Filosofia do Ambiente e Literatura e o novo paradigma turístico


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Filosofia do Ambiente e Literatura e o novo paradigma turístico  PDF


Resumo
Ao investigarmos a natureza específica das relações entre Literatura e Turismo seremos conduzidos a estudar como hoje se constitui e se reproduz essa relação, no quadro da ascensão do turismo ambiental, analisando o processo histórico de evolução do conceito de natureza para o conceito de ambiente, que decorre nos séculos XIX e XX, e, por extensão, o ascenso do turismo ambiental,  tal como a contribuição premonitória da Literatura para esse novo paradigma.
Partiremos da definição geral de paradigma como uma matriz disciplinar, uma constelação de crenças, valores e técnicas partilhadas pela comunidade, para discutir as suas condições de estabilidade e mudança no quadro da fenomenologia do turismo, procurando contribuir para a convergência de diversas metodologias de investigação, e para um consenso concetual que ainda não existe.
Palavras-chave: paradigma; paisagem; gosto; Literatura; Turismo Ambiental

Environmental philosophy and literature and the new paradigm of tourism
Abstract
Leaving from the general definition of paradigm as a "disciplinary matrix", a constellation of beliefs, values and techniques shared by the community, we wants to discuss their conditions of stability and change in the framework of the phenomenology of tourism, seeking to contribute to the convergence of several research methodologies, and built a conceptual consensus that does not exist
Looking to the process of historical evolution from the concept of nature to the concept of environment, and, by extension, the rise of environmental tourism, we want researching    the premonitory literature's contribution to the new paradigm
Key words: paradigm; landscape; taste; Literature; Environmental Tourism

1.     O conceito de paradigma e a conceptualização do turismo como objeto científico

A definição geral de paradigma inclui uma “matriz disciplinar”, uma constelação de crenças, valores e técnicas partilhadas pela comunidade (Kuhn, 1962). Isso só acontece quando, no quadro de estudo dum quadro fenomenológico, se podem observar múltiplos e inesperados acontecimentos e quando emerge um paradigma rival. Isso não acontece rapidamente. O paradigma mantém-se estável enquanto é capaz de aumentar a precisão da concordância entre observações e cálculos; quando pode ser ampliada a sua abrangência de modo a cobrir novos fenómenos; é suscetível de determinar os valores de constantes universais; permite formular leis quantitativas que aumentam a articulação do paradigma; e permita criar novos processos para aplicação em novas áreas.
No nosso programa de investigação recorremos a duas metodologias, duas estratégias, preconizadas por Lakatos, uma heurística negativa, em que o programa de pesquisa isola um “núcleo duro” de preposições que não estão expostas a falsificações e uma heurística positiva, que é uma estratégia de teorização progressiva que permita obviar “os pontos fracos” que surjam em qualquer etapa do percurso investigativo.
Mas o reconhecimento da existência de dois paradigmas em competição implica que os investigadores utilizem o mesmo quadro conceptual, o que, no domínio do turismo, não é fácil, por causa da proliferação e diversidade de inúmeros conceitos sobre a atividade turística. Torna-se assim imperativo tornar mais universal a linguagem académica e científica do turismo, construir o máximo consenso e rigor conceptual no estudo fenomenológico do turismo. Adotamos aqui o quadro conceptual proposto no ensaio Turismo Cultural e Economia do Património:
Toda a teoria científica tem como suporte um conjunto de axiomas. A metodologia do trabalho científico consiste no desenvolvimento desses axiomas para deles retirar consequências “físicas”, isto é, no caso do turismo, para analisar a sua fenomenologia. Tal significa, no estudo da evolução prática da atividade turística, explicar e prever os seus resultados, através da prática da observação dos seus fenómenos ou da experimentação dos seus processos.
Para que a concetualização formal do turismo se conforme com a construção de uma hermenêutica científica, ela deve ser capaz de estabelecer uma relação dialógica entre a observação e os conceitos matemáticos (em sentido amplo) e esforçar-se por identificar os fenómenos que correspondem aos conceitos abstratos elaborados pela investigação na área do turismo. (Queirós, 2014:108)
Mas para que a equação a investigar fique completa é preciso identificar o conjunto de interseção entre o corpus do turismo e o corpus literário.
No campo da Literatura, partimos do conjunto de axiomas que elaborámos para desenvolver o trabalho de dissertação de mestrado sobre Literatura e Ambiente e, posteriormente, de doutoramento e que a investigação confirmou e enriqueceu:
Primeiro axioma: a literatura é um recurso e uma instância mediadora do turismo ambiental ( turismo cultural e  turismo de natureza), que constitui o novo paradigma em ascensão no mercado do turismo.
Segundo axioma: Por natureza, os escritores e poetas, os artistas em geral, são dotados de um grande apego à liberdade de pensamento e a sua sensibilidade recolhe os mais profundos apelos da terra e do homem. A sua consciência universalista leva-os a valorizar toda a cultura humana, desde as mais belas obras das civilizações clássicas, até aos signos misteriosos dos primeiros pintores, das catedrais góticas à revelação do planeta azul.
Por estas razões, intuem, pressagiam e dão testemunho antecipado dos problemas e perspetivas que a consciência coletivas de uma época ignora ou marginaliza como incómodas utopias ou inquietantes denúncias.
Assim aconteceu com o emergir da questão ambiental, ainda no século XIX e, por extensão, com o turismo ambiental
Terceiro axioma: Como corolário do axioma anterior, está aberto um caminho de pesquisa e investigação que permite tornar visíveis as pistas que conduzem  à revelação dos contributos dos escritores portugueses para a génese da moderna consciência ambientalista, e, por extensão, do turismo ambiental e à redescoberta das suas obras nesta perspectiva, os quais, celebrados embora na sua dimensão artística, permanecem na sombra enquanto mentores dessa outra consciência ambiental, dos valores morais  e do gosto social que está associado ao surgimento do novo paradigma turístico.
Quarto axioma: A Nova Literatura, a que se refere Eduardo Lourenço, “[…] cujo grande tema é a desmontagem e a contestação ao nível mais radical, o da linguagem mesmo_ do que a literatura foi ou quis ser”.  […] E tema central (e obsessão quase única do Ocidente na poesia e no romance) do amor, ou, mais genericamente, da relação erótica…”  Surge em Portugal com uma singularidade, a que chama admirável anacronismo, alimentando-se […] da nossa realidade mais visível […] incomum no contexto das literaturas contemporâneas.” (Lourenço, 1994:259/263)
Nos seus textos, a literatura é obra aberta à plurissignificação e à participação do leitor, mas já não conforme a imitação da natureza ou o neorrealismo, o implícito é adequadamente expresso, quantas vezes “Para (não) dizer o contrário” (Lepecki, 1988:186/187), constituindo  um referencial mais de signos do que de matéria naturalmente configurada, e é nesses signos que vamos procurar o fio condutor ambiental e do turismo ambiental.
Para elucidar melhor esta questão, que é chave para este trabalho de interpretação, introduzimos aqui um longo parêntese reflexivo acerca da dialética da função simbólica, que implica
[…] dois movimentos aparentemente contraditórios sobre a experiência do sentido, ou seja, … uma estrutura transcendental do sentido  e  o poder operativo e transfigurador da experiência. […] o mundo da ficção distancia-se do mundo da  experiência (situação), só que essa distanciação vai permitir uma nova redescrição e transfiguração da experiência. Ora, só podemos ampliar o horizonte da nossa perceção elevando-nos a um ponto mais elevado que nos permita circunscrever o espaço em que estávamos imersos. É esse, a nosso ver, o sentido eminente das grandes criações literárias da humanidade. Oferecem-nos perspetivas novas nas quais podemos observar e transformar a experiência. (Correia, 1994:149)
É óbvio que neste texto a dimensão da pesquisa se deve confinar quer à natureza quer aos limites de um artigo. Pelo que o autor optou por circunscrever o número de axiomas  a quatro.[1]
Introdução metodológica
Com o fim de fazermos incidir a nossa análise no conceito de “turismo ambiental”, iremos perseguir, ao longo das obras literárias selecionadas dos escritores portugueses do século XX, o percurso diacrónico da experiência estética da natureza, que emerge, no dealbar de mil e novecentos, como cosmovisão conservacionista e, progressivamente, se transforma em mundovisão ambiental; finalmente, conceptualizaremos a categoria do ambiente enquanto natureza e cultura, e o homem como elemento da natureza, na peculiar visão aquiliniana para quem “…a natureza, não tem simpatias especiais para nenhum dos seus seres”. (Ribeiro, 1924:171)
A obra dos nossos prosadores, que tomaram particularmente o homem do campo como matéria literária, de Miguel Torga a Ferreira de Castro, Aquilino Ribeiro, Raul Brandão, etc., dá-nos da condição humana uma dimensão, que poderíamos qualificar de lorenziana, por alusão ao notável cientista austríaco, o qual, com suprema ironia, escreveu:“…o elo entre o animal e o homem verdadeiramente humano somos nós“. (Lorenz, 1973:239)
Ecce Homo, pomba com bico de corvo,“…criatura inofensiva e omnívora que não possui arma (natural) para matar grandes presas e, por conseguinte, é desprovida dessas rábulas de segurança que impedem os carnívoros «profissionais» de matar os seus colegas da mesma espécie…”, dotado de uma herança animal de instintos, anterior ao pensamento racional. (Lorenz, 1973 :239)
Na verdade, as necessidades instintivas do ser humano, hoje confinado ao espaço labiríntico, concentracionário e ameaçador, da grande urbe, fazem nascer novos e gravíssimos problemas que afetam o equilíbrio e a harmonia do indivíduo humano nas suas relações com o seu habitat natural. Estes problemas têm a sua expressão na temática, na estilística e na poética dos autores contemporâneos. Evidenciaremos, ao longo desta recensão crítica, alguns dos textos científicos internacionais que marcam a evolução do pensamento ambientalista para os cotejar com a obra dos escritores portugueses.
E como estabelecer os contornos do conceito de ambiente, distinguindo-o de natureza, apreender a sua evolução histórica e o seu significado multicultural?
Mas foram os filósofos, os cientistas e investigadores, os ativistas sociais, a iluminar o caminho para a consciência ambiental?
A literatura atual poderá ser encarada como uma espécie de instância mediadora da Filosofia das Ciências e das Ciências do Ambiente em particular, da estética e da ética ambiental?
É a via dessa descoberta que vamos percorrer servindo-nos como instrumentos metodológicos das categorias conceptuais que denominámos “ecologia da paisagem” e “metafísica do ambiente”, adiante explicitadas, cruzando a metodologia da recensão crítica com o ensaio literário e filosófico.
1.1  Primeiro axioma: a literatura como recurso e instância mediadora do turismo ambiental
“… Uma verdade, quando aparece no mundo é por intermédio do poeta …” (Pascoaes, 1915:15)
Encontramos no séc. XIX e no ideário romântico do ruralismo a expressão, ideologicamente multifacetada, das primeiras críticas ao capitalismo ascendente e, na oposição do campo (natureza eterna e harmoniosa) à cidade (mutável e cosmopolita), o seu principal mitema.
 Pedro Calafate, na obra  A Ideia de Natureza no Século XVIII, assinala a existência de uma tradição secular na cultura portuguesa de reflexão filosófica e expressão artística valorativas da natureza, que define assim:
A tradicional oposição cidade/campo, que se vinha formulando desde o Renascimento, encontrara expressões bastante felizes na nossa literatura, nomeadamente em Sá de Miranda, sendo agora prolongada em novos contextos, pois que se intensificará, em alguns espíritos mais sensíveis, a fadiga existencial perante uma sociedade cada vez mais submetida ao império do artifício, da aparência, da inauticidade e da intriga…Se a cidade representa, tradicionalmente, a passagem da natureza à cultura, a cultura da cidade começara a ser entendida como responsável por uma desnaturalização do homem, por isso que o indivíduo se distanciava, progressivamente, dos seus ritmos vitais.” (Calafate, 1994:141)
Este ideário entronca numa tradição renascentista, mas não provém apenas da lírica, como é o caso mais conhecido de Sá de Miranda. Numa linha que retoma o sermonial seiscentista do Padre António Vieira, Ramalho Ortigão, nos seus escritos de divulgação da obra dos naturalistas, dirigidos em particular à reforma da mentalidade feminina, procura orientar a proverbial curiosidade da mulher para a descoberta da Ciência, invocando para isso a extraordinária biodiversidade do mar e serve-se da ilustração da vida das suas criaturas em paralelo com a condição humana, como o fizera o notável jesuíta em muitas das suas pregações. [2]
Já em finais do séc. anterior, a Marquesa de Alorna apelava, nas suas Recriações Botânicas, ao retorno à natureza. (Alorna, 1884:27) Esse regresso à terra pode representar, como em Alexandre  Herculano e Júlio Dinis, todo um programa liberal. [3] As Pupilas do Sr. Reitor  estão impregnadas de um otimismo «regenerador» e nos  Fidalgos da Casa Mourisca é a agricultura que permite reconstruir o solar aristocrático, mas num ambiente campestre já humanizado pela cultura burguesa _educação, saúde, e comunicações, conforme observa A. José Saraiva ou significar o apelo atávico ao passado em Camilo ou Castilho. (Saraiva, 1996: 67)[4] Pertence ao primeiro a metáfora que sugere a destruição do velho mundo rural e expressa, em simultâneo, a metamorfose urbana do novo regime, com um sentido sinestésico e repulsivo: “O progresso é barrigudo, não cabe em ruas estreitas.”
1.2 Segundo axioma: A contribuição premonitória da Literatura para a questão ambiental e para o turismo ambiental
Veremos como emergem, já nesta época, duas grandes linhas de interpretação do texto literário, quando no seu conteúdo emergem as paisagens urbanas e rurais, envolvidas num ambiente de fim de século:
-A ecologia da paisagem (humanizada), que Eça e Cesário intuem e valorizam.[5]
-A metafísica da paisagem (ou do ambiente), num novo século marcado pela desordem e a angústia urbanas, de Camilo Pessanha e Mário de Sá Carneiro, acompanhadas, em contraponto, pela exaltação da paisagem rural, como em António Nobre e, mais tarde, também pela magnificação do corpo, traço comum a praticamente todos os autores contemporâneos.
               A fruição da paisagem tem nos nossos escritores uma dupla dimensão definidora daqueles conceitos: aquela que compreende uma visão sistémica interdisciplinar de carácter científico, que engloba os grandes quadros naturais, caracterizados e diferenciados, seja pelos diversos domínios da ciência - que vão das ciências do ambiente às ciências exatas; seja pela presença transformadora do homem no seu esforço de agricultor, pastor e arquiteto da paisagem e daí também o concurso das ciências históricas e humanidades. Visão científica, da paisagem humanizada, mediatizada pela arte literária, ou seja, ecologia da paisagem.
               E outra de natureza metafísica, que é do domínio da “espiritualidade”, da “alma” das coisas, dos sentimentos estéticos da “beleza” e do “belo” ou do “sublime”… Usaremos os conceitos de metafísica da paisagem e turismo ambiental, porque embora se reconheça que ambiente e paisagem são conceitos distintos, já não há consenso científico acerca do seu conteúdo e significado e aqui interessa-nos apenas abordar a controvérsia na ótica da relação da paisagem com o turismo (ambiental).
               Vamos procurar demonstrar o valor operativo destes dois conceitos  a “ecologia da paisagem” e “a metafísica da paisagem” regressando à obra de Aquilino Ribeiro e depois no quadro do estudo de alguns textos de Cesário Verde e Eça de Queirós.
               Frederico Nietzsche considerava a arte como sendo“...a missão superior e a atividade propriamente metafísica desta vida ”. (Nietsche,1871:22). Julgamos que os princípios que presidem à sua conceção da “tragédia ática” irrompem na obra de Aquilino Ribeiro quando nos retracta a alma profunda dos seus concidadãos perdidos nas Terras do Demo, seres humanos reduzidos à dupla condição de sátiros (os faunos Aquilinianos) e anacoretas (condenados ao martírio), que afogam nos prazeres da carne e na bebedeira alcoólica ou mística o terror da existência, sonhando não com o Olimpo mas com uma vida sem míngua de sustento e paz, sem carência de terra para cultivar e, no entanto, capazes também de perseguir o sonho apolíneo (Volfrâmio, Uma Luz ao Longe), pelo qual atravessam oceanos, escavam montanhas, carregam o diabo às costas em busca do seu individual e libertário destino, longe do fausto e da nobreza dos gregos (sem nada de comum com o novo homem, “espectador estético,” com quem sonha o filósofo alemão), mas com um autêntico sentido de dignidade, consubstanciada na procura da material espiritualidade que a luta pela terra, a casa e o pão representam. Simples seres humanos carentes dos benefícios da civilização, mas que lá, onde os Lobos Uivam não conseguirão sobreviver sem a conservação do ambiente (sublime) das montanhas agrestes, lugar onde a alma serrana se une ao espírito universal.[6]
Abordemos então o conceito de “ecologia da paisagem”, seguindo a própria cronologia dos autores em estudo, sem deixar de revelar o lado estético, metafísico, da sua representação da natureza e do ambiente. Recordemos O Sentimento dum Ocidental, dedicado por Cesário Verde a Guerra Junqueiro, que começa com as Aves-marias, que evocam o sofrimento e a dor humanos, num ambiente de “De prédios sepulcrais , com dimensões de montes “…e o desejo absurdo de sofrer”. (Verde, 1873:111) Óscar Lopes evidencia o carácter transfigurador das metáforas usadas pelo poeta, intersecionando vários planos narrativos e relativizando o tempo, como o fariam depois Pessoa e os modernistas em geral. O desejo “...de uma plenitude que incluísse todos os sujeitos e todos os objetos possíveis de saber e de sentir”, base da criação artística que Walt Whitman legou aos poetas do século XX e ao futurismo do nosso Álvaro Campos. (Lopes,     : 471)
               Mas é sobretudo a dimensão critica dos primeiros sinais de globalização do mercado mundial e a perceção da metamorfose urbana e burguesa da cidade, à custa da mercantilização da natureza e da condição humana, que nos importa avaliar em Cesário, reconhecendo que soube transpor o terreno do naturalismo, positivista e evolucionista, e atingir com invulgar espírito de vanguarda os temas e inquietações que atravessam o Modernismo e o pós-Modernismo. Se a escrita do poeta nos surge como intemporal e suscetível de ser reinserida no nosso próprio tempo, deve-o seguramente ao ambiente e preocupações humanistas que transporta como matriz e se traduzem na expressão política e poética da sua solidariedade para com os pequenos lavradores e os proletários das cidades: “É a fase em que ele acaba de descobrir a cidade de Lisboa, no seu tempo, para além da poetisação da cidade moderna por Baudelaire; e em que, correlativa e simultaneamente, descobre também a poesia de uma vida rural sem idealismo, dura, prática, dir-se-ia até que irremissivelmente prosaica (ou “corna”, como ele diz em calão num verso)”. (Lopes, 1987: 471)
               É ainda Óscar Lopes quem situa o período de maturidade do poeta a partir do poema. Em Petiz. Versos de surpreendente atualidade que testemunham a perda de valor relativo do Capital-Terra e a sua visão realista da vida rural.”Que inferno! Em vão o lavrador rasteiro/E a filharada lidam, e a mulher! . .. Ah! O campo não é um passatempo/Com bucolismos, rouxinóis, luar”. (Verde, 1873:113).
               Em Cesário, acontece a redescoberta do campo como refúgio salvador da cidade insalubre.E o que parece mais notável, no contraste a que submete, relativizando-os, os valores das produções industriais da Inglaterra face aos produtos agrícolas portugueses, é a descoberta de um valor intrínseco, a que a ecologia chama hoje conservação da biodiversidade, que a seleção genética artificial e a produção industrial têm vindo a destruir.
         Eis como, de forma premonitória, se expressam os valores científicos da “ecologia da paisagem”, que as Ciências do Ambiente defendem, na atualidade, como base da conservação da espécie humana e garantia da sua sobrevivência futura_ uma humanidade consciente da sua dependência da terra e da necessidade de conservação da mais ampla diversidade biológica.
Neste contexto, de valoração das bênçãos da terra (e do esforço do homem como construtor da paisagem), da função criadora da natureza mãe, a exaltação do modo de vida “sustentável” da aldeia não surge como apelo atávico e passadista, mas configura-se como surpreendentemente moderno.
É verdade que parecemos longe da utilidade deste conceito para montar as Cadeias de Valor da economia do turismo, mas estamos perto de conhecer o conceito de “gosto”, que, para além do de “motivação”, constitui a chave que permite organizar a oferta de um destino turístico, orientado para o seu principal público-alvo, a classe média, com todos os seus segmentos. O “gosto”, que comporta valores estéticos e éticos.
O primeiro protesto deste século vem do próprio Eça de Queirós e da sua obra  A Cidade e as Serras  (1901).
A Cidade e as Serras, de Eça de Queiroz, dá-nos o testemunho dos malefícios da civilização, representada pelas grandes metrópoles, onde o consumismo excessivo conduz ao tédio, depois ao pessimismo e ao vazio existencial . Só o regresso à Natureza, que a paisagem humanizada do Douro e as serras simbolizam, pode fazer renascer a natureza humana que existe em Jacinto, como uma segunda pele liberta dos artifícios da vida urbana.
A cidade representa, tradicionalmente, a passagem da natureza à cultura. Mas a cultura da cidade começara a ser entendida como artificial, responsável por uma desnaturalização do homem.
1.3 Terceiro axioma: Um novo quadro concetual para o estudo do trinómio Literatura-Ambiente-Turismo Ambiental
A ecologia e a metafísica da paisagem são conceitos operativos da hermenêutica e do discurso da Filosofia da Natureza e do Ambiente aplicada à conceptualização do corpus científico dos estudos de Turismo e do novo Paradigma Turístico
No quadro da Filosofia da Natureza e do Ambiente, a ecologia da paisagem conduz-nos à sua interpretação e leitura pela via das ciências.
A metafísica da paisagem parte desta epistemologia científica, que envolve uma dimensão multidisciplinar e articula-a com uma ontologia estética e cultural plasmadas na história, na vivência contemporânea e na prospetiva do futuro dos seus povoadores.
Para melhor explicar a validade hermenêutica e a competência operativa destes conceitos, que constituem uma única e global perspectiva filosófica, recorramos agora à Geografia e ao Paisagismo, reafirmando que aquela ciência, é talvez aquela que, na sua metodologia de trabalho científico mais próxima fica das «Ciências do Turismo», por ora ainda entre comas.
Na sua comunicação Geografia e Reflexão Filosófica, apoiando-se na Geographia de Estrabão, O. Ribeiro sublinha a sua polimatia (pluri e interdisciplinaridade). Pensamos que é uma preocupação do filósofo, se de alguma outra ciência o foi, a Geografia, que agora nos propomos estudar…A polimatia (pluridisciplinaridade) que, só por si, pode conduzir ao termo este trabalho, não existe em nenhum homem que não considere simultaneamente o divino e o humano, a cujo conhecimento chamam a Filosofia.(Ribeiro, 1980:188)
É aqui que diremos que a essência da metodologia do trabalho científico de informação e guionamento turísticos consiste em «descrever e interpretar» a Terra e os homens que vivem no seu seio, de forma acessível aos diferentes segmentos de público. A aqui se cruza com o texto literário.
E  esta conceção científica ao conduzir a uma Filosofia nascida da observação e da leitura da paisagem e da síntese da Terra e do Homem que a habita e transforma (que designamos como «paisagem cultural»), mas ao mesmo tempo a ameaça degradar ou destruir, fundamenta a necessidade de uma ética do turismo.
E é neste ponto que O. Ribeiro estabelece o nível de encontro e de fecunda partilha entre Ciência e Filosofia.
Epistemologia, isto é saber que deriva da experiência, Gnoseologia, que parte das ideias e não dos factos, Teoria do conhecimento, em que a própria realidade pode ser posta em causa. No fundo a famosa «questão dos universais» ou relação entre o particular e o geral, que perpassa na filosofia cristã medieval e nunca será provavelmente resolvida. Como Humboldt, Goethe ou Einstein creio firmemente na «harmonia interna do nosso mundo», lógico como condição da inteligibilidade; com Jacques Monod «no postulado de base do método científico: a saber que a natureza é objetiva e não projetiva». Sem ignorar que, por trás das claridades que a razão faz resplandecer, permanece o mistério que o pensamento filosófico pretende penetrar de maneiras por vezes contraditórias. Contemporâneos de Newton, que coroa um século de investigação sobre a estrutura do Universo inteligível, são o realismo de Locke: «Nihil est in intelectu quod prius non fuerit in sensu» em perfeita concordância com o desenvolvimento científico da época; e o idealismo de Berkeley; «não sendo sujeito cognoscente nem objeto cognoscível não pode atribuir-se à matéria nenhuma espécie de existência»; ele move-se, como em Schopenhauer, em O Mundo Como Vontade e Representação _título expressivo de uma ideia que nenhum cientista (recorde-se a frase de Monod citada acima) pode aceitar. (Ribeiro, 1980:200/201)
É este apenas tocar a verdade, estas marcas humanas na paisagem, esta parte do mistério eternamente procurado, de que fala Goethe (Conversações com Eckerman), evocado por Orlando Ribeiro:
Glosando este pensamento diremos: É precisamente no cruzamento dos caminhos da arte, do saber e da ciência que o turismo cultural e o turismo de natureza têm a sua origem (turismo ambiental)…e a  Arte, como seja a arte literária, ganha a condição de mediadora.
               A leitura e a interpretação da paisagem constitui um processo racional e emotivo, servido pela informação científica, a forma é uma noção do poder alquímico e de valor liminar entre o ser e o aparecer. A natureza, a totalidade das formas, é tematizada a partir do eclodir de epifanias locais…”A doutrina da forma é a doutrina da transformação. A doutrina da metamorfose é a chave de todos os sinais da natureza.” (Goethe,1993:27) . Então, compreender a forma do que vemos ou julgamos percecionar, é ir à descoberta da metamorfose, na sua dialética de passado, presente e futuro.
Retomemos a conceptualização da Geografia de O. Ribeiro: “...enquanto corpo científico, uma ciência de observação seletiva e descrição significativa da paisagem, que, pela sua complexidade, não se pode reduzir a modelos matemáticos computorizados e cuja metodologia, indutiva e dedutiva, apenas nos permite «tocar a verdade.”(Ribeiro, 1980:200/201)
É exatamente esse o método indutivo e dedutivo para organizar a informação e o guionamento turísticos, traduzidos em novos conceitos de base científica aos quais denominamos Rota e Circuito. Trata-se, em primeiro lugar, de observação seletiva e descrição significativa da paisagem cultural, na ótica da economia do turismo e das necessidades diversificadas dos seus públicos-alvo, e é por aqui que passa a linha de demarcação com a Geografia e uma nova linha de cruzamento com a Literatura.

A Ecologia da Paisagem e a Metafísica da Paisagem

Importa assinalar que, em nossa opinião, o conceito de ambiente se constitui e adquire uma conotação “moderna” quando deixa de significar apenas conservação da natureza e oposição da cidade ao mundo rural.
Ele incorpora, progressivamente, uma dimensão científica plural, não só aquela que lhe empresta a Ecologia tradicional, enquanto ciência da relação dos seres com o meio, mas também um vasto leque de outros domínios científicos, a Geografia e a História quando estudam a humanização dos grandes quadros naturais, a Biologia que revela a importância da diversidade dos seres vivos, a Geologia que nos conduz ao reconhecimento das condições paleoambientais geradoras dos ciclos de extinção e expansão da biodiversidade, a Matemática quando cria modelos de avaliação e gestão dos sistemas ecológicos, a Física e a Química que intervêm na análise dos fenómenos de poluição e mudança climática…ao mesmo tempo que remete para a necessidade de avaliar o nosso modo de crescimento nos planos da ética e da moral. Esta nova visão ambiental da paisagem, pluri e interdisciplinar, que é, simultaneamente, um instrumento operativo da sua hermenêutica e uma categoria do domínio da Filosofia da Natureza, designamo-la por: -Ecologia da paisagem (humanizada). Ela compreende, na nossa definição, uma visão estrutural e sistémica que engloba os grandes quadros naturais, caracterizados e diferenciados, seja pelos diversos domínios da ciência – que vão das ciências do ambiente às ciências exatas; seja pela presença transformadora do homem no seu esforço de agricultor, pastor e arquiteto da paisagem. E daí, também, o concurso das ciências históricas e humanidades. Recordemos, a propósito a reflexão de Francisco Caldeira Cabral sobre a paisagem humanizada, no âmbito da definição do objetivo e da missão da arquitetura paisagista:
[…]o seu objeto próprio é a paisagem humanizada, isto é, aquela que o homem modelou para satisfação das suas necessidades primárias. Quer isto dizer que a sua ação tem por fim o homem em toda a sua complexidade material e espiritual, para o qual procura encontrar a satisfação dos fins materiais, mas sem esquecer nunca os aspetos de ordem, de beleza e equilíbrio. Procura realizar uma síntese das aspirações humanas neste mundo, e por isso é uma arte, uma das belas artes. (Cabral, 1993:46)
               Mais adiante, prossegue Caldeira Cabral: "Nos países da Velha Europa nada resta da natureza intacta…Aqui a intervenção do arquiteto paisagista, que defendendo a natureza defende o homem, é não só necessária mas imperativa." (Cabral, 1993:46) Após o que desenvolve as suas metodologias de cooperação e trabalho, pluridisciplinares e interdisciplinares, associando arte, ciência e técnica, operários e lavradores, a ecologia e a biologia com as ciências físico-matemáticas, a história e a estética, enfim, citando S.Tomás, «uma arte que coopera com a natureza».
Mas a interpretação da paisagem, na ótica da Filosofia da Natureza e do Ambiente, ficaria incompleta sem o recurso a um outro elemento categorial, que definimos como:- Metafísica da paisagem, que é do domínio da “espiritualidade”, da “alma” das coisas, dos sentimento estéticos da “beleza” e do “belo” ou do “sublime”, do “trágico”, do dramático”, do “maravilhoso”…A metafísica da paisagem permite-nos, enfim, efetuar também a passagem da descrição e interpretação científicas para o o texto poético e literário e para as artes plásticas, em particular a pintura.[7]
1.4 Quarto axioma: A função simbólica da literatura na produção de conteúdos do turismo ambiental
O turismo tem sido estudado como uma atividade económica, a partir dos seus produtos e das suas empresas. Mas recoloquemos a questão essencial:  porque viajam as pessoas e para quê? Consideremos a matriz criada pela OMT_ Organização Mundial do Turismo, a partir de um modelo conceptual que assenta nos serviços e produtos oferecidos pelo mercado e no que parece ser a motivação e finalidade dos diversos segmentos turísticos, composto pelas categorias e atividades seguintes:

Table I. List of categories of tourism characteristic consumption products and tourism characteristic activities

List of categories of tourism characteristic consumption products and tourism characteristic activities
Products                                                                    Activities
1. Accommodation services for visitors              1. Accommodation for visitors
2. Food and beverage serving services                2. Food and beverage serving activities
3. Railway passenger transport services              3. Railway passenger transport
4. Road passenger transport services                   4. Road passenger transport
5. Water passenger transport services                 5. Water passenger transport
6. Air passenger transport services                      6. Air passenger transport
7. Transport equipment rental service                 7. Transport equipment rental
8. Travel agencies and other                                   8. Travel agencies and other reservation                                                                        services                                                                    activities
 9. Cultural services                                                9. Cultural activities
10. Sports and recreational services                  10. Sports and recreational activities
11. Country-specific tourism                            11. Retail trade of country-specific tourism characteristic services  goods
12. Country-specific tourism                            12. Country-specific  tourism                                                        characteristic services                                             characteristic activities
Source: 2008 Tourism Satellite Account: Recommended Methodological Framework (TSA: RMF 2008)

Esta conceptualização, se adequada para distinguir entre si os serviços turísticos, não permite no entanto separar os produtos que são especificamente turísticos dos que são serviços prestados à sociedade em geral, seja nos transportes ou na oferta cultural, como exemplos. [8]
Mas sobretudo, tão pouco engloba todas as categorias de produtos e atividades que configuram a oferta e a procura turística contemporâneas_ os diversos Tipos de Turismo. Como seja, além do Turismo Cultural, o Turismo de Natureza ( ou ecológico), o Turismo em Espaço Rural, o Turismo de Idioma, o Turismo Itinerante, o Turismo Residencial de Longa Duração, o Turismo de Mar e de Rio, o Turismo Escolar e Científico, o Turismo Desportivo e de Desporto, o Turismo de jogo e diversão.
Propomos esta distinção e categorização tipológica com base em dois critérios: As suas diferentes estruturas orgânicas. A diferenciação dos seus produtos. Podemos identificar e caracterizar doze tipos de turismo, diferenciados concetualmente pelas estruturas que organizam a oferta e pelo produto que oferecem, nelas incluindo as dimensões física e metafísica, material e imaterial dos seus produtos turísticos específicos. Enunciemos esses doze tipos de turismo, enfatizando as suas estruturas orgânicas diferenciadoras:
  1. O Turismo Cultural, cujas estruturas orgânicas são os museus, monumentos e sítios históricos e arqueológicos, galerias de arte, nomeadamente os que são Património da Humanidade, festas e celebrações, com todo o seu património material e imaterial.
Os seus principais produtos são as coleções museológicas, oferecidas sob a forma de visitas às exposições permanentes e temporárias. Mas também todas as atividades de animação que partem do seu património e espaço.
Integrando nesta categoria o Turismo Religioso.
  1. O Turismo de Natureza ou Ecológico, estruturado com a Rede de Parques e Reservas Naturais, Sítios Paleontológicos e Geoparques, e os Centros de Interpretação da Natureza, alguns dos quais também recebem o estatuto de Património da Humanidade, enquadrado pelos grandes quadros paisagísticos.
São seus produtos os percursos de descoberta, observação e interpretação da biodiversidade e da geodiversidade, mas também de usufruto da paisagem cultural,  que integra categorias estéticas e para-estéticas.
Nesta categoria se insere o Turismo de Saúde, assente na oferta termal, mas também nos prazeres da água, alimentação funcional, passeios e itinerários/percursos oferecidos pelos circuitos.
E nela se articulam ainda os Desportos de Natureza.
  1. O Turismo (em Espaço) Rural, organizado a partir do alojamento em pleno campo, em hotéis, casas e aldeamentos rurais, de descoberta das paisagens humanizadas (culturais) e dos ciclos de trabalho, associado ao turismo ativo entendido como um conjunto de atividades físicas (caminhada, marcha, passeios a cavalo ou de burrico…),  ao turismo cinegético e à pesca amadora: com elementos comuns ao turismo de saúde, tais são as atividades de ar livre e a alimentação tradicional (funcional).
Nesta categoria inserimos o turismo de golfe, como um segmento específico que ocorre no quadro de uma paisagem humanizada e adaptada a um dos desportos de ar livre.
  1. O Turismo de idioma, promovido sobretudo pelas universidades e institutos do ensino superior, dirigido à promoção do conhecimento da língua e da cultura entre os estrangeiros.
  2. O Turismo de Congressos e Negócios. Que necessita de uma rede de centros de congressos e recintos de feiras.
  3. O Turismo Gastronómico e Enológico, organizado a partir dos estabelecimentos de restauração e adegas, com relevo particular para a valorização do vinho, dos enchidos, dos queijos e das receitas gastronómicas, com valor de ícones.
  4. O Turismo de mar e de rio, que inclui portos e marinas, praias fluviais e albufeiras, com as suas atividades de lazer e os seus desportos característicos.
  5. O Turismo Residencial de longa duração, assente na compra de habitação própria, que se expande do litoral para o interior e aproveita as ofertas do turismo cultural e de natureza, do turismo gastronómico e enológico…
  6. O Turismo Itinerante, que corresponde ao emergir de uma nova classe de utilizadores das modernas autocaravanas, viajando individualmente ou em grupo, que procura os produtos  do turismo cultural e de natureza, embora necessite igualmente de um novo tipo de parques para autocaravanas, capaz de reabastecer, reciclar, fornecer informação qualificada e mesmo de oferta de alojamento suplementar.
  7. O Turismo escolar e científico, partindo das escolas, universidades centros de investigação e associações, que corresponde aos modelos das visitas de estudo ou dos passeios intercalares ou de finalistas, que se prolongam para além de uma jornada, mas também a percursos ou a expedições de carácter e objetivos marcadamente científicos e culturais, ampliado pela oferta dos museus (e centros de ciência) de 2º e 3ª geração, parques da ciência e da técnica e pela musealização da arqueologia industrial.
  8. O Turismo desportivo e de desporto, servido pela rede multifacetada dos desportos modernos, entendendo o primeiro como o que se refere à deslocação dos atletas profissionais e amadores e das suas equipas e o segundo relativo aos adeptos e espectadores.
  9. O Turismo de jogo e diversão, organizado a partir dos casinos e dos parques temáticos, com a sua animação própria.
A concetualização formal do turismo tem-se desenvolvido através da aquisição de vocábulos de outras áreas, processo que é comum aos diversos domínios científicos e à sua dinâmica interdisciplinar, mas, e no caso vertente, de uma forma pragmática, sem um debate unificador e crítico de muitos dos conceitos mais vulgarizados. Ora, toda a construção concetual, em ciência, necessita de obedecer ao imperativo da unidade interna dos seus critérios unificadores e diferenciadores, sob pena de confusão, sobreposição, perda de coerência e disfuncionalidade.  Esses critérios, que nos permitiram caracterizar doze tipos de turismo, são para nós as diversas estruturas que organizam a oferta e o correspondente produto diferenciador.

2. O conceito de gosto e de representação artística

A paisagem cultural, rural e urbana, na sua complexidade, começou a ser lida como um produto turístico graças ao surgimento e difusão do paisagismo, na sua dimensão científica, estética e ética, e à organização da visita à paisagem em Rotas e Circuitos, difundindo o gosto pela sua procura em todas as classes sociais.
Mas a questão do gosto está ligada intrinsecamente ao problema dos valores e portanto, à ética e à moral social e à estética. A difusão dos valores da Ética Ambiental e da sua Filosofia da Natureza e do Ambiente provocou igualmente uma alteração substancial no conceito de qualidade do produto turístico, que agora se qualifica quando tem um certificado ambiental, não apenas no âmbito da produção mas sobretudo na sua dimensão imaterial. Em paralelo, assistiu-se à valorização do património cultural, erudito e popular desde a Carta de Atenas (1932), até ao processo de classificação pela UNESCO dos sítios, monumentos e paisagens, como património da humanidade  O turismo cultural e o turismo de natureza interpenetraram-se num conceito único, o turismo ambiental, que tende a predominar no gosto da classe média, integrando o património material e imaterial. E fez nascer o Código Mundial de Ética do Turismo.[9] O discurso do turismo ambiental, que relaciona cultura e natureza e lê e interpreta a paisagem, gera um texto singular, que desvela e recria, no sentido heideggeriano  o produto turístico, afastando-se, ao mesmo tempo, do hermetismo do discurso científico e do comentário banal.  Ele funda uma nova realidade comunicativa, baseada na ciência, mas também na estética e na ética, e ao fazê-lo gera um produto com mais-valia turística.  Podemos demonstrá-lo com um simples exemplo, através da observação da panorâmica anexa integrada no Roteiro do Turismo de Natureza e Cultural da Serra da Estrela. A legenda corresponde à adição do contributo da história, geologia e geomorfologia à observação comum.
Foto 1: Castelo Medieval de Linhares, sobre domo de granitoInselberg (Monte-ilha, com a forma de cúpula/Bornhardt)



Fonte: Roteiro do Turismo de Natureza e Cultural da Serra da Estrela

Mas falta-lhe ainda uma dimensão estética e ética. É aqui que a poética literária  desempenha um papel decisivo, já que comporta em si mesmo estes valores. Exemplifiquemos com Aquilino Ribeiro, com o tema da floresta representado literariamente.
A génese da floresta surge - nos, no início de A Grande Casa de Romarigães, como esplendor do nacimento da vida e fundamento ecológico do sortilégio da sua diversidade:
Do pinhão, que um pé de vento arrancou ao dormitório da pinha-mãe, e da bolota,    que a ave deixou cair no solo, repetido o ato mil vezes , gerou-se a floresta. Acudiram os pássaros, os insetos, os roedores de toda a ordem a povoá-la. No seu solo abrigado e gordo nasceram as ervas, cuja semente bóia nos céus ou espera à tez dos pousios a vez de germinar. De permeio desabrocharam cardos, que são a flor da amargura, e a abrótea, a diabelha, o esfondílio, flores humildes, por isso mesmo trofeus de vitória. Vieram os lobos, os javalis, os zagais com os gados, a infinita criação rusticana…(Ribeiro,1957:285 )

3. Conclusões


No pressuposto de que os leitores deste artigo estarão familiarizados com o quadro de evolução do mercado turístico, não sobrecarregámos o texto com os dados da economia do património, da procura dos novos produtos do turismo cultural e de natureza, que atingiram a dimensão do “turismo de massas” ou com o debate acerca do emergir de um novo paradigma, a que chamámos turismo ambiental, tão pouco com uma ainda mais complexa análise dos princípios da Filosofia do Ambiente e das suas Éticas, que reposicionaram o ser humano na natureza sem nenhum estatuto de domínio e privilégio, no quadro de uma crise ambiental que se tornou global durante o século XX. [1]
A transformação do conceito de natureza em conceito de ambiente no pensamento filosófico e o emergir de um vasto corpo literário que lhe foi premonitório, conjugaram-se para permitir a leitura plena e o usufruto das paisagens culturais, com o seu património material e imaterial, e delas extrair novos produtos turísticos, ajustando a mudança de “gosto” da classe média à oferta produzida pelas Cadeias de Valor da Economia do Turismo, processo que carece ainda de uma maior esforço de síntese teórica e investigação aplicada, como é caso da construção de uma linguagem específica de comunicação turística, de uso múltiplo.
Neste contexto, procurámos elaborar um quadro concetual das relações entre Literatura e Turismo, que possa ser experimentalmente verificado enquanto categoria hermenêutica e utilizado na heurística de investigação das suas inter-relações. Nele inscrevemos quatro axiomas:
Primeiro axioma: a literatura é um recurso e uma instância mediadora do turismo ambiental.
Segundo axioma: a literatura contém tesouros inexplorados e é fonte de conhecimento premonitório da mudança de paradigma para o turismo ambiental.
Terceiro axioma, corolário do axioma anterior: está aberto um caminho de pesquisa e investigação que permite tornar visíveis as pistas que conduzem  à revelação dos contributos dos escritores  para a génese da moderna consciência ambientalista, e, por extensão, do turismo ambiental e à redescoberta das suas obras nesta perspectiva: tais são os valores morais  e do gosto social que estão associados ao surgimento do novo paradigma turístico.
Quarto axioma: a produção literatura portuguesa, premonitória na questão ambiental, na sua singularidade humanista e ambiental, deve ser lida como obra aberta à plurissignificação e à participação do leitor,  constituindo  um referencial mais de signos do que de matéria naturalmente configurada, e é nesses signos que devemos procurar o fio condutor do turismo ambiental.

Fig.4. O paradigma do Turismo Ambiental. 





















[1] Sobretudo para estes leitores anexámos a Fig.2, que representa o novo paradigma do turismo ambiental, na sua estrutura e dialética de relações.


[1] O nosso trabalho de investigação deu origem à dissertação de Mestrado em Filosofia da Natureza e do Ambiente, A contribuição dos poetas e prosadores portugueses para a génese da moderna consciência ambientalista. Universidade de Lisboa, 2000. E à Tese de Doutoramento em Filosofia, A Representação da Natureza e do Ambiente na Cultura Artística e Científica da Geração de 70, Universidade de Lisboa, 2006.. Nelas se podem encontrar centenas de entradas para os escritores e poetas portugueses dos séculos XIX e XX. Alguns extratos desses trabalhos foram adaptados ao presente artigo.
[2]  Padre António Vieira, Sermão de Santo António aos Peixes: ”Mas, para que conheçais onde chega a vossa crueldade, considerais peixes, que também os homens se comem vivos, assim como vós. Citado por Ramalho Ortigão, in O Mar, in As Praias de Portugal-Guia do Banhista e do Viajante, pág. 34.
[3]  A influência do fisiocratismo, de Adam Smith na Inglaterra a Thomas Jefferson nos EUA, do seu ideário económico, político e filosófico, é notória no pensamento da época e também na reflexão dos nossos liberais oitocentistas. Veja-se, sobre o tema, a obra de Viriato Soromenho Marques, Regressar à Terra, particularmente a síntese do pensamento político de Jefferson, no que respeita à propriedade da terra, pág. 189.
[4].É esta uma ideia predileta dos liberais de l833, Herculano à cabeça. Acreditava-se que a única riqueza provém da terra fecundada pelo trabalho e receitava-se como remédio para a penúria nacional, o arroteamento dos baldios, o melhoramento dos processos de lavoura e o desenvolvimento das indústrias dependentes da agricultura. ”A. José Saraiva, Para a História da Cultura em Portugal, Vol. II, parte II, pág. 67.
[5] De ora em diante utilizaremos apenas o conceito de “paisagem”, entendido como quadro natural humanizado pelo esforço (o trabalho) humano, isto é, “paisagem cultural”.
[6] Ver as obras de Aquilino Ribeiro: Andam Faunos Pelos Bosques, Via Sinuosa, Terras do Demo, Volfrâmio e Uma Luz ao Longe e a nossa análise do romance Quando os Lobos Uivam, págs. 52 e 53 da dissertação de Mestrado.
[7] Faça-se, por exemplo, o cotejo da Nave de Pedra de Fernando Namora, com o seu quadro sobre o mesmo tema ( Monsanto).
[8] Consultar: Queirós, A. (2013).  Critical Contribution to XXI Century Tourism Satellite Account and the Iberian market evolution”. La Economía en la Sociedad del (des)Conocimiento. Págs. 263-264 e 1021 a 1041. Coordinador José Maria Moreno Jiménez. Asociación Internacional de Economía Aplicada. ASEPELT. Universidad Zaragoça. ISSN: 2174-3088

[9] Queirós, A. (2012). Ética e Turismo. Journal of Tourism and Development [Revista Turismo & Desenvolvimento], n.º 17/18 – Volume 2. ISSN: 1645-9261

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