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Filosofia do Ambiente e Literatura e o novo paradigma turístico PDF
Resumo
Ao investigarmos a natureza específica das relações entre Literatura e Turismo seremos conduzidos a estudar como hoje se constitui e se reproduz essa relação, no quadro da ascensão do turismo ambiental, analisando o processo histórico de evolução do conceito de natureza para o conceito de ambiente, que decorre nos séculos XIX e XX, e, por extensão, o ascenso do turismo ambiental, tal como a contribuição premonitória da Literatura para esse novo paradigma.
Partiremos da definição geral de paradigma como uma matriz disciplinar, uma constelação de crenças, valores e técnicas partilhadas pela comunidade, para discutir as suas condições de estabilidade e mudança no quadro da fenomenologia do turismo, procurando contribuir para a convergência de diversas metodologias de investigação, e para um consenso concetual que ainda não existe.
Palavras-chave: paradigma; paisagem; gosto; Literatura; Turismo Ambiental
Environmental
philosophy and literature and the new paradigm of tourism
Abstract
Leaving from the
general definition of paradigm as a "disciplinary matrix", a
constellation of beliefs, values and techniques shared by the community, we
wants to discuss their conditions of stability and change in the framework of
the phenomenology of tourism, seeking to contribute to the convergence of several
research methodologies, and built a conceptual consensus that does not exist
Looking to
the process of historical evolution from the concept of nature to the concept
of environment, and, by extension, the rise of environmental tourism, we want
researching the premonitory
literature's contribution to the new paradigm
Key words: paradigm;
landscape; taste; Literature; Environmental Tourism
1. O conceito de paradigma e a conceptualização do turismo como objeto científico
A definição
geral de paradigma inclui uma “matriz disciplinar”, uma constelação de crenças,
valores e técnicas partilhadas pela comunidade (Kuhn, 1962). Isso só acontece
quando, no quadro de estudo dum quadro fenomenológico, se podem observar
múltiplos e inesperados acontecimentos e quando emerge um paradigma rival. Isso
não acontece rapidamente. O paradigma
mantém-se estável enquanto é capaz de aumentar a precisão da concordância entre
observações e cálculos; quando pode ser ampliada a sua abrangência de modo a
cobrir novos fenómenos; é suscetível de determinar os valores de constantes
universais; permite formular leis quantitativas que aumentam a articulação do
paradigma; e permita criar novos processos para aplicação em novas áreas.
No nosso
programa de investigação recorremos a duas metodologias, duas estratégias,
preconizadas por Lakatos, uma heurística negativa, em que o programa de
pesquisa isola um “núcleo duro” de preposições que não estão expostas a
falsificações e uma heurística positiva, que é uma estratégia de teorização
progressiva que permita obviar “os pontos fracos” que surjam em qualquer etapa
do percurso investigativo.
Mas o
reconhecimento da existência de dois paradigmas em competição implica que os
investigadores utilizem o mesmo quadro conceptual, o que, no domínio do
turismo, não é fácil, por causa da proliferação e diversidade de inúmeros
conceitos sobre a atividade turística. Torna-se assim imperativo tornar mais
universal a linguagem académica e científica do turismo, construir o máximo
consenso e rigor conceptual no estudo fenomenológico do turismo. Adotamos aqui
o quadro conceptual proposto no ensaio Turismo
Cultural e Economia do Património:
Toda a
teoria científica tem como suporte um conjunto de axiomas. A metodologia do
trabalho científico consiste no desenvolvimento desses axiomas para deles
retirar consequências “físicas”, isto é, no caso do turismo, para analisar a
sua fenomenologia. Tal significa, no estudo da evolução prática da atividade
turística, explicar e prever os seus resultados, através da prática da
observação dos seus fenómenos ou da experimentação dos seus processos.
Para que a
concetualização formal do turismo se conforme com a construção de uma
hermenêutica científica, ela deve ser capaz de estabelecer uma relação
dialógica entre a observação e os conceitos matemáticos (em sentido amplo) e
esforçar-se por identificar os fenómenos que correspondem aos conceitos
abstratos elaborados pela investigação na área do turismo. (Queirós, 2014:108)
Mas para que
a equação a investigar fique completa é preciso identificar o conjunto de
interseção entre o corpus do turismo
e o corpus literário.
No campo da
Literatura, partimos do conjunto de axiomas que elaborámos para desenvolver o
trabalho de dissertação de mestrado sobre Literatura e Ambiente e,
posteriormente, de doutoramento e que a investigação confirmou e enriqueceu:
Primeiro
axioma: a literatura é um recurso e uma instância mediadora do turismo
ambiental ( turismo cultural e turismo
de natureza), que constitui o novo paradigma em ascensão no mercado do turismo.
Segundo
axioma: Por natureza, os escritores e poetas, os artistas em geral, são dotados
de um grande apego à liberdade de pensamento e a sua sensibilidade recolhe os
mais profundos apelos da terra e do homem. A sua consciência universalista
leva-os a valorizar toda a cultura humana, desde as mais belas obras das
civilizações clássicas, até aos signos misteriosos dos primeiros pintores, das
catedrais góticas à revelação do planeta azul.
Por estas
razões, intuem, pressagiam e dão testemunho antecipado dos problemas e
perspetivas que a consciência coletivas de uma época ignora ou marginaliza como
incómodas utopias ou inquietantes denúncias.
Assim
aconteceu com o emergir da questão ambiental, ainda no século XIX e, por
extensão, com o turismo ambiental
Terceiro
axioma: Como corolário do axioma anterior, está aberto um caminho de pesquisa e
investigação que permite tornar visíveis as pistas que conduzem à revelação dos contributos dos escritores
portugueses para a génese da moderna consciência ambientalista, e, por
extensão, do turismo ambiental e à redescoberta das suas obras nesta
perspectiva, os quais, celebrados embora na sua dimensão artística, permanecem
na sombra enquanto mentores dessa outra consciência ambiental, dos valores
morais e do gosto social que está
associado ao surgimento do novo paradigma turístico.
Quarto
axioma: A Nova Literatura, a que se refere Eduardo Lourenço, “[…] cujo grande
tema é a desmontagem e a contestação ao nível mais radical, o da linguagem
mesmo_ do que a literatura foi ou quis ser”.
[…] E tema central (e obsessão quase
única do Ocidente na poesia e no romance) do amor, ou, mais genericamente, da
relação erótica…” Surge em Portugal com
uma singularidade, a que chama “admirável
anacronismo, alimentando-se […] da nossa realidade mais visível […] incomum no
contexto das literaturas contemporâneas.” (Lourenço, 1994:259/263)
Nos seus
textos, a literatura é obra aberta à plurissignificação e à participação do leitor,
mas já não conforme a imitação da natureza ou o neorrealismo, o implícito é
adequadamente expresso, quantas vezes “Para (não) dizer o contrário” (Lepecki, 1988:186/187),
constituindo um referencial mais de
signos do que de matéria naturalmente configurada, e é nesses signos que vamos
procurar o fio condutor ambiental e do turismo ambiental.
Para
elucidar melhor esta questão, que é chave para este trabalho de interpretação,
introduzimos aqui um longo parêntese reflexivo acerca da dialética da função
simbólica, que implica
[…] dois
movimentos aparentemente contraditórios sobre a experiência do sentido, ou
seja, … uma estrutura transcendental do sentido
e o poder operativo e
transfigurador da experiência. […] o mundo da ficção distancia-se do mundo
da experiência (situação), só que essa
distanciação vai permitir uma nova redescrição e transfiguração da experiência.
Ora, só podemos ampliar o horizonte da nossa perceção elevando-nos a um ponto
mais elevado que nos permita circunscrever o espaço em que estávamos imersos. É
esse, a nosso ver, o sentido eminente das grandes criações literárias da
humanidade. Oferecem-nos perspetivas novas nas quais podemos observar e
transformar a experiência. (Correia, 1994:149)
É óbvio que
neste texto a dimensão da pesquisa se deve confinar quer à natureza quer aos
limites de um artigo. Pelo que o autor optou por circunscrever o número de
axiomas a quatro.[1]
Introdução metodológica
Com o fim de
fazermos incidir a nossa análise no conceito de “turismo ambiental”, iremos perseguir,
ao longo das obras literárias selecionadas dos escritores portugueses do século
XX, o percurso diacrónico da experiência estética da natureza, que emerge, no
dealbar de mil e novecentos, como cosmovisão conservacionista e,
progressivamente, se transforma em mundovisão ambiental; finalmente,
conceptualizaremos a categoria do ambiente enquanto natureza e cultura, e o
homem como elemento da natureza, na peculiar visão aquiliniana para quem “…a
natureza, não tem simpatias especiais para nenhum dos seus seres”. (Ribeiro,
1924:171)
A obra dos
nossos prosadores, que tomaram particularmente o homem do campo como matéria
literária, de Miguel Torga a Ferreira de Castro, Aquilino Ribeiro, Raul
Brandão, etc., dá-nos da condição humana uma dimensão, que poderíamos
qualificar de lorenziana, por alusão ao notável cientista austríaco, o qual,
com suprema ironia, escreveu:“…o elo entre o animal e o homem verdadeiramente humano
somos nós“. (Lorenz, 1973:239)
Ecce Homo, pomba com bico de corvo,“…criatura inofensiva e omnívora que não
possui arma (natural) para matar grandes presas e, por conseguinte, é
desprovida dessas rábulas de segurança que impedem os carnívoros
«profissionais» de matar os seus colegas da mesma espécie…”, dotado de uma
herança animal de instintos, anterior ao pensamento racional. (Lorenz, 1973
:239)
Na verdade,
as necessidades instintivas do ser humano, hoje confinado ao espaço
labiríntico, concentracionário e ameaçador, da grande urbe, fazem nascer novos
e gravíssimos problemas que afetam o equilíbrio e a harmonia do indivíduo
humano nas suas relações com o seu habitat natural. Estes problemas têm a sua
expressão na temática, na estilística e na poética dos autores contemporâneos.
Evidenciaremos, ao longo desta recensão crítica, alguns dos textos científicos
internacionais que marcam a evolução do pensamento ambientalista para os
cotejar com a obra dos escritores portugueses.
E como
estabelecer os contornos do conceito de ambiente, distinguindo-o de natureza,
apreender a sua evolução histórica e o seu significado multicultural?
Mas foram os
filósofos, os cientistas e investigadores, os ativistas sociais, a iluminar o
caminho para a consciência ambiental?
A literatura
atual poderá ser encarada como uma espécie de instância mediadora da Filosofia
das Ciências e das Ciências do Ambiente em particular, da estética e da ética
ambiental?
É a via
dessa descoberta que vamos percorrer servindo-nos como instrumentos
metodológicos das categorias conceptuais que denominámos “ecologia da paisagem”
e “metafísica do ambiente”, adiante explicitadas, cruzando a metodologia da
recensão crítica com o ensaio literário e filosófico.
1.1 Primeiro axioma: a literatura como recurso e
instância mediadora do turismo ambiental
“… Uma verdade, quando
aparece no mundo é por intermédio do poeta
…” (Pascoaes, 1915:15)
Encontramos
no séc. XIX e no ideário romântico do ruralismo a expressão, ideologicamente
multifacetada, das primeiras críticas ao capitalismo ascendente e, na oposição
do campo (natureza eterna e harmoniosa) à cidade (mutável e cosmopolita), o seu
principal mitema.
Pedro Calafate, na obra A Ideia
de Natureza no Século XVIII, assinala a existência de uma tradição secular
na cultura portuguesa de reflexão filosófica e expressão artística valorativas
da natureza, que define assim:
A
tradicional oposição cidade/campo, que se vinha formulando desde o
Renascimento, encontrara expressões bastante felizes na nossa literatura,
nomeadamente em Sá de Miranda, sendo agora prolongada em novos contextos, pois
que se intensificará, em alguns espíritos mais sensíveis, a fadiga existencial
perante uma sociedade cada vez mais submetida ao império do artifício, da
aparência, da inauticidade e da intriga…Se a cidade representa,
tradicionalmente, a passagem da natureza à cultura, a cultura da cidade
começara a ser entendida como responsável por uma desnaturalização do homem,
por isso que o indivíduo se distanciava, progressivamente, dos seus ritmos
vitais.” (Calafate, 1994:141)
Este ideário
entronca numa tradição renascentista, mas não provém apenas da lírica, como é o
caso mais conhecido de Sá de Miranda. Numa linha que retoma o sermonial
seiscentista do Padre António Vieira, Ramalho Ortigão, nos seus escritos de
divulgação da obra dos naturalistas, dirigidos em particular à reforma da mentalidade
feminina, procura orientar a proverbial curiosidade da mulher para a descoberta
da Ciência, invocando para isso a extraordinária biodiversidade do mar e
serve-se da ilustração da vida das suas criaturas em paralelo com a condição
humana, como o fizera o notável jesuíta em muitas das suas pregações. [2]
Já em finais
do séc. anterior, a Marquesa de Alorna apelava, nas suas Recriações Botânicas, ao retorno à natureza. (Alorna, 1884:27) Esse
regresso à terra pode representar, como em Alexandre Herculano e Júlio Dinis, todo um programa
liberal.
[3] As Pupilas do Sr. Reitor estão impregnadas de um otimismo
«regenerador» e nos Fidalgos da Casa Mourisca é a agricultura que permite reconstruir o
solar aristocrático, mas num ambiente campestre já humanizado pela cultura
burguesa _educação, saúde, e comunicações, conforme observa A. José Saraiva ou
significar o apelo atávico ao passado em Camilo ou Castilho. (Saraiva, 1996:
67)[4] Pertence ao
primeiro a metáfora que sugere a destruição do velho mundo rural e expressa, em
simultâneo, a metamorfose urbana do novo regime, com um sentido sinestésico e
repulsivo: “O progresso é barrigudo, não cabe em ruas estreitas.”
1.2 Segundo axioma: A contribuição premonitória da Literatura para a questão ambiental e
para o turismo ambiental
Veremos como
emergem, já nesta época, duas grandes linhas de interpretação do texto
literário, quando no seu conteúdo emergem as paisagens urbanas e rurais,
envolvidas num ambiente de fim de século:
-A metafísica da paisagem (ou do ambiente),
num novo século marcado pela desordem e a angústia urbanas, de Camilo Pessanha
e Mário de Sá Carneiro, acompanhadas, em contraponto, pela exaltação da
paisagem rural, como em António Nobre e, mais tarde, também pela magnificação
do corpo, traço comum a praticamente todos os autores contemporâneos.
A fruição da
paisagem tem nos nossos escritores uma dupla dimensão definidora daqueles
conceitos: aquela que compreende uma visão sistémica interdisciplinar de
carácter científico, que engloba os grandes quadros naturais, caracterizados
e diferenciados, seja pelos diversos domínios da ciência - que vão das ciências
do ambiente às ciências exatas; seja pela presença transformadora do homem no
seu esforço de agricultor, pastor e arquiteto da paisagem e daí também o
concurso das ciências históricas e humanidades. Visão científica, da paisagem
humanizada, mediatizada pela arte literária, ou seja, ecologia da paisagem.
E
outra de natureza metafísica, que é do domínio da “espiritualidade”, da “alma”
das coisas, dos sentimentos estéticos da “beleza” e do “belo” ou do “sublime”… Usaremos
os conceitos de metafísica da paisagem e turismo ambiental, porque embora se
reconheça que ambiente e paisagem são conceitos distintos, já não há consenso
científico acerca do seu conteúdo e significado e aqui interessa-nos apenas abordar
a controvérsia na ótica da relação da paisagem com o turismo (ambiental).
Vamos procurar
demonstrar o valor operativo destes dois conceitos a “ecologia da paisagem” e “a metafísica da
paisagem” regressando à obra de Aquilino Ribeiro e depois no quadro do estudo
de alguns textos de Cesário Verde e Eça de Queirós.
Frederico Nietzsche
considerava a arte como sendo“...a missão superior e a atividade propriamente
metafísica desta vida ”. (Nietsche,1871:22). Julgamos
que os princípios que presidem à sua conceção da “tragédia ática” irrompem
na obra de Aquilino Ribeiro quando nos retracta a alma profunda dos seus concidadãos
perdidos nas Terras do Demo,
seres humanos reduzidos à dupla condição de sátiros (os faunos Aquilinianos) e
anacoretas (condenados ao martírio), que afogam nos prazeres da carne e na
bebedeira alcoólica ou mística o terror da existência, sonhando não com o
Olimpo mas com uma vida sem míngua de sustento e paz, sem carência de terra
para cultivar e, no entanto, capazes também de perseguir o sonho apolíneo (Volfrâmio, Uma Luz ao Longe), pelo qual atravessam oceanos,
escavam montanhas, carregam o diabo às costas em busca do seu individual e
libertário destino, longe do fausto e da nobreza dos gregos (sem nada de comum
com o novo homem, “espectador estético,” com quem sonha o filósofo alemão), mas
com um autêntico sentido de dignidade, consubstanciada na procura da material
espiritualidade que a luta pela terra, a casa e o pão representam. Simples
seres humanos carentes dos benefícios da civilização, mas que lá, onde os Lobos Uivam não conseguirão
sobreviver sem a conservação do ambiente (sublime) das montanhas agrestes,
lugar onde a alma serrana se une ao espírito universal.[6]
Abordemos então o conceito de “ecologia da paisagem”, seguindo a
própria cronologia dos autores em estudo, sem deixar de revelar o lado
estético, metafísico, da sua representação da natureza e do ambiente. Recordemos
O Sentimento dum Ocidental, dedicado
por Cesário Verde a Guerra Junqueiro, que começa com as Aves-marias, que evocam
o sofrimento e a dor humanos, num ambiente de “De prédios sepulcrais , com
dimensões de montes “…e o desejo absurdo de sofrer”. (Verde, 1873:111) Óscar Lopes evidencia o carácter transfigurador das
metáforas usadas pelo poeta, intersecionando vários planos narrativos e
relativizando o tempo, como o fariam depois Pessoa e os modernistas em geral. O
desejo “...de uma plenitude que incluísse todos os sujeitos e todos os objetos
possíveis de saber e de sentir”, base da criação artística que Walt Whitman
legou aos poetas do século XX e ao futurismo do nosso Álvaro Campos.
(Lopes, : 471)
Mas é sobretudo a
dimensão critica dos primeiros sinais de globalização do mercado mundial e a
perceção da metamorfose urbana e burguesa da cidade, à custa da mercantilização
da natureza e da condição humana, que nos importa avaliar em Cesário,
reconhecendo que soube transpor o terreno do naturalismo, positivista e
evolucionista, e atingir com invulgar espírito de vanguarda os temas e
inquietações que atravessam o Modernismo e o pós-Modernismo. Se a escrita do poeta
nos surge como intemporal e suscetível de ser reinserida no nosso próprio
tempo, deve-o seguramente ao ambiente e preocupações humanistas que transporta
como matriz e se traduzem na expressão política e poética da sua solidariedade
para com os pequenos lavradores e os proletários das cidades: “É a fase em que
ele acaba de descobrir a cidade de Lisboa, no seu tempo, para além da
poetisação da cidade moderna por Baudelaire; e em que, correlativa e
simultaneamente, descobre também a poesia de uma vida rural sem idealismo,
dura, prática, dir-se-ia até que irremissivelmente prosaica (ou “corna”, como
ele diz em calão num verso)”. (Lopes, 1987: 471)
É ainda Óscar Lopes
quem situa o período de maturidade do poeta a partir do poema. Em Petiz. Versos de surpreendente atualidade que testemunham a perda de valor
relativo do Capital-Terra e a sua visão realista da vida rural.”Que inferno! Em
vão o lavrador rasteiro/E a filharada lidam, e a mulher! . .. Ah! O campo não é
um passatempo/Com bucolismos, rouxinóis, luar”. (Verde, 1873:113).
Em Cesário,
acontece a redescoberta do campo como refúgio salvador da cidade insalubre.E o que parece mais notável, no
contraste a que submete, relativizando-os, os valores das produções industriais
da Inglaterra face aos produtos agrícolas portugueses, é a descoberta de um
valor intrínseco, a que a ecologia chama hoje conservação da biodiversidade,
que a seleção genética artificial e a produção industrial têm vindo a destruir.
Eis como, de forma
premonitória, se expressam os valores científicos da “ecologia da paisagem”,
que as Ciências do Ambiente defendem, na atualidade, como base da conservação
da espécie humana e garantia da sua sobrevivência futura_ uma humanidade
consciente da sua dependência da terra e da necessidade de conservação da mais
ampla diversidade biológica.
Neste contexto, de valoração das bênçãos da terra (e do esforço do
homem como construtor da paisagem), da função criadora da natureza mãe, a
exaltação do modo de vida “sustentável” da aldeia não surge como apelo atávico
e passadista, mas configura-se como surpreendentemente moderno.
É verdade que parecemos longe da utilidade deste conceito para montar
as Cadeias de Valor da economia do turismo, mas estamos perto de conhecer o
conceito de “gosto”, que, para além do de “motivação”, constitui a chave que
permite organizar a oferta de um destino turístico, orientado para o seu
principal público-alvo, a classe média, com todos os seus segmentos. O “gosto”,
que comporta valores estéticos e éticos.
O primeiro protesto
deste século vem do próprio Eça de Queirós e da sua obra A
Cidade e as Serras (1901).
A Cidade e
as Serras, de Eça de
Queiroz, dá-nos o testemunho dos malefícios da civilização, representada pelas
grandes metrópoles, onde o consumismo excessivo conduz ao tédio, depois ao
pessimismo e ao vazio existencial . Só o regresso à Natureza, que a paisagem
humanizada do Douro e as serras simbolizam, pode fazer renascer a natureza
humana que existe em Jacinto, como uma segunda pele liberta dos artifícios da
vida urbana.
A cidade representa, tradicionalmente, a passagem da natureza à
cultura. Mas a cultura da cidade começara a ser entendida como artificial,
responsável por uma desnaturalização do homem.
1.3 Terceiro axioma: Um novo quadro concetual para o estudo do
trinómio Literatura-Ambiente-Turismo Ambiental
A ecologia e
a metafísica da paisagem são conceitos operativos da hermenêutica e do discurso
da Filosofia da Natureza e do Ambiente aplicada à conceptualização do corpus científico dos estudos de Turismo e do novo
Paradigma Turístico
Para melhor
explicar a validade hermenêutica e a competência operativa destes conceitos,
que constituem uma única e global perspectiva filosófica, recorramos agora à Geografia e ao Paisagismo, reafirmando que aquela
ciência, é talvez aquela que, na sua metodologia de trabalho científico mais
próxima fica das «Ciências do Turismo», por ora ainda entre comas.
É aqui que diremos que a
essência da metodologia do trabalho científico de informação e guionamento
turísticos consiste em «descrever e interpretar» a Terra e os homens que vivem
no seu seio, de forma acessível aos diferentes segmentos de público. A aqui se
cruza com o texto literário.
Epistemologia, isto é saber que deriva da experiência,
Gnoseologia, que parte das ideias e não dos factos, Teoria do conhecimento, em
que a própria realidade pode ser posta em causa. No fundo a famosa «questão dos
universais» ou relação entre o particular e o geral, que perpassa na filosofia
cristã medieval e nunca será provavelmente resolvida. Como Humboldt, Goethe ou
Einstein creio firmemente na «harmonia interna do nosso mundo», lógico como
condição da inteligibilidade; com Jacques Monod «no postulado de base do método
científico: a saber que a natureza é objetiva e não projetiva». Sem ignorar
que, por trás das claridades que a razão faz resplandecer, permanece o mistério que o pensamento filosófico
pretende penetrar de maneiras por vezes contraditórias. Contemporâneos de
Newton, que coroa um século de investigação sobre a estrutura do Universo
inteligível, são o realismo de Locke: «Nihil est in intelectu quod prius non
fuerit in sensu» em perfeita concordância com o desenvolvimento científico da
época; e o idealismo de Berkeley; «não sendo sujeito cognoscente nem objeto
cognoscível não pode atribuir-se à matéria nenhuma espécie de existência»; ele
move-se, como em Schopenhauer, em O Mundo Como Vontade e Representação _título
expressivo de uma ideia que nenhum cientista (recorde-se a frase de Monod
citada acima) pode aceitar. (Ribeiro, 1980:200/201)
A Ecologia da Paisagem e a Metafísica da Paisagem
Importa assinalar que, em nossa
opinião, o conceito de ambiente se constitui e adquire uma conotação “moderna”
quando deixa de significar apenas conservação da natureza e oposição da cidade
ao mundo rural.
Ele incorpora, progressivamente,
uma dimensão científica plural, não só aquela que lhe empresta a Ecologia
tradicional, enquanto ciência da relação dos seres com o meio, mas também um
vasto leque de outros domínios científicos, a Geografia e a História quando
estudam a humanização dos grandes quadros naturais, a Biologia que revela a
importância da diversidade dos seres vivos, a Geologia que nos conduz ao
reconhecimento das condições paleoambientais geradoras dos ciclos de extinção e
expansão da biodiversidade, a Matemática quando cria modelos de avaliação e
gestão dos sistemas ecológicos, a Física e a Química que intervêm na análise
dos fenómenos de poluição e mudança climática…ao mesmo tempo que remete para a
necessidade de avaliar o nosso modo de crescimento nos planos da ética e da moral.
Esta nova visão ambiental da paisagem, pluri e interdisciplinar, que é,
simultaneamente, um instrumento operativo da sua hermenêutica e uma categoria
do domínio da Filosofia da Natureza, designamo-la por: -Ecologia da paisagem (humanizada). Ela compreende, na nossa
definição, uma visão estrutural e sistémica que engloba os grandes quadros
naturais, caracterizados e diferenciados, seja pelos diversos
domínios da ciência – que vão das ciências do ambiente às ciências exatas; seja
pela presença transformadora do homem no seu esforço de agricultor, pastor e
arquiteto da paisagem. E daí, também, o concurso das ciências históricas e
humanidades. Recordemos, a propósito a
reflexão de Francisco Caldeira Cabral sobre a paisagem humanizada, no âmbito da
definição do objetivo e da missão da arquitetura paisagista:
[…]o seu objeto próprio é a paisagem humanizada, isto é, aquela
que o homem modelou para satisfação das suas necessidades primárias. Quer isto
dizer que a sua ação tem por fim o homem em toda a sua complexidade material e
espiritual, para o qual procura encontrar a satisfação dos fins materiais, mas
sem esquecer nunca os aspetos de ordem, de beleza e equilíbrio. Procura
realizar uma síntese das aspirações humanas neste mundo, e por isso é uma arte,
uma das belas artes. (Cabral, 1993:46)
Mais adiante, prossegue Caldeira
Cabral: "Nos países da Velha Europa nada resta da natureza intacta…Aqui a intervenção do arquiteto paisagista, que
defendendo a natureza defende o homem, é não só necessária mas imperativa."
(Cabral, 1993:46) Após o que desenvolve as suas metodologias de cooperação e
trabalho, pluridisciplinares e interdisciplinares, associando arte, ciência e
técnica, operários e lavradores, a ecologia e a biologia com as ciências
físico-matemáticas, a história e a estética, enfim, citando S.Tomás, «uma arte
que coopera com a natureza».
Mas a interpretação da paisagem, na ótica da Filosofia da Natureza e do
Ambiente, ficaria incompleta sem o recurso a um outro elemento categorial, que
definimos como:- Metafísica da paisagem, que é do
domínio da “espiritualidade”, da “alma” das coisas, dos sentimento estéticos da
“beleza” e do “belo” ou do “sublime”, do “trágico”, do dramático”, do
“maravilhoso”…A metafísica da paisagem permite-nos, enfim, efetuar
também a passagem da descrição e interpretação científicas para o o texto
poético e literário e para as artes plásticas, em particular a pintura.[7]
O turismo
tem sido estudado como uma atividade económica, a partir dos seus produtos e
das suas empresas. Mas recoloquemos a questão essencial: porque viajam as pessoas e para quê? Consideremos
a matriz criada pela OMT_ Organização Mundial do Turismo, a partir de um modelo
conceptual que assenta nos serviços e produtos oferecidos pelo mercado e no que
parece ser a motivação e finalidade dos diversos segmentos turísticos, composto
pelas categorias e atividades seguintes:
Table I. List of categories of tourism characteristic
consumption products and tourism characteristic activities
List of
categories of tourism characteristic consumption products and tourism
characteristic activities
Products
Activities
1. Accommodation
services for visitors 1.
Accommodation for visitors
2. Food and beverage
serving services 2. Food
and beverage serving activities
3. Railway passenger
transport services 3.
Railway passenger transport
4. Road passenger
transport services 4.
Road passenger transport
5. Water passenger
transport services 5.
Water passenger transport
6. Air passenger
transport services
6. Air passenger transport
7. Transport
equipment rental service
7. Transport equipment rental
8. Travel agencies
and other
8. Travel agencies and other reservation
services
activities
9. Cultural services
9. Cultural activities
10. Sports and
recreational services
10. Sports and recreational activities
11. Country-specific
tourism 11.
Retail trade of country-specific tourism characteristic services goods
12.
Country-specific tourism 12.
Country-specific tourism
characteristic services
characteristic activities
Source: 2008 Tourism Satellite Account: Recommended
Methodological Framework (TSA: RMF 2008)
Esta conceptualização, se adequada para distinguir entre si os serviços turísticos, não permite no entanto separar os produtos que são especificamente turísticos dos que são serviços prestados à sociedade em geral, seja nos transportes ou na oferta cultural, como exemplos. [8]
Mas
sobretudo, tão pouco engloba todas as categorias de produtos e atividades que
configuram a oferta e a procura turística contemporâneas_ os diversos Tipos de
Turismo. Como seja, além do Turismo Cultural, o Turismo de Natureza ( ou
ecológico), o Turismo em Espaço Rural, o Turismo de Idioma, o Turismo
Itinerante, o Turismo Residencial de Longa Duração, o Turismo de Mar e de Rio,
o Turismo Escolar e Científico, o Turismo Desportivo e de Desporto, o Turismo
de jogo e diversão.
Propomos
esta distinção e categorização tipológica com base em dois critérios: As suas
diferentes estruturas orgânicas. A diferenciação dos seus produtos. Podemos
identificar e caracterizar doze tipos de turismo, diferenciados concetualmente
pelas estruturas que organizam a oferta e pelo produto que oferecem, nelas
incluindo as dimensões física e metafísica, material e imaterial dos seus
produtos turísticos específicos. Enunciemos esses doze tipos de turismo, enfatizando
as suas estruturas orgânicas diferenciadoras:
- O
Turismo Cultural, cujas estruturas orgânicas são os museus, monumentos e
sítios históricos e arqueológicos, galerias de arte, nomeadamente os que
são Património da Humanidade, festas e celebrações, com todo o seu
património material e imaterial.
Os seus
principais produtos são as coleções museológicas, oferecidas sob a forma de
visitas às exposições permanentes e temporárias. Mas também todas as atividades
de animação que partem do seu património e espaço.
Integrando
nesta categoria o Turismo Religioso.
- O
Turismo de Natureza ou Ecológico, estruturado com a Rede de Parques e
Reservas Naturais, Sítios Paleontológicos e Geoparques, e os Centros de
Interpretação da Natureza, alguns dos quais também recebem o estatuto de
Património da Humanidade, enquadrado pelos grandes quadros paisagísticos.
São seus
produtos os percursos de descoberta, observação e interpretação da
biodiversidade e da geodiversidade, mas também de usufruto da paisagem
cultural, que integra categorias
estéticas e para-estéticas.
Nesta
categoria se insere o Turismo de Saúde, assente na oferta termal, mas também
nos prazeres da água, alimentação funcional, passeios e itinerários/percursos
oferecidos pelos circuitos.
E nela se
articulam ainda os Desportos de Natureza.
- O
Turismo (em Espaço) Rural, organizado a partir do alojamento em pleno
campo, em hotéis, casas e aldeamentos rurais, de descoberta das paisagens
humanizadas (culturais) e dos ciclos de trabalho, associado ao turismo
ativo entendido como um conjunto de atividades físicas (caminhada, marcha,
passeios a cavalo ou de burrico…),
ao turismo cinegético e à pesca amadora: com elementos comuns ao
turismo de saúde, tais são as atividades de ar livre e a alimentação
tradicional (funcional).
Nesta
categoria inserimos o turismo de golfe, como um segmento específico que ocorre
no quadro de uma paisagem humanizada e adaptada a um dos desportos de ar livre.
- O
Turismo de idioma, promovido sobretudo pelas universidades e institutos do
ensino superior, dirigido à promoção do conhecimento da língua e da
cultura entre os estrangeiros.
- O
Turismo de Congressos e Negócios. Que necessita de uma rede de centros de
congressos e recintos de feiras.
- O
Turismo Gastronómico e Enológico, organizado a partir dos estabelecimentos
de restauração e adegas, com relevo particular para a valorização do
vinho, dos enchidos, dos queijos e das receitas gastronómicas, com valor
de ícones.
- O
Turismo de mar e de rio, que inclui portos e marinas, praias fluviais e
albufeiras, com as suas atividades de lazer e os seus desportos
característicos.
- O
Turismo Residencial de longa duração, assente na compra de habitação
própria, que se expande do litoral para o interior e aproveita as ofertas
do turismo cultural e de natureza, do turismo gastronómico e enológico…
- O
Turismo Itinerante, que corresponde ao emergir de uma nova classe de
utilizadores das modernas autocaravanas, viajando individualmente ou em
grupo, que procura os produtos do
turismo cultural e de natureza, embora necessite igualmente de um novo
tipo de parques para autocaravanas, capaz de reabastecer, reciclar,
fornecer informação qualificada e mesmo de oferta de alojamento
suplementar.
- O
Turismo escolar e científico, partindo das escolas, universidades centros
de investigação e associações, que corresponde aos modelos das visitas de
estudo ou dos passeios intercalares ou de finalistas, que se prolongam
para além de uma jornada, mas também a percursos ou a expedições de
carácter e objetivos marcadamente científicos e culturais, ampliado pela
oferta dos museus (e centros de ciência) de 2º e 3ª geração, parques da
ciência e da técnica e pela musealização da arqueologia industrial.
- O
Turismo desportivo e de desporto, servido pela rede multifacetada dos
desportos modernos, entendendo o primeiro como o que se refere à deslocação
dos atletas profissionais e amadores e das suas equipas e o segundo
relativo aos adeptos e espectadores.
- O
Turismo de jogo e diversão, organizado a partir dos casinos e dos parques
temáticos, com a sua animação própria.
A
concetualização formal do turismo tem-se desenvolvido através da aquisição de
vocábulos de outras áreas, processo que é comum aos diversos domínios
científicos e à sua dinâmica interdisciplinar, mas, e no caso vertente, de uma
forma pragmática, sem um debate unificador e crítico de muitos dos conceitos
mais vulgarizados. Ora, toda a construção concetual, em ciência, necessita de
obedecer ao imperativo da unidade interna dos seus critérios unificadores e
diferenciadores, sob pena de confusão, sobreposição, perda de coerência e
disfuncionalidade. Esses critérios, que
nos permitiram caracterizar doze tipos de turismo, são para nós as diversas
estruturas que organizam a oferta e o correspondente produto diferenciador.
2. O conceito de gosto e de representação artística
A paisagem
cultural, rural e urbana, na sua complexidade, começou a ser lida como um
produto turístico graças ao surgimento e difusão do paisagismo, na sua dimensão
científica, estética e ética, e à organização da visita à paisagem em Rotas e
Circuitos, difundindo o gosto pela sua procura em todas as classes sociais.
Mas a
questão do gosto está ligada intrinsecamente ao problema dos valores e
portanto, à ética e à moral social e à estética. A difusão dos valores da Ética
Ambiental e da sua Filosofia da Natureza e do Ambiente provocou igualmente uma
alteração substancial no conceito de qualidade do produto turístico, que agora
se qualifica quando tem um certificado ambiental, não apenas no âmbito da
produção mas sobretudo na sua dimensão imaterial. Em paralelo, assistiu-se à
valorização do património cultural, erudito e popular desde a Carta de Atenas
(1932), até ao processo de classificação pela UNESCO dos sítios, monumentos e
paisagens, como património da humanidade O turismo cultural e o turismo de natureza
interpenetraram-se num conceito único, o turismo ambiental, que tende a
predominar no gosto da classe média, integrando o património material e
imaterial. E fez nascer o Código Mundial de Ética do Turismo.[9] O discurso do
turismo ambiental, que relaciona cultura e natureza e lê e interpreta a
paisagem, gera um texto singular, que desvela e recria, no sentido
heideggeriano o produto turístico,
afastando-se, ao mesmo tempo, do hermetismo do discurso científico e do
comentário banal. Ele funda uma nova
realidade comunicativa, baseada na ciência, mas também na estética e na ética,
e ao fazê-lo gera um produto com mais-valia turística. Podemos demonstrá-lo com um simples exemplo,
através da observação da panorâmica anexa integrada no Roteiro do Turismo de Natureza e Cultural da Serra da Estrela. A
legenda corresponde à adição do contributo da história, geologia e
geomorfologia à observação comum.
Fonte: Roteiro do Turismo de Natureza e Cultural da Serra da Estrela
Mas falta-lhe ainda uma dimensão estética e ética. É aqui que a poética literária desempenha um papel decisivo, já que comporta em si mesmo estes valores. Exemplifiquemos com Aquilino Ribeiro, com o tema da floresta representado literariamente.
A génese da floresta surge - nos, no início de A Grande Casa de Romarigães, como esplendor do nacimento da vida e
fundamento ecológico do sortilégio da sua diversidade:
Do pinhão, que um pé de vento arrancou
ao dormitório da pinha-mãe, e da bolota, que a ave deixou cair no solo, repetido o ato
mil vezes , gerou-se a floresta. Acudiram os pássaros, os insetos, os roedores
de toda a ordem a povoá-la. No seu solo abrigado e gordo nasceram as ervas,
cuja semente bóia nos céus ou espera à tez dos pousios a vez de germinar. De
permeio desabrocharam cardos, que são a flor da amargura, e a abrótea, a
diabelha, o esfondílio, flores humildes, por isso mesmo trofeus de vitória.
Vieram os lobos, os javalis, os zagais com os gados, a infinita criação
rusticana…(Ribeiro,1957:285 )
3. Conclusões
No pressuposto de que os leitores deste artigo estarão
familiarizados com o quadro de evolução do mercado turístico, não
sobrecarregámos o texto com os dados da economia do património, da procura dos
novos produtos do turismo cultural e de natureza, que atingiram a dimensão do
“turismo de massas” ou com o debate acerca do emergir de um novo paradigma, a
que chamámos turismo ambiental, tão pouco com uma ainda mais complexa análise
dos princípios da Filosofia do Ambiente e das suas Éticas, que reposicionaram o
ser humano na natureza sem nenhum estatuto de domínio e privilégio, no quadro
de uma crise ambiental que se tornou global durante o século XX. [1]
A transformação do conceito de natureza em conceito de ambiente no
pensamento filosófico e o emergir de um vasto corpo literário que lhe foi premonitório,
conjugaram-se para permitir a leitura plena e o usufruto das paisagens
culturais, com o seu património material e imaterial, e delas extrair novos
produtos turísticos, ajustando a mudança de “gosto” da classe média à oferta
produzida pelas Cadeias de Valor da Economia do Turismo, processo que carece
ainda de uma maior esforço de síntese teórica e investigação aplicada, como é
caso da construção de uma linguagem específica de comunicação turística, de uso
múltiplo.
Neste contexto, procurámos elaborar um quadro concetual das
relações entre Literatura e Turismo, que possa ser experimentalmente verificado
enquanto categoria hermenêutica e utilizado na heurística de investigação das
suas inter-relações. Nele inscrevemos quatro axiomas:
Primeiro
axioma: a literatura é um recurso e uma instância mediadora do turismo
ambiental.
Segundo
axioma: a literatura contém tesouros inexplorados e é fonte de conhecimento
premonitório da mudança de paradigma para o turismo ambiental.
Terceiro
axioma, corolário do axioma anterior: está aberto um caminho de pesquisa e
investigação que permite tornar visíveis as pistas que conduzem à revelação dos contributos dos escritores para a génese da moderna consciência
ambientalista, e, por extensão, do turismo ambiental e à redescoberta das suas
obras nesta perspectiva: tais são os valores morais e do gosto social que estão associados ao
surgimento do novo paradigma turístico.
Quarto
axioma: a produção literatura portuguesa, premonitória na questão ambiental, na
sua singularidade humanista e ambiental, deve ser lida como obra aberta à
plurissignificação e à participação do leitor,
constituindo um referencial mais
de signos do que de matéria naturalmente configurada, e é nesses signos que
devemos procurar o fio condutor do turismo ambiental.
Fig.4. O paradigma do Turismo Ambiental.
[1]
Sobretudo para estes leitores anexámos a Fig.2,
que representa o novo paradigma do turismo ambiental, na sua estrutura e
dialética de relações.
[1]
O nosso trabalho de investigação deu origem à
dissertação de Mestrado em Filosofia da Natureza e do Ambiente, A contribuição dos poetas e prosadores
portugueses para a génese da moderna consciência ambientalista.
Universidade de Lisboa, 2000. E à Tese de Doutoramento em Filosofia, A Representação da Natureza e do Ambiente na
Cultura Artística e Científica da Geração de 70, Universidade de Lisboa,
2006.. Nelas se podem encontrar centenas de entradas para os escritores e
poetas portugueses dos séculos XIX e XX. Alguns extratos desses trabalhos foram
adaptados ao presente artigo.
[2] Padre António
Vieira, Sermão de Santo António aos Peixes: ”Mas, para que conheçais onde
chega a vossa crueldade, considerais peixes, que também os homens se comem
vivos, assim como vós. Citado por Ramalho Ortigão, in O Mar, in As
Praias de Portugal-Guia do Banhista e do Viajante, pág. 34.
[3] A influência do
fisiocratismo, de Adam Smith na Inglaterra a Thomas Jefferson nos EUA, do seu
ideário económico, político e filosófico, é notória no pensamento da época e
também na reflexão dos nossos liberais oitocentistas. Veja-se, sobre o tema, a
obra de Viriato Soromenho Marques, Regressar
à Terra, particularmente a síntese do pensamento político de Jefferson, no
que respeita à propriedade da terra, pág. 189.
[4]. “É esta uma ideia
predileta dos liberais de l833, Herculano à cabeça. Acreditava-se que a única
riqueza provém da terra fecundada pelo trabalho e receitava-se como remédio
para a penúria nacional, o arroteamento dos baldios, o melhoramento dos
processos de lavoura e o desenvolvimento das indústrias dependentes da
agricultura. ”A. José Saraiva, Para a
História da Cultura em Portugal, Vol. II, parte II, pág. 67.
[5]
De ora em diante utilizaremos apenas o conceito
de “paisagem”, entendido como quadro natural humanizado pelo esforço (o
trabalho) humano, isto é, “paisagem cultural”.
[6]
Ver as obras de Aquilino Ribeiro: Andam Faunos Pelos Bosques, Via Sinuosa,
Terras do Demo, Volfrâmio e Uma Luz
ao Longe e a nossa análise do romance Quando
os Lobos Uivam, págs. 52 e 53 da dissertação de Mestrado.
[7]
Faça-se, por exemplo, o cotejo da Nave de Pedra de Fernando Namora, com o
seu quadro sobre o mesmo tema ( Monsanto).
[8] Consultar:
Queirós, A. (2013). Critical
Contribution to XXI Century Tourism Satellite Account and the Iberian market
evolution”. La Economía en la Sociedad del
(des)Conocimiento. Págs. 263-264 e 1021 a 1041. Coordinador José Maria Moreno Jiménez.
Asociación Internacional de Economía Aplicada. ASEPELT. Universidad Zaragoça. ISSN: 2174-3088
[9]
Queirós, A. (2012). Ética e Turismo. Journal of Tourism and Development
[Revista Turismo & Desenvolvimento], n.º 17/18 – Volume 2. ISSN: 1645-9261
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