O
secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou o mundo: Mais de metade
da população do Afeganistão depende agora da ajuda humanitária que
salva-vidas…as baixas temperaturas e os financiamentos (Banco Mundial)
suspensos são uma combinação letal para a população do Afeganistão. Metade
do seu orçamento era composto por financiamento estrangeiro. (Banco Mundial,
2019).
António
Guterres, a 13 de janeiro, abria as portas à ajuda internacional: Congratulo-me
com a adoção pelo Conselho de Segurança de uma exceção humanitária às sanções
ao Afeganistão. Isto fornece às instituições financeiras e aos agentes
comerciais garantias legais para cooperarem, sem receio de violarem as sanções.
Mas o grande coro ocidental da defesa dos direitos do homem e neste caso, das
mulheres afegãs, continuou a não elevar mais alto a voz das razão humanitária.
Nos países da NATO, continua a predominar
a propaganda hostil ao novo regime e a
defesa da mesma estratégia que os EUA
adotaram perante o Irão e que assenta no
boicote económico, impiedosamente mantido mesmo durante a pandemia. É um caminho
de continuação da guerra, por outros meios, que não conduz a nenhuma solução
política.
Contudo,
basta abrir uma TV ou jornal árabe, para testemunhar a situação dos hospitais,
sem medicamentos, as lojas vazias nas cidades, os campos e as montanhas gelados
e improdutivos. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)
anunciou a coleta de um fundo internacional, para ajudar as pessoas e as
microempresas, sem o que 97% das
famílias cairão abaixo da linha de pobreza, denominado ABADEI, que significa
comunidade resiliente. A Conferência internacional de doadores permitiu
comprometer-lhe mais de mil milhões de
dólares: a Alemanha, com 100 milhões, os EUA 64 milhões…a Cruz Vermelha e a
Rede Aga Khan para o Desenvolvimento subscreveram-no…
Anteriormente,
a China já anunciara uma ajuda direta de 31 milhões de USD em material de saúde
e alimentos, além da entrega de 3 milhões de vacinas contra o COVID 19. A RPCh, apesar do estado de guerra, incluiu o
Afeganistão no seu projeto da Rota da Seda, tornando-se o terceiro mercado das
exportações afegãs e nunca deixou de
apoiar os seus projetos de desenvolvimento. A sua política, baseada na
aplicação dos 5 princípios da coexistência pacífica, colocou-a numa situação
estratégica privilegiada para a reconstrução de um novo Afeganistão, integrado
na comunidade internacional, comprometido com a paz, já que a única condição
que o governo da RPCh colocou é que aquele país não sirva de abrigo a grupos
terroristas.
A fase
final do conflito, forçou mais 700.000 pessoas a deixar as suas casas, elevando
para 3,5 milhões o número dos refugiados no interior do país. Os afegãos
deslocados, vítimas da guerra, mas também de uma seca extrema, enfrentam agora
a fome, a pobreza extrema e um inverno gelado, além da constante ameaça do
COVID-19. Graças sobretudo à ação da
ONU, impulsionada por António Guterres e aos donativos, que incluem milhares de
cidadãos comuns, a coleta do ACNUR pode apoiar em 2021 um milhão de refugiados,
com bens de primeira necessidade, cobertores, doações em dinheiro, tendas…
O Programa
da ONU para o Desenvolvimento, PNUD, fez chegar em novembro ao Afeganistão o
primeiro pagamento em muitos meses aos seus profissionais de saúde, tal como
vacinas e suprimentos médicos, em colaboração com a OMS, mas os 15 milhões de
USD de que dispõe ainda estão muito longe dos 5.000 milhões que António
Guterres declarou serem necessários para impedir o colapso da economia. O seu
fracasso representará a morte para milhões de afegãos.
A
vice representante do PNUD no Afeganistão congratulou-se pela inclusão das
mulheres na prestação dos serviços de saúde, mas noutros setores, educação,
investigação… os Talibãs continuam a afirmar não estarem ainda reunidas as
condições para o seu pleno regresso, alegando problemas de segurança e falta de
recursos para reestruturar a sua logística.
É
neste contexto que uma delegação, liderada pelo ministro dos Negócios
Estrangeiros dos talibãs, Amir Khan Muttaqi, iniciou no domingo uma ronda de conversações com os enviados da UE, EUA, grupos
civis afegãos e a ONU, em Oslo, para abordar a crise económica e humanitária no
Afeganistão.
Afeganistão: É impossível trazer a democracia pela guerra
O
governo dos EUA parece estar longe de aceitar a lição histórica de que “é
impossível trazer a democracia pela guerra”. ( cito Malalai Joya, ex- membro do
Parlamento afegão, e autora de Raising My Voice) e continua a esconder
do seu povo e do mundo, a razão fundamental da continuidade da intervenção
militar, mesmo depois da saída da Al-Qaeda e da execução do seu fundador: a
cobiça das imensas reservas minerais do Afeganistão, sobretudo “das terras
raras”, sem as quais não é possível prosseguir a 4ª revolução industrial. O
Afeganistão possui uma imensa riqueza de recursos naturais inexplorados, e
muitos elementos de “terras raras”. Um memorando do Pentágono afirmava que
poderia tornar-se a “Arábia Saudita do lítio”.
Até
2021, um estudo feito pela Universidade Brown calculou o custo total da guerra
em US$ 2,261 triliões de dólares: um soldado dos EUA no Afeganistão custava 1
milhão de dólares por ano! O complexo militar-industrial, que controla o
Departamento de Defesa, tinha ido longe demais. Os seus lucros com a guerra,
que se mantêm em segredo, abalavam o orçamento do próprio estado americano!
Os
Talibãs são afegãos. Não são guerreiros do Islão, aventureiros e mercenários
como os militantes da Al-Qaeda ou do ISIS. Esta á a sua pátria e a sua terra. O
seu mundo não é o do ocidente, nasceram num país semifeudal, repetidamente
ocupado e em guerra civil; onde, para a
maioria, a única escola aberta era a Madrassa corânica.
A
invasão do Afeganistão pelos EUA e a NATO permitiu-lhes arvorar a bandeira de
movimento de libertação nacional. Cercaram Cabul e poderiam ter capturado e
aniquilado todo um exército dos EUA e da NATO. Aprisionado dezenas de milhar de
afegãos que colaboraram na ocupação. Ao contrário, organizaram a sua evacuação.
Suportaram depois novos atentados terroristas do ISIS, que não pouparam as suas
mesquitas.
A
abertura em 2013 de uma representação política
dos Talibã, em Doha, capital do
Qatar e país neutro, assinalou a fase final da transformação do grupo
guerrilheiro num movimento político-militar.
24 de janeiro de 2022
António dos Santos Queirós,
professor e investigador. Universidade de Lisboa
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