às forças ultranacionalistas e extremistas, e ao terror do regimento Azov.
O Partido
Comunista da Ucrânia foi proibido pelo governo saído do golpe de estado de 2014
e o seu líder impedido mais tarde de se candidatar às eleições que elegeram o
atual presidente ucraniano. Este proibiu agora, em 21 de março de 2022, todos
os partidos de esquerda da Ucrânia. For
Life, Partido de Sharij, Nashi, Bloco de Oposição, Oposição de Esquerda, União
de Forças de Esquerda, Derzhava, Partido Socialista Progressivo da Ucrânia,
Partido Socialista da Ucrânia, os Socialistas, e o Bloco de Volodymyr Saldo,
que classifica de pró-russos.
Os russos que
vivem na parte ocupada pelas forças militares da Ucrânia das províncias do
Donbass, forma proibidos de usar a sua língua nas escola e nos serviços
públicos, tal como os núcleos menos numerosos espalhados pelo país. O mesmo
sucedeu aos ucranianos polacos do oeste e aos romenos.
Um grupo
minoritário de deputados e líderes do PCFR, tornaram público um apelo à direção
do Partido para que se oponha ativamente à guerra, que classificam de
imperialista, reafirmando a sua posição de defesa das Republicas do Donbass e a
via pacífica para resolver o diferendo entre os dois países.
Analisemos a
posição dos outros partidos da oposição face à guerra na Ucrânia e às sanções
contra a Rússia.
14 de março de
2022: Gennady Semigin, vice-presidente do partido filiado na Internacional
Socialista A Just Russia_Russia_ Patriotas for the Truth. E que representa uma
fração importante do mundo empresarial:
“Hoje, o
vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Vershinin, disse que a
Rússia não pedirá o levantamento das sanções, mas desenvolverá a economia e a sua
capacidade de se desenvolver de forma independente, contando com países amigos
e nações que partilham esse ideário.
Aplicamos uma
experiência semelhante em 2014, quando o Ocidente impôs sanções relacionadas com
a reunificação da Crimeia. A escassez de alimentos importados foi compensada
com relativa rapidez por produtos produzidos internamente.
Agora a situação
é muito mais difícil. De acordo com o Business Ombudsman Boris Titov, as
sanções impostas antes de 24 de fevereiro de 2022 afetaram 26,4% das empresas,
agora 84,1%.
As sanções anti
russas já estão a fazer ricochete nos Estados Unidos e na União Europeia: na
América, um litro de gasolina está a
quase 200 rublos, na Alemanha, os cidadãos comuns pagam 4,5 vezes mais que os
preços de 2021.
.Entendemos que
os russos terão que se sacrificar muito, desistir de suas coisas habituais, mas
sabemos por quê. A Rússia pretende
tornar-se numa potência de nível mundial, realizando os seus interesses
de estado nacional (é exatamente isso que está escrito na Estratégia para o
Desenvolvimento da Rússia, da qual sou o autor).
Nas condições da
crise mais grave, estamos a mobilizar os nossos recursos, capacidades
profissionais e forças internas, garantindo um crescimento real e rápido na
produção, ciência e tecnologia.”
A
escalada das sanções fracassou na conquista da paz e vira-se contra a Europa.
Reforçou o apoio político interno ao governo de Putin
De que países e
nações, que não aceitam a via das sanções fala o líder socialista? Se olharmos
para o mundo: A China, cujo presidente disse a Putin que defende a integridade
da Ucrânia e a via negocial (imperativo da própria constituição da RPCh, um dos
5 princípios constitucionais da coexistência pacífica), o que conduziu de
imediato o presidente russo para a mesa das conversações de paz. Os países
árabes do Médio Oriente, incluindo os aliados dos EUA e Israel. Os países da
Ásia, com exceção do Japão. Os países africanos, da África do Sul ao Egito. Mas
também a Turquia, membro da NATO e a Índia.
Na América Latina, não apenas Cuba, Nicarágua e Venezuela, mas também os
maiores e mais influentes países: Brasil, Argentina e México. A própria Geórgia
e Israel…A Alemanha, na defesa restrita dos seus principais interesses
económicos …E, supremo paradoxo: A empresa chave dos oligarcas do partido de
Putin, Gazprom, ficou de fora das sanções e continua a ter acesso ao Swift!
Em 18 de março,
o partido socialista participou no comício e concerto que celebrou o referendo
favorável à reintegração da Crimeia e Sebastopol na Federação Russa, onde Putin
falou para quase 100.000 cidadãos, russos e russos ucranianos e ucranianos, sob
o lema "Por um mundo sem nazismo!
Pela Rússia! Pelo Presidente!", na presença dos representantes de todas as
forças sociais deste país.
O presidente do
partido socialista afirmou: "Hoje, aqui, neste enorme estádio, a Rússia
apoia o nosso presidente, porque a primavera russa chegou a Donetsk, Lugansk,
Mariupol hoje e virá a Odessa, Kharkov. Com certeza - venceremos. Vitória, pessoal!
Trabalho , irmãos", pediu Sergei Mironov. "Quanto às sanções, como
alguém ou alguma coisa pode derrotar a Rússia? Ninguém nunca! Somos fortes de
espírito, vamos resistir a tudo, podemos fazer tudo sozinhos.”
10.03.2022
Alexei Nechaev, líder do partido Novo Povo, que representa também outro setor
empresarial, na sessão plenária do Parlamento, Duma:
“Todos os dias
nos separamos de marcas e empresas conhecidas. Isso já não são apenas sanções -
esta é uma verdadeira guerra por parte do Ocidente. O inimigo está a tentar
destruir a economia, agindo duro. Fora de toda lógica de negócios, ele abandona
investimentos multimilionários, deixa um mercado importante. E isso não é uma
fuga - é um ataque ao Estado russo com o objetivo de destruir a infraestrutura
econômica e social, arruinando o nosso povo”.
“Imobilizar o banco central de um
grande país é completamente louco, e sem precedentes” , escreveu, no Twitter,
Steven Hamilton, professor da American University George-Washington e ex-
diretor do Tesouro Australiano.
Os EUA e a NATO estão
conscientemente a pressionar a Ucrânia para travar uma guerra contra a Rússia
que eles não podem vencer, de acordo com o coronel aposentado do Exército dos
EUA Douglas MacGregor, um dos consultores de topo da Secretaria de Estado da
Defesa, em entrevista à FOX.
“…não tolerámos tropas e mísseis
russos em Cuba”, observou. “Vladimir Putin está a fazer o que ele avisou que
faria pelo menos nos últimos 15 anos , que não tolerará as forças dos EUA ou
seus mísseis em suas fronteiras”, disse MacGregor, acrescentando que o provável objetivo de Putin
é anexar o leste da Ucrânia – que historicamente tem sido russo – e fazer um
acordo com o Ocidente para fazer da Ucrânia um estado neutro.
E foi mais longe: “Precisamos
lembrar que a Ucrânia é o quarto lugar entre os 158 países mais corruptos do
mundo. A Rússia está talvez três ou quatro lugares acima deles”, enfatizou
MacGregor. “Esta não é a democracia liberal, o exemplo brilhante que todos
dizem que é. Longe disso. O Sr. Zelensky prendeu jornalistas e a sua oposição
política”.
A mesma duplicidade política que
permitiu a dez países da União Europeia vender armas para a Rússia, depois do
embargo de 2014: a França vendeu 152 milhões de euros de equipamento militar à
Rússia, a Alemanha exportou 121,8
milhões de euros, a Itália vendeu 22 milhões de euros, a Bulgária, Áustria…num
total de 10 países da UE e de 346 milhões de euros. Além deles, a Rússia foi o
segundo maior comprador de armas nos últimos oito anos, à Ucrânia!
Ao escolherem o caminho da
escalada das sanções e do envio de armas e de voluntários e mercenários de
extrema-direita, o papel da UE e dos EUA, passou a valer pouco na guerra e já nada representa para a paz.
A escalada das sanções, aqui
documentada, atingindo desportistas, cientistas, indiscriminadamente o povo
russo, viola o direito internacional e a Declaração Universal dos Direitos do
Homem, hoje, deformada, mutilada, reduzida às liberdades formais e desconhecida
nos seus 30 artigos da esmagadora maioria dos cidadãos do mundo.
Nela se inscreve: Artigo 2.º
“Todos os seres humanos podem
invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem
distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de
religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de
fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será
feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional
do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou
território independente, sob tutela, autónomo ou sujeito a alguma limitação de
soberania.”
António dos Santos Queirós.
21.03.2022
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