Nº 27/28 (2017)
Título: A relevância das categorias de Gosto e Paisagem,
para o paradigma do Turismo Ambiental
Title: The relevance of the categories of Taste and Landscape,
to the
paradigm of Environmental Tourism
António
dos Santos Queirós
Centro
de Filosofia da Universidade de Lisboa
Alameda
da Universidade
Tópicos: Turismo pós-moderno; Educação e
investigação; Cultura
e património;
http://revistas.ua.pt/index.php/rtd/article/view/6954/5454
Resumo:
Aceitando
axiomaticamente que as ciências humanas e sociais contribuíram para o
desenvolvimento geracional do turismo, particularmente das novas categorias e
tipos de turismo, como são o turismo cultural e o turismo de natureza, que
conceptualizamos como turismo ambiental, aqui nos interrogamos sobre o modo
como a hermenêutica da ciência contemporânea influenciou essa evolução!? Tomamos
como centro da reflexão as categorias de Gosto e Paisagem Cultural, e dentro
desta, as categorias estéticas e para-estéticas, que incluem uma dimensão ética
e um juízo moral.
Partindo
do estudo de caso do mercado de Espanha, identificamos as caraterísticas
materiais que evidenciam a mudança no gosto dos turistas internacionais que
demandam este destino e procuramos estabelecer a relevância desta problemática
para a planificação e gestão da atividade turística, a criação de novos produtos
gerados pelo património natural e para a construção do Corpus científico do
Turismo como objeto científico.
Palavras-chave: Gosto; Paisagem Cultural; categorias
estéticas; paradigma; ética
Abstract
The
modern social Taste (Preferences) of the middle class, now largely
redirected to the products of cultural tourism and tourism of nature, includes
a new global concept about Aesthetics and Art, new moral and ethics values face
to nature, heritage, environment and their global concept, Cultural Landscape,
by the influence of Environmental Philosophy and Ethics.
The concept of landscape
cannot be reduced to a visual direction and includes several dimensions, aesthetics
and ethics: admiring the landscape embraces the tactile appeal, the
kinaesthetic pleasure, the natural songs... These rich dimensions are
relevant to the new paradigm of environmental tourism (cultural tourism and
tourism of nature) and their hermeneutics, including aesthetics
categories and parallel aesthetics categories that will be analysed.
The
landscape is not an open book, intelligible empirically, In our critical stand
point we wants to reveal that what constitutes a
tourist resource is a humanized cultural landscape. Reading and interpretation
of the cultural landscape is the basis for the creation of the tourist product
and its first metamorphosis of value. It’s the ecology of the landscape
(material heritage) and its metaphysics (immaterial heritage), which constitute
the essence of tourist resource, but only when their interpretation and reading
gives it a new increase in cultural and economic value.
Keywords: Taste (Preferences);
Cultural Landscape; ecology of the landscape; metaphysics of the landscape; aesthetics
1. Introdução
Esta
reflexão do autor insere-se numa linha de investigação que procura determinar o
surgimento no mercado mundial de um novo paradigmas do turismo, que designa
como Turismo Ambiental, questão que associa à utilização de novos conceitos da
hermenêutica do turismo, o Gosto e a Paisagem Cultural.
Observando
a evolução da fenomenologia do turismo, o autor interroga-se sobre a própria
natureza do seu objeto de estudo e a construção do Corpus Científico autónomo
do Turismo.
2.
Contextualização teórica
As
categorias Turismo Ambiental e Turismo de Natureza são usadas frequentemente
como equivalentes, ignorando que, na sua dimensão concetual e filosófica,
Ambiente engloba a Natureza mais a Cultura.
E,
por sua vez, a categoria de de Turismo de Natureza é restringida amiúde ao
contexto das áreas protegidas, como se fora delas e nos diversos quadros
paisagísticos sem estatuto de proteção, este tipo de turismo não pudesse
desenvolver-se de forma sustentável.
Dissociado
da categoria de Turismo de Natureza emergiu o denominado Ecoturismo, como um
projeto global de turismo sustentável, em oposição ao modelo dominante de
Turismo de Sol, Praia e Lazer, reclamando este o estatuto de “turismo de
massas”, como se o outro não o pudesse ser e, portanto, afirmando uma superior
mais-valia económica face às categorias de Turismo de Natureza ou ao programa
alternativo do Ecoturismo, e até uma radical oposição à Ética do Turismo.[1]
O
autor deste trabalho situa-se numa posição crítica não apenas quanto à confusão
entre categorias, como face aos aparentes dilemas que oporiam sustentabilidade
a rentabilidade, ou o turismo cultural e de natureza, reservados às elites
cultas ao turismo de grande consumo de sol e praia, com a sua hotelaria e
restauração. E considera irrelevante a distinção entre Turismo de Natureza e
Ecoturismo.[2]
No
campo ideológico, o modelo tradicional de sol, praia e diversão, identifica o
perfil do turista contemporâneo com a procura individualista da liberdade e do
prazer (Butcher, 2009), o que corresponde à visão hedonista dos escritos de
filósofos como Jeremy Benthan, e ignora o surgimento de um novo paradigma no
‘gosto’ da classe média, sob o impacto do reconhecimento pelas Nações Unidas da
crise Ambiental (desde a primeira Conferência Mundial sobre o Ambiente,
Estocolmo, 1972) e a ampla difusão dos princípios da Filosofia do Ambiente e
das novas Éticas Ambientais.
O desenvolvimento da investigação
estatística em países e mercados como o de Espanha, que nas últimas décadas
ocupou o segundo lugar do ranking das ITA, (sigla que designa as chegadas dos
turista internacionais), descendo em 2008 para 3º lugar e caindo depois para o
4º, mas mantendo o segundo lugar a nível da renda do turismo mundial, justifica
a sua escolha por possuir talvez o mais completo e fiável sistema de dados
estatísticos sobre o turismo. Dos seus dados partiremos para a crítica às
categorias de Ócio e Motivação.
Analisando a figura 1 apercebemo-nos
como o conceito de Ócio é vago e impreciso e omisso no que respeita às
atividades realizadas nas férias, que obviamente deverão revelar as diversas
motivações que estão subjacentes à escolha da Espanha como destino turístico.
Figura 1. Turistas segundo a motivação
da viagem, 2008.
Fonte: Instituto de Estudios Turísticos. 2008
Já o quadro 1 nos revela a ascensão do
turismo cultural e a sua predominância sobre as atividades de diversão que
acompanham em regra a procura da praia.
Quadro 1.
Turistas Internacionais de acordo com as atividades realizadas em 2007 e 2008.
Fonte: Instituto de Estudios Turísticos, 2008.
Destas dados objetivos resulta que o
“gosto” é um atributo do perfil turístico que é indispensável estudar e que
determina a ‘motivação’ da viagem.
Aparentemente trata-se de uma
‘revolução’ nas preferências dos consumidores, a que o mercado espontaneamente
correspondeu, completando e ultrapassando os produtos tradicionalmente
associados ao ócio do sol e da praia, tais são as atividades de diversão,
discotecas, clubes…Mas, provavelmente, estamos em presença sobretudo de uma
‘descoberta’, que o inquérito empírico, melhor detalhado, desvelou.
Portanto, devemos concluir que no plano
conceptual, a superficialidade dos inquéritos que usam o conceito da motivação
é fruto da sua dissociação de outro conceito, que deveria estar no cerne da
recolha de dados empíricos e da investigação, o conceito do gosto, que é
originalmente dos domínios da Estética e da Sociologia.
De qualquer modo, esta mais ampla
classificação das atividades ocupacionais dos turistas, carece porventura de
uma reformulação categorial, pois não se pode incluir na mesma categoria de Atividades deportivas o senderismo e o esqui-neve, este que
exige perícia e técnica desportiva e o senderismo
(caminhada), atributo intrínseco do ser humano, sendo necessário também
desagregar e tipificar categorias como Otros
deportes, 4.066 milhões e Visitas a Parques Temáticos, 5,148 milhões.
A categoria Atividades deportivas, igualmente imprecisa, deve afinal englobar
as atividades realizadas no âmbito do Turismo de Natureza, mas igualmente de
outros tipos de turismo, como o Turismo em Espaço Rural, o que aponta mais uma
vez para a necessidade de estabelecer as categorias turísticas de acordo com
critérios científicos rigorosos e coerentes, isto é, que permitam
individualizar e estabelecer a identidade dos diferentes fenómenos do Turismo. Tomemos
como ferramenta de análise o conceito espinosiano de atributo:
“como tudo o que
é concebido por si e em si, de sorte que o respetivo conceito não envolva o
conceito de outra coisa.” [3]
E também não é crível que exista uma tão
grande percentagem de turistas (quase 14,8 milhões) que não realiza nenhuma
atividade, traduzindo porventura a sua resposta que não possui autoconsciência
que os passeios espontâneos em que se ocupa em novas paisagens o conduzem, de
facto, ao esforço de tentar ler e interpretar a paisagem cultural que pisoteia
e atravessa e onde permanece a descansar.
Atualizemos esta informação estatística
para confirmar a justeza da análise anteriormente realizada, em data mais
recente.
Figura 2. Turistas Internacionais de
acordo com as atividades realizadas em 2011.
Fonte: Instituto de Estudios Turísticos. 2011
4. Resultados. O gosto determinado pelos valores éticos, estéticos e do património cultural e natural
Está em curso uma profunda revolução nas
“motivações” e no “gosto” da classe média, à escala internacional, provocando
uma significativa mudança no mercado turístico, que conduziu à coexistência de
vários paradigmas, com a ascensão clara do turismo cultural e do turismo de
natureza. Voltemos ao mercado espanhol e ao quadro socioeconómico dos seus
turistas internacionais:
Quadro 2. Características
socioeconómicas dos turistas internacionais em Espanha
Fonte: Instituto de Estudios Turísticos.
Se associarmos (Quadro 2) a classe
média-média e a classe média-alta, chegamos a 87,8% dos turistas estrangeiros
englobados nesta categoria.
No ano de 2011, as estatísticas mostram que
continuou a elevar-se o nível de instrução dos turistas internacionais chegados
à Espanha: 62% com estudos superiores, 33% com estudos secundários e 5% com o
ensino básico (Egatur, 2011). A classe com renda média situou-se nos 60%
(ligeira quebra) e a média-alta a 29%, elevando em conjunto o seu peso no
destino turístico Espanha para 89%, enquanto a classe com renda alta subia
ligeiramente para os 6%. E observamos o maior ritmo de crescimento dos gastos
dos turistas seniores, 12,6 %, sendo estes os que permitem maiores valias per capita, 1.009 €. (Egatur, 2011).
O gosto como categoria social alterou-se
também quando a paisagem cultural, rural e urbana, começou a ser lida como um
produto turístico graças ao surgimento e difusão do paisagismo, na sua dimensão
científica e estética, e à organização da visita à paisagem em Circuitos
e Rotas,
difundindo o gosto pela sua procura em todas as classes sociais.
Mas a questão do gosto está ligada
intrinsecamente ao problema dos valores e portanto, à ética e à moral social. Mas
quais são os valores estéticos e éticos da paisagem?
Para compreendermos melhor a amplitude dos
seus efeitos na procura e na oferta turísticas, importa estabelecer o percurso
conceptual do gosto, a partir da evolução da Crítica da Arte.
A Crítica da Forma, já no século XIX,
contribuiu para a autonomização e identidade do objeto artístico, estabelecendo
o princípio da análise da obra de arte
no seu contexto estilístico e técnico. A parcialidade da tendência
historicista, que reduzia a arte à reconstituição das personalidades artísticas
dos autores e encomendadores, artificialmente isolados da vida e das
influências socioculturais, foi sendo ultrapassada por esta nova perspetiva
científica. Tal procedimento
ajudou a valorizar a arte no domínio da história da cultura, individualizar as
suas metodologias próprias e os seus contributos civilizacionais e, ao mesmo
tempo, combater os preconceitos contra
as formas artísticas consideradas bárbaras ou menores, superando a
hierarquização a-científica entre períodos clássicos e de decadência. Abriu
assim ao turismo a possibilidade de valorizar todas as formas de representação
artística, que estão para além dos conteúdos dos grandes museus, monumentos e
outras criações universais, valorizando a arte popular, o artesanato e todos os
objetos do património construído, da pequena capela à arquitetura vernácula.
Este novo quadro teórico permitiria também
abrir caminho à revolução formal que marca o advento da arte e da pintura
modernas. Neste sentido, a Crítica das Motivações ou Sociológica, que inicialmente concebia a obra de arte como
mero reflexo social e desprezava o seu valor interativo, estético e
cultural, ao libertar-se do
determinismo positivista, veio contribuir, através do estudo das condições económicas e sociais do trabalho
artístico e do estabelecimento das relações histórico-culturais entre as
técnicas artísticas e as tecnologias sociais, para um melhor
conhecimento da obra de arte.
O gosto tornou-se, assim, não apenas um
produto das escolas de arte mas o resultado de uma completa interação entre os
artistas e a dinâmica social da arte, desde o mercado ao imaginário e às
conceções científicas e culturais dominantes. Neste campo, as contribuições da
Crítica Marxista e da Crítica da Psicologia da Arte, constituíram metodologias
do estudo da obra de arte que superam não só o determinismo sociológico como
penetram no indeterminismo do processo de criação individual.
A assimilação destes conceitos pelos agentes
sociais do turismo permite diversificar a oferta segundo os diferentes
segmentos de público, sendo determinante na “montagem das atrações” turísticas,
conceito oriundo do cinema que estrutura a nossa definição de Circuito
Turístico e de Rota Turística.
A Crítica Marxista ao acentuar o papel das
tensões sociais e dos valores culturais das diferentes classes, a influência da
ideologia na configuração das relações sociais e através dos conceitos de Modo
de Produção e Formação Social historicamente determinados, forneceu novos
instrumentos para compreender os conteúdos, os temas e significados da obra de
arte.
Também a Psicologia da Arte, não apenas a
psicologia comportamental, mas igualmente a psicologia da perceção e a
psicanálise (Catarse), permitiram entender o estudo do fenómeno da criação e do
usufruto da obra de arte, como algo de extremamente complexo na sua génese e assimilação
pelos diferentes níveis da consciência individual e social, para além do
estímulo que forneceram ao nascimento de correntes artísticas modernas, como o
Surrealismo e pós-modernas, como o Informalismo.
De forma sincrética, referimos ainda a
Crítica da Imagem, da Iconografia e Iconologia das imagens: A reflexão sobre a
Iconografia e Iconologia das Imagens conduziu à criação de uma metodologia
própria, particularmente na exploração dos seus conteúdos, temas e
significados.
Finalmente e no âmbito da Crítica dos
Signos, o paralelismo estabelecido entre o estudo da linguística e da linguagem
estética, abriu caminho à semiologia da arte, com a sua semântica, sintaxe e
pragmática. Assim, à função poética do texto literário, isto é, da orientação
da língua para a mensagem em si, através da qual o autor conduz a comunicação,
correspondeu, nas linguagens artísticas, a existência de um plano significante
de signos plásticos e dos respetivos níveis de conteúdos, enunciativo,
semântico e simbólico. A forma simbólica como determinação de valores, planos
de utilização e de configuração do status
social; a função simbólica, em relação com a sociedade ou mântica (de
comunicação com os deuses, ou expressão trágica da sua morte); os significados
simbólicos ligados às crenças ou à indefinível descrença, deste fim e início de
milénio, na providência, na finalidade da história ou no destino do homem.
Enfim, ao reconhecimento de que o novo universo artístico em expansão (ou já em
entropia?) comportava incontáveis tendências e idioletos, possuindo igualmente
unidades mínimas de significação, mas agora de natureza artística,
antiartística e não-artística, ou melhor dizendo, de plurissignificação e
polissemia, tendências e idioletos.
4.2
A hermenêutica da paisagem
A Filosofia da Paisagem é a disciplina que
de forma global permite conhecer, ler e interpretar a paisagem, criando um
episteme que é válido para todas as suas variantes.[4]
Na nossa opinião, essa hermenêutica assenta em dois filosofemas fundamentais;
Primeiro, a Ecologia da Paisagem (humanizada). Que
compreende, na nossa definição, uma visão estrutural e sistémica que engloba os
grandes quadros naturais, caracterizados e diferenciados, seja pelos
diversos domínios da ciência – que vão das ciências do ambiente às ciências
exatas; seja pela presença transformadora do homem no seu esforço de
agricultor, pastor e arquiteto da paisagem. E daí, também, o concurso das
ciências históricas e humanidades.
De facto, a
expansão da espécie humana por todas as regiões do globo e a sua adaptação à
diversidade dos habitats mais agrestes, em paralelo com a crescente
universalização e globalização da ação antrópica, originou, a partir da Idade
Moderna, uma nova relação da Humanidade com a Natureza: doravante, deixarão de
existir os grandes quadros naturais puros, toda a paisagem se transformará,
direta ou indiretamente, pela atividade humana.
Então, o conhecimento físico e científico da
paisagem humanizada pode ser sistematizado no plano concetual pelo filosofema
“ecologia da paisagem” e o conceito de “paisagem” entendido como
quadro natural humanizado pelo esforço (o trabalho) humano.
Mas a
interpretação da paisagem, na ótica da Filosofia da Natureza e do Ambiente,
ficaria incompleta sem o recurso a um outro elemento categorial, que definimos
como:
Segundo, a Metafísica da Paisagem: que é do
domínio da “espiritualidade”, da “alma” das coisas, das categorias, emoções e
sentimentos estéticos da “beleza” e do “belo” ou do “sublime”, do “maravilhoso”
e do “misterioso”, do “monumental”, do “épico” e do “trágico.” E que comportam
valores éticos.
Para o leitor menos familiarizado com estes
conceitos, vamos procurar defini-los de forma sintética e ilustrá-los, sem
deixar de referir que o seu debate prossegue desde sobretudo o século XVIII,
conduzindo, por exemplo, no que ao belo naturalizado respeita, aos jardins
franceses geometricamente projetados ou aos jardins românticos ingleses, onde
predomina o arranjo da natureza em recantos, arboretos e tufos dispersos.
Do conceito do ‘belo’ na paisagem, queremos
entender a visão da harmonia de cores e de formas, do seu equilíbrio na
diversidade, da ausência de agressões visíveis ao seu património natural e
cultural, dos cheiros e perfumes, do movimento das copas e das searas e,
portanto, valores que despertam todos os sentidos e apelam para outros valores
morais.
Do ‘sublime’ na paisagem, entendemos a
associação do belo com um sentimento de respeito e até de um certo receio,
imposto pelo quadro paisagístico natural, ou, predominantemente natural, como
seja a imponência de uma montanha coberta de neve ou a largueza da paisagem que
dela se avista.
Figura
3. A geodiversidade e a revelação do
sublime e do misterioso: foi a
passagem do glaciar abaixo da massa granítica do Cântaro Magro, que o
elevou na paisagem e abriu o Vale
Glaciar de Loriga (Foto de Paulo Magalhães_ PM)
Do maravilhoso na paisagem, entendemos o
belo elevado à potência, com todos ou alguns dos sentidos estimulados para uma
emoção superior.
Fig.4. O maravilhoso, a geodiversidade e a revelação
do misterioso: Vale monumental de Manteigas com a forma de um U, por ser de
origem glaciar (PM)
Do misterioso na paisagem, queremos
representar a surpresa e o fascínio, por formas, cores e sobretudo ambientes,
que não compreendemos espontaneamente.
Figura 5. A geodiversidade, a história revelam o sublime e o misterioso. Fraga da Pena: Castro da Idade do Bronze. Castle Koppie, Inselberg de forma acastelada com diáclases ortogonais. Tor, torre, com os blocos in situ . Situada na Serra da Estrela, em Queiriz, Fornos de Algodres. (Foto de AdSQueirós)
Do monumental na paisagem, o reconhecimento
da transformação da paisagem pela sua humanização através do trabalho humano, à
escala do belo e com as dimensões do que chamamos monumento.
Figura 6. Paisagem monumental e épica de Loriga: Socalcos e Vale Glaciar de Loriga (PM).
Do épico na paisagem, quando reconhecemos
nesse esforço de humanização da paisagem, da sua transformação em paisagem
cultural, um esforço excecional, muitas vezes secular ou milenário do homem,
muitas vezes associado ao uso de animais e à criação de novos biótopos pela sua
ação.
Figura 7. Paisagem monumental e épica de Loriga: Socalcos construídos pelo braço do homem e adubados “a rabo de ovelha”. (Fotos de José Conde_JC e AdSQ )
Do trágico (e do dramático), quando
observamos, percorremos, sentimos, as paisagens culturais em processo de
abandono ou já de total ermamento, conservando ainda os sinais da presença das
comunidades humanas…
F igura 8. O belo e o trágico explicados pela história e a etnografia: Casal do Rei. Casas e ponte de xisto.(PM)
Do visionamento das fotos se conclui que
estas categorias se podem encontrar simultaneamente no mesmo quadro
paisagístico.
Categorias
para-estéticas
Podemos identificar
para além das categorias estéticas (positivas, veremos adiante as negativas) referidas,
e que são originárias do domínio da filosofia da paisagem, outras categorias para-estéticas
positivas, que são do domínio do turismo, da paisagem cultural entendida como
objeto turístico. Continuando a ter como referência a paisagem da Serra da
Estrela, nela encontramos a materialização de um conjunto de categorias a que
denominamos para-estéticas, com um valor moral intrínseco:
i.
‘O único’, a sua Torre, cume panorâmico
da Serra, coroa da neve, e configurar esse conceito como suscetível de
expressar os atributos paisagísticos exclusivos de um sítio;
(Foto: Domínio Público)
ii. ‘O singular’, a Cabeça do Velho, formas
antropomórficas do granito produto da sua erosão, definindo agora o conceito
como possuindo atributos bastante comuns mas com forma identitária de um
distinto objeto paisagístico;
iii.
‘O autêntico’, como o dólmen de Cortiçô, símbolo do esforço heroico dos primeiros agricultores e
pastores, com os atributos conceptuais da conservação dos objetos e contextos
paisagísticos originais, tais são os seus esteios de granito de
vários tipos, de grão fino, mas também porfiroide, que, por não se encontrar
nas redondezas, testemunham por si só o esforço épico dos seus
construtores; local mágico, que parece orientado para o ciclo diurno do sol e
representar simbolicamente a morte e a vida nos solstícios de Inverno e de
Verão;
iv.
‘O genuíno e o raro’, objetos e detalhes
da paisagem humanizada, que no seu processo de evolução tendem para o
desaparecimento ou corrupção, aqui expresso pela figura e obra de Mateus
Miragaia, o último ferreiro do Jarmelo, fabricante das tesouras de tosquia da
lã da Estrela, a sua oficina e as marcas do seu trabalho em toda a paisagem
rural da aldeia do Jarmelo.
(Foto:AdSQ)
E diferenciá-las das categorias
para-estéticas paisagistas (sistémicas).
Enunciemos algumas
dessas Categorias para-estéticas sistémicas:
i.
‘O Mosaico agro-silvo-pastoril’, que
constitui uma visão da paisagem, sistémica, pluri e interdisciplinar, material
e espiritual, da paisagem (humanizada), cultural ou terroir.
“A Paisagem de Bocage”, do francês bois, uma sebe contínua. Com o
bosque no alto da encosta, sebes vivas e linhas de arvoredo ligando as mantas
de terra e pastagem armadas sabiamente sob as linhas de declive, sem muros de
suporte.
ii.
‘Prados de Lima’, a água repartida
finamente e como que limada em finos regatos nas veigas da ribeira,
para que o pasto não seque no verão nem se queime pela geada no
inverno; rega de lima mantendo o crescimento das pastagens e
realizando a recarga alargada dos aquíferos.
(Foto AdSQ)
iii.
‘Socalcos’ monumentais, suportando o
solo e recolhendo as escorrências pluviais.
iv.
‘O
Carvalhal e a mata ripária’, conservando a agricultura tradicional, local
privilegiado de observação da avifauna.
v.
‘Jardins aquáticos’, cobrindo o leito dos rios
e ribeiras.
vi.
‘Jardim de musgos’: microflora e microfauna
…fungos de múltiplas cores e formas. A mais-valia paisagística e
turística destas paisagens, as suas cores, musicalidade, salubridade, aromas,
sabores…
(Foto: AdSQ)
Acompanhando o ciclo
interminável de abandono e renascimento da paisagem cultural, anotemos sem
cuidar de uma definição mais formal, os opostos ou contraditórios com as
categorias estéticas positivas, numa escala de reprovação moral ascendente:
O ‘desinteressante’ da
monotonia verde monotonal de um pinhal. O ‘feio’, o feio dos fios
elétricos cruzando o horizonte visual dos monumentos, das feridas
abertas nos montes pelas pedreiras e o repugnante de um eucaliptal sem outras
vidas. O ‘ofensivo’, dos inertes e restos das construções marcando as valetas e
as veredas, acentuando a dimensão moral do problema. ‘O repugnante’, das
lixeiras marcando a paisagem, do cheiro acre das celuloses em quilómetro de
paisagens, das águas podres das ribeiras-esgoto, outra vez integrando o
sentimento moral e estético.
4.3 A representação estética e artística da paisagem cultural
O conceito de
metafísica da paisagem permite-nos utilizar na hermenêutica do turismo o ensaio
e o texto poético, mas também as artes plásticas, em particular a pintura. O
usufruto da paisagem pode assim ser mediatizado pela arte
literária e pelas belas artes, mas também pela nova galáxia de comunicação
multimédia.[5]
Assim sendo, no quadro da
Filosofia da Natureza e do Ambiente, a ecologia da paisagem conduz-nos à sua
interpretação e leitura pela via das ciências.
A metafísica da paisagem
parte desta epistemologia científica, que envolve uma dimensão multidisciplinar
e articula-a com uma ontologia estética e cultural plasmadas na história, na
vivência contemporânea e na prospetiva do futuro dos seus povoadores.
Mas importa ainda
reconhecer a existência de uma dimensão categorial individual e irredutível, na
paisagem, que se estabelece na vivência de cada indivíduo com ela, que
denominamos “transcendência da paisagem”, que nos conduz, como na arte
contemporânea ou pós-moderna ao reconhecimento da polissemia e
plurissignificação da paisagem e dos seus elementos constitutivos, uma
irredutível subjetividade que não se opõe nem à ciência nem ao gosto social.
e que constitui,
com a ecologia e a metafísica da paisagem, a base bem-sucedida da criação
prática dos Roteiros e Circuitos do Turismo Ambiental, Turismo Cultural
e Turismo de Natureza. O que comporta uma consequência maior: a coexistência de
distintas visões culturais sobre a paisagem é uma realidade absoluta e a sua
convergência no domínio da filosofia uma necessidade incontornável para “ler e
interpretar” os valores paisagísticos, já que a paisagem não é um livro aberto,
e só a mediação turística e a edificação da sua logística, permite o seu
usufruto, transformação dos recursos da paisagem rural e urbana, marcadamente
selvagem ou humanizada, nos produtos do Turismo do Turismo Cultural, do Turismo
de Natureza e do Turismo em Espaço Rural, que englobamos no conceito de Turismo
Ambiental, como o seu core business ,
sem prejuízo dos valores ambientais impregnarem agora todos os outros tipos de
turismo e os seus produtos; seja o Turismo Enogastronómico, o Turismo de
Negócios, o Turismo Residencial de Longa Duração, o Turismo Itinerante…
O caminho de pesquisa e investigação que procurámos é o de responder ao desafio de como investigar, estudar e configurar o turismo do século XX e XXI, integrando as suas dimensões cultural e natural (ambiental), estética e ética e materializando essa estratégica investigadora no desenvolvimento do conceito de Turismo Ambiental onde se sistematiza o emergir de um novo (?) ou revelado episteme.
No plano teórico e metodológico, concluímos que os inquéritos que usam o conceito da motivação são de valor científico limitado, fruto da sua dissociação de outro conceito, que deveria estar no cerne da recolha de dados empíricos e da investigação, o conceito do gosto.
E identificámos a paisagem cultural como o recurso fundamental para a criação dos produtos de Turismo Ambiental, recorrendo a novos conceitos da hermenêutica do turismo, tal é o caso da ecologia e da filosofia da paisagem, e subsequentemente dos seus atributos estéticos e éticos, o que nos conduziu à elaboração de novos conceitos operativos, como seja as categorias estéticas da paisagem e as suas categorias para-estéticas, estas do domínio autónomo do turismo, do seu Corpus científico. Igualmente relevantes para a planificação e gestão da atividade turística.
E identificámos a paisagem cultural como o recurso fundamental para a criação dos produtos de Turismo Ambiental, recorrendo a novos conceitos da hermenêutica do turismo, tal é o caso da ecologia e da filosofia da paisagem, e subsequentemente dos seus atributos estéticos e éticos, o que nos conduziu à elaboração de novos conceitos operativos, como seja as categorias estéticas da paisagem e as suas categorias para-estéticas, estas do domínio autónomo do turismo, do seu Corpus científico. Igualmente relevantes para a planificação e gestão da atividade turística.
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nº 17/18 vol. 3.– Volume 2, Universidade de
Aveiro. Pages. 1133-1144.
Serrão, A.
(2011) “A Paisagem como problema da Filosofia”, in Id. (coord.), Filosofia da
Paisagem. Uma Antologia, Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa.
Ziffer, K.A.
(1989) Ecotourism: The Uneasy Alliance. Washington DC: Conservation
International.
Internet
Sources accessed in 03.02.2016
The
International Ecotourism Society [TIES], 2011, Ecotourism. Principles of
Ecotourism, [http://www.ecotourism.org/what-is-ecotourism]
[1] Butcher, J., 2009, Against Ethical Tourism, Tribe, J.
(ed.) Philosophical Issues in Tourism,
Channel View Publications, Bristol, pp. 244-260.
[2] ‘Ecotourism
is about uniting conservation, communities, and sustainable travelling. This
means that those who implement and participate in ecotourism activities should
follow the following ecotourism principles: Minimize impact. Build
environmental and cultural awareness and respect. Provide positive experiences
for both visitors and hosts. Provide direct financial benefits for
conservation. Provide financial benefits and empowerment for local people.
Raise sensitivity to host countries and their political, environmental, and
social climate.’(International
Ecotourism Society_TIES, 2011)
[3] Espinosa, Ética. Tradução, Introdução e Notas de
Joaquim de Carvalho, Coimbra : Atlântica Editora, 2ª Edição, 1960, P.XXXVI.
[4] Sobre
a problemática da Paisagem consultar o texto de Adriana Veríssimo Serrão, “A
Paisagem como problema da Filosofia”, in Id. (coord.), Filosofia da Paisagem.
Uma Antologia, Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2011, pp.
13-35.
[5] Remonta à Geração de 70 do século XIX e o seu crítico literário, Moniz Barreto o conceito sistémico da paisagem e a necessidade de a interpretar à luz de uma nova cosmovisão assente numa pluralidade científica e estética. No prefácio ao Portugal Contemporâneo, de Oliveira Martins, elabora esse conceito de uma forma sintética e clara: “Uma paisagem é um conjunto de elementos materiais coordenados de um certo modo no espaço e reflectidos de um certo modo no espírito”. Portugal Contemporâneo, de Oliveira Martins, Prefácio de Moniz Barreto, pág. 28.
Distinguindo depois dois tipos de paisagens, a que chama descritiva e expressiva, que documenta em seguida na obra de Oliveira Martins.
Distinguindo depois dois tipos de paisagens, a que chama descritiva e expressiva, que documenta em seguida na obra de Oliveira Martins.
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