Nas fronteiras da UE: Emigrantes ou Refugiados?

 


                                       Nas fronteiras da UE: Emigrantes ou Refugiados?

Desde 2015,  que na comunicação social a classificação de “emigrantes” económicos e ilegais, substituiu progressivamente o conceito de” refugiados” políticos, aplicada ao conjunto de centenas de milhar de homens, mulheres e crianças, que da África, da Ásia e do Médio Oriente, abandonaram os seus países e peregrinaram por mar e por terra para a mítica Europa.

Terrível palavra, a de “refugiado”, que nos conduz para as mais cruentas guerras conduzidas pelos exércitos das nossas democracias liberais e para o seu compromisso com a Declaração Universal dos Diretos do Homem: A intervenção militar e a invasão no Afeganistão e no Iraque, na Síria e na Líbia ( e noutros conflitos menores em África), lideradas pelos EUA e pela NATO, mas que envolveram o apoio de governos conservadores e socialistas europeus como o da Inglaterra, da Espanha e da França, provocaram mais de um milhão e duzentos mil  mortos entre os povos daquelas nações e um número superior a dez milhões de refugiados de guerra, que continuam a aumentar. Os seus países de refúgio são as nações vizinhas, apenas uma pequena parte demandou a UE.

Nem a União Europeia, nem os governos da Lituânia e da Polónia, prestam ajuda humanitária aos 3 a 4 mil seres humanos que foram barrados nas fronteiras da Bielorrússia com a Polónia e a Lituânia. O regime polaco, que tem destruído os alicerces da democracia liberal, desde a independência do poder judicial à denegação das leis trabalhistas centenárias (o direito às 8 horas de trabalho), foi transformado em guardião da ordem democrática e vai receber mais 273 milhões de euros para construir um muro de betão, que fará inveja ao de Trump com o México, como se os líderes americanos não tivessem ido além da habilidade de um aprendiz de pedreiro e precisassem do capataz polaco, aliás primeiro-ministro, para lhes ensinar a  velha lição: 12.000 soldados e polícias, fortemente armados e equipados, para enfrentar 3 a 4 mil homens, mulheres e crianças, provenientes do Médio Oriente!

A TV Adjazera, insuspeita de qualquer simpatia pelo regime bielorrusso, permanece no terreno e recolhe testemunhos: um homem que se identificou como iraquiano, gritou para a Câmara, que ele, a sua família e os companheiros,  viram o seu país destruído pela invasão, tiveram de vender o carro e a casa, e marcharam para a Europa como refugiados, para cobrar na Alemanha essa dívida política. Outro registo de câmara mostra a polícia polaca a recolher o corpo inanimado, mas ainda vivo, de um sírio para uma ambulância, que parte do meio da floresta. O movimento panorâmico da câmara foca na escuridão peças de roupa deixadas para trás, de todas as idades. Noutra cena, os curdos rezam, por uma alma que ficou ali mesmo, sepultada…Um outro árabe, questionado porque não recua para os centros de refugiados da Bielorrússia, diz que não têm condições para lhes prestar os cuidados necessários…E todos clamam pelos Direitos Humanos…que a Europa proclama:

“Artigo 5.º

Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.

Artigo 13.º

Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior de um Estado.

Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país.

Artigo 28.º

Toda a pessoa tem direito a que reine, no plano social e no plano internacional, uma ordem capaz de tornar plenamente efetivos os direitos e as liberdades enunciados na presente Declaração.”

Mas nas notícias só se fala de Lukashenko, que manipula os “emigrantes”. O governo lituano, fica na sombra, protegido. Os  oligarcas que Washington ou Bruxelas gostariam de ver à cabeça do seu regime, tomam a palavra. Novas sanções atingem a Bielorrúsia. E as sanções já são um ato de guerra.

A terrível palavra permanece reservada para os que abandonaram o Afeganistão e a sua lição, de história política, cai no esquecimento: “é impossível trazer a democracia pela guerra”. Malalai Joya, ex- membro do Parlamento afegão, e autora de "Raising My Voice”).

A câmara da Aljazera mostra-nos dois polacos, das aldeias vizinhas da fronteira, transportando para um abrigo florestal roupas e comida.

O árabe grita ainda para o microfone: onde estão as organizações humanitárias e dos direitos humanos?

Pode a voz do Público, ampliar este grito?

António dos Santos Queirós

Professor e Investigador. Universidade de Lisboa

T.910506370

17.11.2021

Debate entre o autor e os leitores. Súmula

 O leitor:

Caro cronista, não creio que perceba muito de direito, ou então pretende iludir-nos: explique lá onde nos artigos da lei que nos apresenta consta a obrigação da UE a aceitar imigrantes? que procuram entrar fora dos postos de fronteira, sem reunir os requisitos da lei, sem controlo? Ou só algumas leis interessam? Neste âmbito a UE tem de estar unida, pois é um problema comum. A cedência à chantagem da Bielorrússia, copiando o esquema turco, significaria abrir fluxos imparáveis de imigrantes , no seio dos quais se encontram terroristas ( verifique quantos dos casos de terrorismo perpetrados por imigrantes que usaram esses fluxos para entrar) Sim, os cidadãos europeus têm direito a proteger-se. Esses imigrantes devem ser protegidos do uso político e a Bielorrússia obrigada a dar-lhes condições.

 Réplica:

Este artigo questiona  se estes milhares de seres humanos, provenientes do Médio Oriente, são emigrantes económicos ou refugiados políticos? E apela à compaixão humanitária, dos governos e instituições.

O seu  pré conceito é categórico: “imigrantes”. Mas as guerras pelo petróleo que destruíram os seus países, não são a causa primeira desta vaga? E o crescimento do terrorismo islâmico, outro dos seus resultados?

O meu artigo refere o mais invocado, mas desconhecido e deturpado documento das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos do Homem_1947, hoje reduzidos a alguns direitos formais, que garantia,  sobre os cadáveres de 60 milhões de vítimas, um novo direito internacional? Continuo a procurar  respostas complexas em

  http://portugaldiarioilustrado.blogspot.com/

 O leitor:

A Polónia não vão receber dinheiro nenhum para construir muros. Ainda esta semana a Comissão Europeia afirmou que não financia muros de modo algum. Portanto essa afirmação está errada. E quanto aos artigos que referiu, não leio lá que essa liberdade de circulação seja incondicional. Existem leis e regras para as migrações. Eu não posso simplesmente emigrar para qualquer país, excepto dentro da minha casa UE. Os refugiados são diferentes e esses requerem proteção. Mas não vale a pena branquear o que está a fazer o regime Biolorrusia. A UE tem feito um esforço gigantesco para acolher e integrar refugiados como fez e continua a fazer a Alemanha por exemplo. Mas a UE não tem capacidade para acolher todos os refugiados do mundo. E é por isso que financia os campos através da ONU.

 Réplica: 

Desde há 30 anos a UE ergueu 1.000 km de muros nas suas fronteiras, em mais de 1/3 dos  países, 10 na crise migratória de 2015,  quando entrou mais de um milhão através de Itália, Chipre, Malta, Grécia ou Espanha.

O orçamento da polícia fronteiriça europeia passou de 6,2 milhões para 333 milhões  €entre 2005 e 2019. Em paralelo, o orçamento para as deportações, de 80 mil para 63 milhões €.

O Fundo Madad /EU, recebeu 1,2 mil milhões € para conter  3,6 milhões de sírios  na Turquia e fechar a rota da Líbia: Em 2018, o  número de migrantes que entraram na UE foi de 141,472: os fluxos de refugiados viraram-se então para o centro da Europa.

A Alemanha envelhecida recebeu a mão de obra de que necessitava. Mas foi a estratégia de governo autoritário húngaro a prevalecer: a “Fortaleza da Europa”…

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De acordo com a legislação europeia, um refugiado que entre na UE deve requerer asilo no primeiro país europeu com o qual contacta: tal explica a violência com que alguns estados europeus se lhe opõem, depois de a terem livremente subscrito.

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Vagas continentais de refugiados de guerra e de países empobrecidos, por políticas coloniais e neocoloniais, que a UE reconhecia e prometia reverter, agravadas pela globalização, puseram-se em marcha. Fenómeno paralelo ocorreu com milhões de centro e sul americanos que avançam para a fronteira dos EUA.



1 comentário:

  1. Este artigo mostra que é possível fazer oposição, que é possível resistir , que é possível combater a máquina de guerra ideológica maciça, intensa e planetária levada a cabo pelas potências do capital liberal, cobertas pelo manto diáfano da democracia e mascarada com a bandeira da paz leva à exploração económica por matérias primas, por mercados, em povos e países próximos ou longínquos, em todos os continentes utilizando todos os tipos de domínio: compra das elites governantes, destabilização de regiões inteiras através de grupos mercenários que praticam o genocídio bárbaro de populações ou simplesmente com os massacres da ocupação militar.
    É esta actividade que, juntamente com as secas devastadoras ou inundações tsunâmicas que produz e reproduz refugiados em fuga pela sobrevivência, como muito bem descreve o artigo, cuja carga dramática e emocional arrepia quem o lê.

    Nota: Esta artigo é contra a corrente dominadora de todos os Mídias.
    Apesar do autor utilizar argumentos solidamente fundamentados e tentar fazê-lo dum ponto de vista não subserviente do regime da Bielorrússia, é muito fácil apelar, A UMA CONSCIÊNCIA SOCIAL ESMAGADORAMENTE ANESTESIADA PELA IDIOLOGIA, " OS PAISES DA UE ESTÃO AMEAÇADOS POR FORÇAS DEMONIACAS QUE NOS QUEREM ROUBAR O NOSSO BEM ESTAR", a apedrejar o artigo e o seu autor.
    Por mim, este artigo é uma pedrada no charco pantanoso da perversa ideologia dominante.
    Não é tudo, mas faz falta!

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